Reação tímida do mercado à PEC da Transição não indica preocupação menor dos investidores com fiscal, apontam analistas

Mesmo que a reação não tenha sido tão forte do mercado em relação à aprovação da PEC, os riscos fiscais seguem (e muito) no radar. 

Lara Rizério

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As sessões da Bolsa que coincidem com a tão aguardada votação da PEC da Transição têm sido marcadas por movimentos tímidos do mercado.

Na véspera, o índice de referência do mercado acionário brasileiro, o Ibovespa, subiu 0,72%, a 110.188,57 pontos, enquanto o dólar caiu 0,25%, com as principais altas de ações sendo principalmente ligadas a commodities, ligadas à tese de reabertura econômica da China. Nesta quarta-feira (7), em que a PEC deve ir à votação do Plenário, o Ibovespa tinha perdas de 0,20% no início da tarde, às 12h30 (horário de Brasília), também guiado pelas ações de commodities, desta vez para baixo, com os dados ruins da balança comercial do gigante asiático e com maiores temores de recessão global, enquanto o dólar caía 0,9%, na casa dos R$ 5,22 na compra e na venda.

Na véspera, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou a proposta de emenda constitucional para aumentar o teto de gastos em cerca de R$ 145 bilhões para os próximos 2 anos, mas a inclusão da possibilidade de usar receitas extraordinárias e recursos do PIS/Pasep fora do teto de gastos pode levar a expansão para cerca de R$ 200 bilhões. A proposta também exige que o Executivo apresente um novo projeto de lei de enquadramento fiscal até agosto de 2023.

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O valor de R$ 145 bilhões estampados nas manchetes, menor do que os R$ 175 bilhões esperados, e a expectativa por algum enxugamento quando ocorrer a votação na Câmara dos Deputados poderiam ser justificativas para a maior tranquilidade do mercado. A percepção, no geral, é de que o desenho atual da PEC evitou um cenário pior, mas ainda há desconforto com o esforço do governo eleito para aumentar gastos.

A chance da PEC ser aprovada como está é vista como alta, inclusive com a falta de reação do mercado financeiro. Além disso, um dos mecanismos que entraram no texto, como a permissão para o uso de arrecadação excedente até o limite de R$ 23 bilhões, foi estendido, inclusive, para 2022, facilitando a liberação de emendas do relator no final do ano, o que ampliou boa vontade do “centrão” com a proposta.

Desta forma, mesmo que a reação não tenha sido tão forte do mercado em relação à aprovação da PEC, os riscos fiscais seguem no radar.

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A PEC indica que o governo eleito apresente até agosto de 2023 um novo arcabouço fiscal mas “o grande problema é que o teto de gastos é medida constitucional e o novo arcabouço não, ou seja, seria muito mais fácil não cumprir as metas porque dependeria de Lei Complementar”, avalia o diretor da Wagner Investimentos, José Faria Jr.

A XP destaca ver alguns avanços no texto, mas que o gasto adicional é muito mais do que o necessário para benefícios do Auxílio-Brasil e para ajustar o orçamento. “Além disso, não vemos nenhuma probabilidade de queda nas despesas em 2025, então o aumento atual será permanente e provavelmente causará déficit nos próximos anos”, aponta.

Em relatório, Tiago Sbardelotto, economista da XP, avaliou ainda que, embora a proposta coloque um prazo de dois anos para a elevação do teto de gastos, é certo que não há possibilidade de redução de despesas com Bolsa-família a partir de 2025 (nem com outras despesas). “Portanto, permanece em aberto como será financiada a expansão de gastos nos próximos anos. Enquanto essa equação não for solucionada, nossa expectativa é de um cenário mais turbulento, com possível manutenção de taxas de juros em patamar mais elevado por um período mais longo e um crescimento da atividade econômica potencialmente menor”, avalia.

Para o Goldman Sachs, a emenda constitucional não só valida uma grande expansão fiscal em 2023 como ocorre sem compensação de ajustes de receitas ou despesas, sem o compromisso de buscar reformas estruturais fiscais para enfrentar as fragilidades fiscais conhecidas e sem uma proposta de âncora fiscal para substituir o agora muito mais alto teto de gastos.

“Com os gastos adicionais, esperamos que o setor público consolidado volte aos déficits fiscais primários e que a dívida pública bruta volte a crescer. No geral, esperamos que o saldo fiscal primário consolidado do setor público mude de um superávit projetado de 1,3% do PIB em 2022 para um déficit de 1,4% do PIB em 2023 e a dívida pública bruta aumente em 3 a 4 pontos percentuais do PIB. Além disso, uma postura fiscal mais frouxa em um cenário de aperto no mercado de trabalho prejudica a eficácia da política monetária e a busca do Banco Central para reduzir a inflação e ancorar novamente as expectativas de inflação”, avalia o banco.

A expectativa, por sinal, é que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, que deve manter a Selic em 13,75% ao ano, dê sinalizações referentes à política fiscal, em meio ao desconforto com os reflexos da PEC nas contas públicas.

O Itaú ressalta também que, de modo geral, se aprovado com o teor atual, esse projeto de lei implicaria uma expansão fiscal significativa, que, se não compensada, traria um aumento substancial da dívida pública.

“Estimamos que isso poderia resultar em um déficit primário de cerca de 2,3% do PIB em 2023 (em comparação com nosso superávit primário de 1,1% projetado em 2022) e levaria a um aumento da dívida pública em relação ao PIB de cerca de 4 a 5 pontos percentuais, para 78-79% (ante estimativa anterior de 74,3% em 2022).

Com a aprovação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, o projeto seguirá agora para votação no plenário, marcada para hoje, aponta o Itaú, sendo que o Senado planeja concluir o processo de votação esta semana, o que permitiria que a Câmara votasse o projeto na próxima.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.