PEC da Transição: CCJ do Senado aprova texto com ampliação do teto em R$ 145 bilhões e possibilidade de gasto extra para investimentos

Texto agora segue para análise do plenário, onde precisa do apoio de pelo menos 3/5 (ou seja, 49 dos 81 senadores) em dois turnos de votação

Marcos Mortari

Os senadores Davi Alcolumbre, Fernando Bezerra Coelho e Alexandre Silveira em sessão na CCJ do Senado Federal (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)

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Os integrantes da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal aprovaram, nesta terça-feira (6), parecer da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição. O texto, sob relatoria do senador Alexandre Silveira (PSD-MG), recebeu apoio unânime dos parlamentares em votação simbólica.

Com isso, a PEC, aposta do governo eleito para abrir espaço orçamentário e garantir o pagamento do Bolsa Família (que será retomado no lugar do Auxílio Brasil) “turbinado” e outras promessas de campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), segue para análise do plenário, onde precisa do apoio de pelo menos 3/5 (ou seja, 49 dos 81 senadores) em dois turnos de votação.

A expectativa é que as duas votações em plenário ocorram na quarta-feira (7). Para isso, será necessário um acordo entre os parlamentares para a quebra dos prazos previstos no regimento interno da casa legislativa. Nos bastidores, parlamentares tentam viabilizar a votação ainda nesta noite.

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O governo eleito corre contra o tempo para aprovar a matéria. Uma vez aprovada pelo Senado Federal, a PEC ainda precisa ser analisada pela Câmara dos Deputados, também com necessidade de apoio de 3/5 (ou seja, 308) em dois turnos de votação. As duas casas precisam votar o mesmo texto para que ele seja promulgado. Restam 16 dias para o início do recesso parlamentar.

O resultado ocorre após ajustes no texto por parte do relator, em meio a resistências de parlamentares quanto ao espaço fiscal concedido ao governo eleito fora do teto de gastos – a regra fiscal que limita o crescimento de despesas públicas em um exercício ao comportamento da inflação no ano anterior.

Inicialmente, o governo eleito pedia um “waiver” (ou seja, uma licença para gastar) além do teto de gastos de R$ 198 bilhões, sendo R$ 175 bilhões apenas para o Bolsa Família. A ideia era retirar das limitações da regra fiscal os R$ 105 bilhões já previstos no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), que garantiria o pagamento de R$ 400,00 no Auxílio Brasil.

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Ao montante seriam acrescidos R$ 70 bilhões para viabilizar a manutenção das parcelas mensais nos atuais R$ 600,00 e o pagamento adicional de R$ 150,00 a famílias com crianças de até seis anos.

O restante poderia ser alcançado a partir de “excesso de arrecadação” em relação aos valores previstos na lei orçamentária, com um limite de R$ 23 bilhões. Como parâmetro, o texto estabelece que os valores não poderiam superar 6,5% da arrecadação superou as previsões da lei orçamentária em 2021. Os recursos teriam que ser empregados em investimentos públicos.

Ao aumentar o espaço fiscal, abre-se margem na peça orçamentária de 2023 para despesas com saúde e educação, em políticas públicas como o programa Farmácia Popular, a merenda escolar e a construção de casas populares a partir da retomada do Minha Casa Minha Vida. O governo eleito também promete um reajuste real do salário mínimo logo para o primeiro ano de gestão.

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Diante das resistências de parlamentares ao espaço fiscal pedido inicialmente, Silveira promoveu modificações em seu texto. Uma delas foi reduzir o “waiver” para R$ 145 bilhões − patamar mais próximo ao projetado por analistas políticos consultados pelo InfoMoney. Montante que pode chegar a R$ 168 bilhões em situações de “excesso de arrecadação”.

Ao contrário do que pedia o governo eleito, o relator decidiu não retirar o Bolsa Família das limitações impostas pelo teto de gastos pelo período de quatro anos. No lugar, preferiu acrescer R$ 175 bilhões ao montante previsto para a regra fiscal nos exercícios de 2023 e 2024.

O espaço poderia ser ainda maior, considerando que o texto prevê que despesas das instituições federais de ensino custeadas por receitas próprias, de doações ou de convênios celebrados com demais entes da federação ou entidades privadas, também seriam excluídas do teto.

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O mesmo vale para gastos com projetos socioambientais ou relativos às mudanças climáticas, no âmbito do Poder Executivo, custeadas por recursos de doações.

Silveira acrescentou à lista recursos decorrentes de acordos judiciais ou extrajudiciais que tiveram como origem desastres ambientais. Um exemplo seria um possível acordo em que a Vale compensaria a União pelo desastre de Mariana.

Ainda nessa linha, o relator propôs a exclusão do teto de gastos das despesas custeadas com recursos oriundos de operações financeiras com organismos multilaterais dos quais o Brasil faça parte, destinados a financiar ou garantir projetos de investimento em infraestrutura, constantes do Plano Integrado de Transportes e considerados prioritários por órgão colegiado do setor.

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O parecer aprovado também introduz dispositivo que força o novo governo a encaminhar ao Congresso Nacional uma proposta de novo arcabouço fiscal ainda no ano que vem. A ideia era defendida pelo senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), autor de uma proposta alternativa à PEC da Transição.

Inicialmente, o prazo seria dezembro de 2023, mas a mudança foi acertada ao longo do dia entre os senadores e confirmada pelo senador Jaques Wagner (PT-BA), designado por Lula um dos responsáveis por negociar a PEC no Senado.

“O envio do novo arcabouço fiscal já foi acordado e nós reduzimos, conforme demanda de colegas, para seis meses”, disse o parlamentar.

De acordo com o texto, o presidente da República deverá enviar um projeto de lei complementar para a instituição de regime fiscal sustentável inspirado na PEC 34 de 2022 “com o objetivo de garantir a estabilidade macroeconômica do país e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico”.

Outro ponto incluído no relatório foi a prorrogação da Desvinculação de Recursos da União (DRU) até o final de 2024, permitindo ao governo remanejar verbas orçamentárias.

O texto prevê desvinculação de até 30% da arrecadação da União “relativa às contribuições sociais, às contribuições de intervenção no domínio econômico e às taxas, já instituídas ou que vierem a ser criadas até a referida data”.

Para superar resistências de parlamentares, Silveira apresentou outras três novidades em seu relatório. A primeira exclui do escopo de incidência do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCDM) as doações destinadas, no âmbito do Poder Executivo da União, a projetos socioambientalistas ou aos destinados a mitigar os efeitos das mudanças climáticas, e às instituições federais de ensino (IFEs).

Outra mudança foi a retirada das restrições impostas pelo teto de gastos de despesas da Fundação Oswaldo Cruz custeadas por receitas próprias.

O terceiro ponto foi a inclusão do programa Gás dos Brasileiros no “waiver” fiscal (ou seja, na licença para gastar). Desta forma, não será preciso observar, em 2023, as limitações legais quanto à criação, expansão ou aperfeiçoamento da ação governamental, inclusive quanto à necessidade de compensação.

Negociações

A aprovação veio depois de acordo proposto pelo senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) de reduzir a expansão do teto em R$ 30 bilhões. Apesar do entendimento, o parlamentar informou que apresentará em plenário emenda para tentar reduzir o prazo de validade da regra de dois para um ano e que ainda tentará reduzir a expansão do teto.

Parlamentares apresentaram novas emendas durante os trabalhos da CCJ. Ao todo, 52  sugestões de alterações foram protocoladas. A reunião, iniciada às 10h34, chegou a ser suspensa por mais de três horas para o relator analisá-las e novos pontos foram negociados entre os senadores na busca de um texto de consenso.

Os principais pontos de divergência, segundo o senador Jaques Wagner (PT-BA), estariam no prazo da PEC, na data de envio do novo marco fiscal e na redução do impacto da proposta em R$ 30 bilhões.

Parte dos senadores sugeriu que a expansão dos gastos para o pagamento valesse apenas por um ano e cobraram que a proposta de um novo marco fiscal para substituir o teto de gastos seja encaminhado em seis meses após o início do novo governo.

O ponto mais sensível, segundo Wagner, e que seguirá em discussão no plenário, é a redução do prazo de dois anos para um ano do valor definido para os programas sociais.

“Se eu dou um, eu estou premido; se não conseguirmos votar o novo arcabouço fiscal, eu vou ter que fazer alguma coisa para manter o orçamento do Bolsa Família. Na verdade, o segundo ano, eu diria, é um seguro; não é uma folga para não votar o novo arcabouço fiscal”, afirmou.

Senadores se queixaram do curto prazo para análise da matéria. Líder do governo no Senado, Carlos Portinho (PL-RJ) afirmou que é favorável à manutenção do pagamento dos R$ 600 no próximo ano, mas pediu um prazo maior para de discussão da matéria. O parlamentar apresentou um requerimento para realização de uma audiência pública para debater a PEC, mas o pedido foi rejeitado pela CCJ.

“O próprio governo concorda com a valor de R$ 600 do Auxílio Brasil, mas a gente tem outras questões que não podemos, com todo respeito, passar no atropelo. O relatório entrou agora; quando deu quórum, entrou o relatório; 20 páginas; é um tema complexo. E foi alterado. Agora, é necessário que a gente tenha o prazo para a gente poder avalizar”, disse.

Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro (PL),  reforçou o pedido de adiamento da votação e disse que o consenso se limitaria aos R$ 600,00. Ele afirmou que a manutenção do benefício poderia ser feita por meio da edição de uma medida provisória e criticou a “correria” para votação.

“Essa correria, no meu ponto de vista pelo menos, gera, sim, uma incerteza, gera uma instabilidade, gera uma imprevisibilidade. O presidente [Jair] Bolsonaro pode, por exemplo, editar uma medida provisória e garantir os R$ 600,00, desde que não haja óbices no tocante a possíveis crimes de responsabilidade. Está resolvida a questão. […] A gente não sabe nem quem é o ministro da Economia que vai tomar conta disso”, disse.

Relator do Orçamento e primeiro signatário da PEC, Marcelo Castro (MDB-PI) afirmou que a mudança no teto de gastos é fundamental para garantir o mínimo para o país funcionar em 2023. “Não se está querendo fazer uma gastança desenfreada nem cometer irresponsabilidade fiscal. É o mínimo necessário e indispensável para o país funcionar”, disse.

Integrante da equipe de transição do governo eleito, a senadora Simone Tebet (MDB-MS), que disputou a Presidência da República nas últimas eleições e apoiou Lula no segundo turno, reforçou que a mudança no teto de gastos é urgente.

“A crise está aí e ela não é só do Bolsa Família. Eu estou no grupo da transição. Só do Bolsa Família, são R$ 175 bilhões, mas temos R$ 2 bilhões do gás. Se nós não abrirmos um crédito, não teremos R$ 2 bilhões do gás. Se nós não abrirmos um crédito de R$ 3 bilhões para o Suas, não vai ter dinheiro para os municípios garantirem os Cras [Centros de Referência de Assistência Social] na assistência social”, apontou.

Apesar de ser favorável à manutenção dos programas sociais, Tasso Jereissati (PSDB-CE) alertou durante a reunião que a manutenção do valor de R$ 175 bilhões pode trazer riscos para a economia. O senador é autor de uma proposta alternativa à PEC da Transição, com liberação de R$ 80 bilhões de espaço fiscal sobre o teto de gastos.

“Se esse número de R$ 175 bilhões prevalecer, eu posso escrever aqui que nós estaremos, dentro de dois anos, vivendo juros reais de cerca de 9% — a perspectiva é de 9% reais. E isso é o maior afugentador de investimento, e investimento é o que gera emprego. Ao mesmo tempo, a inflação deve estar em altíssimos patamares também”, alertou.

(com Agência Senado)

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.