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O grande protagonista da temporada de resultados dos bancos no Brasil não foi um nome mas, sim, um número. Em todos os balanços, a resolução nº 4.966/21, do Conselho Monetário Nacional, foi citada e teve impacto maior ou menos. O antigo padrão contábil nacional utilizado era o BRGAAP e sua substituição, a princípio, foi motivada pela maior sinergia entre as normas brasileiras e as internacionais de contabilidade.
No caso do balanço do Banco do Brasil (BBAS3) no primeiro trimestre de 2025, a regra foi parcialmente responsável por trazer lucro abaixo do esperado. A dificuldade em adequar a carteira de crédito de agronegócio, com inadimplência acima do esperado pelo banco, às novas regras esteve presente nas falas na teleconferência sobre os resultados do banco estatal.
“As mudanças contábeis introduzidas pela Resolução 4.966 tornaram as comparações dos dados financeiros com os números históricos mais incertas, particularmente para o Banco do Brasil, dado seu grau de exposição ao segmento do agronegócio, que apresenta peculiaridades quanto ao perfil de seus empréstimos (notadamente a prevalência de operações com pagamento único). Isso, somado à recente deterioração na qualidade do crédito, eleva as preocupações sobre o nível de retorno que o banco pode alcançar no curto prazo”, afirmou relatório da XP sobre Banco do Brasil.
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A XP destacou que a resolução fez com que várias mudanças fossem implementadas, como a receita de títulos privados com características de crédito foram alteradas para operações de crédito. Isso fez com que houvesse um aumento de R$ 3,9 bilhões na receita de juros (NII) de clientes, que foi compensado pela mesma redução do indicador de mercado. Além disso, houve redução de cerca de R$ 1 bilhão na provisão de juros sobre operações de estágio 3 sob regime de caixa e período de provisão para operações vencidas foi estendido de 60 para 90 dias.
“Devido aos vários impactos da Resolução 4.966, a administração do BB colocou em revisão seu guidance de NII para 2025 (anteriormente variando de R$111,0 bilhões a R$115,0 bilhões)”, afirma o relatório da corretora sobre o balanço.
O ponto também foi destacado pela Genial, uma vez que as operações em estágio três passaram a ser reconhecidas apenas pelo regime de caixa, em vez do regime de competência.
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O principal ponto de mudança, dentre inúmeros presentes na troca, é a nova forma de demonstração da chamada perda incorrida e a expectativa de perda, de acordo com especialistas ouvidos pelo InfoMoney. A regra pretende esclarecer situações nas quais há um valor considerado como provisão, reduzindo o valor recebido como uma “perda possível”.
Antes considerado como “provisão para devedores duvidosos”, o instituto contábil hoje é denominado “provisão para crédito de liquidação duvidosa” (PCLD, na sigla). Na prática, é permitido que empresas no geral (e, especificamente, bancos) considerem que valores que dificilmente serão recebidos possam ser abatidos do ativo da empresa e, por consequência, o pagamento de imposto seja menor.
O longo prazo para adaptação e discussões do novo regramento tem por objetivo garantir o atendimento tanto do aspecto contábil quanto fiscal, segundo Rogério Alexandre Gonçalves, da FIA Business School. Como principal desafio da adoção do novo padrão contábil, Gonçalves considera ser o estabelecimento de um modelo para considerar o que será a perda esperada.
“Você tem que criar um modelo de probabilidade nesse ponto. Onde as medidas vão caminhando. É importante ter uma matriz muito coerente e, nesse sentido que você, estabelecendo normalmente os critérios que você vai utilizando para poder encaixar, o que seria uma perda”, destaca o professor. “Geralmente, quando a gente pensa nos grandes bancos, é nas grandes empresas, elas já vêm fazendo esse processo, então, naturalmente elas já estão aprendendo ou já estão é refinando aí essa história toda”, complementa.
Com relação à provisões para perda esperada, de acordo com relatório do JPMorgan, os bancos serão obrigados a avaliar e calcular a perda esperada associada ao risco de crédito dos instrumentos financeiros aplicáveis, considerando, pelo menos, a probabilidade do instrumento se tornar um ativo com problema de recuperação de crédito, expectativa de recuperação, previsões macroeconômicas. Além disso, a instituições devem classificá-lo em Estágio 1 (baixo risco), Estágio 2 (aumento significativo no risco de crédito) e Estágio 3 (inadimplência); e (iii) atualizar o saldo do ECL a cada data de relatório para refletir as alterações no risco de crédito. Como os bancos calculam sua probabilidade de inadimplência pode ser um pouco opaco, na visão preliminar do JPMorgan.
Conforme explica Dr Fernando Zilveti, presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB SP, a discussão sobre provisões de crédito é mais antiga no sistema tributário americano. Mesmo aqui no Brasil, há casos emblemáticos, como a venda do Banco Panamericano para o BTG Pactual por sua carteira de recebíveis, de acordo com Zilveti, que demonstram que as discussões sobre maior transparência sobre crédito considerado duvidoso. Em sua visão, a alteração do padrão contábil tem o condão de demonstrar
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“Como regra global de contabilidade, o IFRS expõe essas particularidades de diversos negócios, principalmente a avaliação de negócios, a avaliação futura para trazer a valor presente, a depreciação”, aborda Zilveti. Assim, com a padronização das regras para outros setores, os balanços passaram a apresentar inconsistências contábeis, como vistas nos últimos anos em diversas companhias. Do ponto de vista tributário, o principal ponto a ser destacado é a limitação da dedução da PCLD, o que já é feito hoje na legislação geral sobre Imposto de Renda e por instrução normativa. Há expectativa de que, na Reforma Tributária, sejam apresentadas questões específicas sobre o tema.
Volatilidade nos lucros e nos patrimônios líquidos
De acordo com análise do JPMorgan, as principais conclusões sobre a troca são: (1) os bancos geralmente relatam um ROE mais baixo sob o IFRS devido ao maior patrimônio líquido – principalmente o Santander Brasil (classificação neutra), explicado principalmente por diferentes tratamentos de ágio; (2) a perda esperada de crédito, geralmente apontada como uma diferença importante, está variando consideravelmente, com as provisões para empréstimos aumentando para alguns players e diminuindo para outros; (3) as baixas contábeis, a acumulação de juros e o reconhecimento de algumas taxas podem ser diferentes; e (4) o Itaú Unibanco (classificação overweight) tem mantido um índice mais alto de empréstimos na Fase 3 (IFRS) em comparação com E-H (BRGAAP) ao longo do tempo, mas não está claro se isso está relacionado à conservadorismo ou a diferentes períodos de recuperação.
Embora os bancos brasileiros possam se tornar um pouco mais comparáveis entre si, analistas lembram que o IFRS ainda implica algum grau de subjetividade, especialmente em relação à constituição de provisões. “Temos acompanhado bancos que migraram para a perda esperada na Colômbia, Peru, México e Argentina, e não é incomum encontrar diferentes insumos de modelos conduzindo necessidades de provisões diferentes”, pontuam.
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Nesse processo de transição, o JPMorgan destaca que novos critérios para provisões podem gerar volatilidade nos lucros e no patrimônio líquido, como foi visto em países como a Colômbia anos atrás, e entidades com projetos concorrentes também podem ser impactadas pelo reconhecimento do IFRS15 (por exemplo, Aval e suas rodovias pedagiadas). No México, a implementação do IFRS gerou mudanças importantes nos setores de seguros, entre outros.