Prepare-se para maior volatilidade: como o risco fiscal tem mudado a alocação em ações na Bolsa brasileira

Visão é de que B3 segue barata, mas exposição de gestores em ações é pequena pelos riscos elevados que existem; Itaú BBA, por sua vez, alterou portfolio

Lara Rizério

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“Preparando-se para maior volatilidade”. É com esse título que os estrategistas Marcelo Sá e Matheus Marques, do Itaú BBA, iniciaram o relatório em que ajustaram as suas visões para o mercado brasileiro e preferências após as eleições presidenciais.

“Os resultados eleitorais foram seguidos por uma reação positiva do mercado, que afetou tanto o mercado de câmbio quanto o mercado de ações no Brasil. Desde então, porém, as preocupações com relação às perspectivas para as políticas fiscais levaram a uma inflexão dessas tendências positivas”, apontaram Sá e Marques.

Os estrategistas apontam que a semana passada foi desafiadora para investidores institucionais de ações no Brasil. Até dia 4 de novembro, os investidores institucionais brasileiros estavam com exposição acima da média (ou overweight) em nomes domésticos e com exposição abaixo da média (ou underweight) em commodities, com expectativas (que se mostraram otimistas) de que os rendimentos dos títulos do tesouro cairiam uma vez que as incertezas fossem prontamente abordadas. Na primeira semana pós-segundo turno, vale ressaltar, o Ibovespa subiu 3,2% e o dólar teve baixa de 4,5%.

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“No entanto, com as principais nomeações e decisões políticas ainda a serem tomadas, nomes ligados ao consumo doméstico nacional e ações de empresas com maior sensibilidade às mudanças nas taxas de juros (como de tecnologia) despencaram com o aumento nos rendimentos dos títulos do tesouro, causando uma forte liquidação”, avaliam.

As ações de commodities, por outro lado, tiveram um período positivo com as indicações de mudanças nas políticas de restrição de mobilidade Covid-19 na China e com anúncio de incentivos governamentais para o setor imobiliário no país.

“Esperamos que a alta volatilidade persista nos próximos dias, impulsionada pelo fluxo de notícias sobre as discussões quanto ao orçamento e incertezas em torno da equipe econômica do novo governo”, avaliam os analistas.

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Desde 4 de novembro até a sessão da última quarta-feira (16), o Ibovespa caiu 6,7% e o real teve baixa de 6,6% frente o dólar, enquanto a curva de juros subiu 1 ponto percentual com a preocupação sobre a perspectiva econômica do governo.

A sessão desta quinta segue de apreensão nos mercados com as repercussões da minuta da PEC da Transição apresentada pelo futuro governo. Além disso, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva voltou a criticar hoje a regra do teto de gastos, afirmando que ela deveria restringir o pagamento de juros ao sistema financeiro e garantir a manutenção dos desembolsos para a área social, e desdenhou das reações do mercado financeiro a suas falas.

Somando-se a isso, nas últimas semanas, as empresas estatais federais tiveram um desempenho bem inferior, com os investidores preocupados que, sob a nova administração, o cenário macroeconômico possa pesar mais nas decisões corporativas do que os retornos aos acionistas. Desde os resultados das eleições em outubro (30), o Banco do Brasil (BBAS3) caiu 9,2% e a Petrobras (PETR4) caiu 16,6%.

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Para o Banco do Brasil, o temor é de que o banco usaria seu forte balanço patrimonial para aumentar agressivamente o crédito no Brasil, o que poderia acabam prejudicando os ROEs [Retornos sobre o Patrimônio Líquido] devido ao potencial aumento da inadimplência. No caso da Petrobras, os investidores estão preocupados com possíveis mudanças na política de preços de combustíveis, estratégia de investimento (maior investimento em capial em construção de novas refinarias) e política de dividendos.

Além disso, para os estrategistas do BBA, uma potencial melhora no sentimento para as ações dos EUA (ainda que também com forte volatilidade a depender dos dados econômicos) pode reduzir o apetite dos investidores estrangeiros por ações brasileiras. O S&P subiu 5,54% e o Nasdaq subiu 7,35% na última quinta-feira, depois que os preços ao consumidor subiram menos do que o esperado em outubro, sugerindo um arrefecimento da inflação.

“Os investidores tornaram-se mais positivos e esta surpresa favorável da inflação pode dar ao Federal Reserve  espaço para agir de forma menos agressiva em seus aumentos das taxas de juros. Assim, esperamos que a volatilidade persista nos próximos dias, com fluxo de notícias sobre as discussões orçamentárias e a incerteza em torno da equipe econômica do novo governo. Os recentes desdobramentos levantaram nossas preocupações sobre as perspectivas fiscais e, dadas as muitas incertezas, é muito difícil fazer um call de alta convicção”, avaliam.

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Sá e Marques citam a minuta da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que retira do teto de gastos, por prazo indefinido, R$ 105 bilhões previstos para o Bolsa Família no ano que vem, além de R$ 70 bilhões para o adicional de R$ 200 a todos os beneficiários e R$ 150 para crianças de até 6 anos. Além disso, a proposta também prevê a exclusão da regra fiscal de até 40% das receitas acima do projetado para investimentos públicos, o que se configuraria em até R$ 23 bilhões em 2023 – 6,5% da receita corrente líquida de 2021. Por fim, doações para meio ambiente e educação também não entrariam no teto, totalizando uma abertura de aproximadamente R$ 200 bilhões.

“Acreditamos que os mercados de ações serão muito sensíveis à magnitude do hiato fiscal”, apontam os estrategistas, enquanto lembram que o ministro da Fazenda pode ser anunciado nos próximos dias.

Neste cenário, os estrategistas ajustaram a sua carteira para o Brasil para maior incerteza fiscal, adicionando PRIO (PRIO3) e Mercado Livre (MELI34) e retirando Vivara (VIVA3) e Cyrela (CYRE3). Assim, a atual composição da carteira é: Assaí (ASAI3), B3 (B3SA3), Banco do Brasil (BBAS3), brMalls (BRML3), Eletrobras (ELET3), Gerdau (GGBR4), Mercado Livre, PRIO, Sabesp (SBSP3) e Vale (VALE3).

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“Estamos adicionando PRIO porque continuamos construtivos sobre as perspectivas do preço do petróleo e vemos a empresa sendo negociada a um valuation atrativo. Também estamos incluindo o MercadoLivre dado o forte impulso operacional e uma possível mudança de humor para as ações listadas nos EUA, dada a surpresa positiva da inflação na semana passada. MELI negocia mais de acordo com as ações de tecnologia dos EUA do que seus pares brasileiros de comércio eletrônico”, avaliam.

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Já a saída de Cyrela e Vivara é porque, provavelmente, elas terão desempenho inferior se as taxas de juros de longo prazo subirem. “Nosso portfólio ainda inclui ações sensíveis a taxas, que podem se recuperar dependendo da evolução do debate orçamentário e quem será anunciado como o novo ministro da Fazenda”, destacam.

Sá e Marques ainda mencionam que, apesar das preocupações, o Banco do Brasil está na sua lista de ativos com base na crença de que esses riscos estão precificados, com o banco negociando a 3 vezes o lucro esperado para 2023 versus grandes bancos entre 7 e 8 vezes o múltiplo. “Além disso, prevemos lucros fortes nos próximos dois trimestres, mais uma vez superando as expectativas de consenso”, apontam.

Em extenso relatório, a XP destacou como gestores estão se posicionando nesse cenário de maior risco fiscal após conversas com especialistas de diversas casas.

Em relação à bolsa Brasil, boa parte dos gestores está sem posições direcionais, com parte posicionada apenas através de pares long short (comprado em um ativo, vendido em outro) de um mesmo setor, explorando o valor relativo entre essas ações, de forma que os gestores estão buscando nos cases específicos de empresas tendências mais claras de crescimento.

Em relação às commodities, em especial ao petróleo que tende a ser impactado pela reabertura da China, gestores entendem que a reabertura total tende a pressionar os preços ao redor do mundo. Por outro lado, não acreditam nessa reabertura repentina, que deve ir ocorrendo gradualmente ao longo de 2023, em linha com a percepção de grandes bancos sobre a flexibilização das políticas do gigante asiático.

A XP destaca a fala de Luiz Parreiras, da Verde, de que a Bolsa já refletiu bem um possível aumento do custo de capital por parte das empresas. Entretanto ele comenta que o fluxo estrangeiro para o mercado de ações pode ficar em compasso de espera por parte do investidor internacional, que vai tentar entender o que está acontecendo e o tamanho desse choque. Por outro lado, ao longo do tempo, não havendo outros grandes choques, esse fluxo pode continuar de forma positiva.

A maioria dos gestores inclusive parece ter a percepção de que o efeito na precificação da bolsa é o menor no curto prazo, se comparado aos outros dois mercados (juros e câmbio). Grande parte deles chama a atenção para o fato da Bolsa ou grande parte das ações ainda estarem baratas, com preços bastantes descontados e atrativos, mas muitos comentam estar com exposições pequenas, principalmente de forma direcional pelos riscos elevados que existem.

Casas como a SPX e a Legacy, destaca a XP, estão com exposições pequenas em Bolsa por acreditarem que o ambiente macroeconômico está pesando bastante no comportamento das ações listadas na B3.

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“No ambiente microeconômico, foram citados cuidados necessários com riscos específicos de algumas empresas ou setores, pois os juros altos (e possivelmente ainda mais altos) poderiam afetar mais alguns setores em detrimento a outros. Há também cuidados com a percepção de maiores riscos no cenário de crédito para a pessoa física, nos quais algumas ações de varejo e bancos poderiam sofrer mais. Cuidados com o comportamento dos preços de algumas estatais, como é o caso da Petrobras, também foram pontuados por alguns gestores”, destaca a XP.

Por outro lado, se a perspectiva é de um cenário mais desafiador para o mercado de capitais e novos IPOs, Fernando Lovisotto da Vinci, cita um possível favorecimento para a indústria de Private Equity, pois nesse tipo de cenário, há uma procura maior por “saída” (venda de empresas) através de investidores estratégicos, já que através de IPO pode não ser tão favorável.

Assim, no geral, enxergam uma assimetria negativa em relação à bolsa Brasil – atribuindo um risco de queda maior do que o esperado até o momento. Os gestores entendem que do ponto de vista de valuation a Bolsa está barata, mas dado o nível de incerteza optaram por não montar posições grandes, com exceção de alguns que estão vendidos na bolsa via índice. Em relação a setores beneficiados, parte dos gestores entendem que o mercado de infraestrutura, transição/segurança energética e saneamento tendem a se beneficiar. Por outro lado, varejo tende a ser impactado negativamente pela manutenção dos juros em patamares elevados.

Nesse cenário de juros altos por mais tempo e inflação apertada, os gestores macro com quem a XP conversou já tinham posição reduzida e agora reduziram mais ainda em risco no Brasil, com a maior parte do risco (cerca de 60% a 80% a depender da casa e do fundo) em posições internacionais. Nas alocações locais, a tendência de posicionamento é maior em juros, sendo que muitos deles aproveitaram para ficar aplicados ou ainda mais aplicados nos juros prefixados.

Em relatório da última semana em que destacava os sinais de aumento de risco fiscal, a equipe de estratégia da XP apontou que a Bolsa tende a sofrer nesses cenários de taxas de juros maiores e elevação do prêmio de risco do país.

Porém, citou alguns pontos: 1) a Bolsa brasileira já negocia com 40% desconto em relação a sua média histórica, 2) 68% da Bolsa brasileira é composta por setores que não são tão afetados por inflação e câmbio mais altos (financeiro, commodities e setor elétrico), e 3) as empresas do Ibovespa são líderes de mercado, e conseguem repassar para seus preços um cenário de inflação elevada. “Portanto, a Bolsa no longo prazo também funciona como uma boa proteção à inflação”, avalia.

De qualquer forma, , enquanto segue vendo a Bolsa brasileira negociando a níveis atrativos de valuation, tem uma visão um pouco mais cautelosa olhando pra 2023. Isso por conta dos riscos de uma recessão global, bem como dúvidas das políticas a serem seguidas no Brasil. “Por isso, a seleção de ações bem-feita deverá ser mais importante do que nunca”, avaliam.

A XP destaca que, no longo prazo, continua posicionada em commodities, histórias de crescimento secular, e empresas de qualidade. Para a sua carteira de novembro, removeu a exposição a Petrobras por conta de riscos políticos, mas tem a PRIO como a top pick dentre as empresas juniores do setor por enquanto.

Já no case de histórias de crescimento secular – empresas que devem permanecer resilientes em meio a uma perspectiva macro ainda desafiadora – estão Assaí, Grupo Soma (SOMA3) e Eletrobras (ELET3). Com relação a empresas de qualidade a um preço razoável, o foco é em nomes que devem se manter resilientes em meio a um macro ainda difícil, e que ainda mostram um sólido histórico de resultados. “Destacamos Itaú (ITUB4) como um dos nomes, que é a nossa top pick do setor Financeiro. Continuamos gostando de Banco do Brasil, mas também mantemos um posicionamento mais cauteloso em relação a esse nome por conta da volatilidade política”, apontaram os estrategistas em sua última carteira.

Cabe destacar que, em relatório da semana passada, o Citi destacou que os mercados financeiros podem ter se enganado ao se convencer de que o presidente eleito Lula seguiria uma agenda fiscal ortodoxa, acrescentando que o banco decidiu cortar sua exposição a riscos do Brasil diante dessa reavaliação.

“O mercado parecia ter se convencido de que o presidente (eleito) Lula seria fiscalmente ortodoxo. O fluxo de notícias mais recente agora coloca essa hipótese em dúvida”, escreveu Dirk Willer, chefe de estratégia de mercados emergentes do Citi Research no documento.

Assim, a expectativa é de volatilidade para os ativos até maiores definições na área fiscal e na equipe econômica, sugerindo uma alocação mais defensiva.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.