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Por que o IRB perdeu mais de R$ 10 bilhões em valor de mercado desde o início de fevereiro?

Gestora carioca sugere inconsistências em balanços apresentados pela empresa de resseguros, as quais foram negadas, e cobra respostas

Anderson Figo

Gráfico de um mês das ações do IRB

SÃO PAULO — As ações do IRB (IRBR3) chegaram a cair até 17,23% nesta segunda-feira (10), quando atingiram a mínima de R$ 32,72. Os papéis reagiram à nova carta da Squadra Investimentos questionando as práticas contábeis realizadas pela resseguradora. No fim da sessão, eles fecharam em baixa de 16,49%, a R$ 33,01.

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Em um documento divulgado hoje, a Squadra explicou em 50 páginas seu ponto de vista de que existem indícios que apontam para lucros normalizados (recorrentes) significativamente inferiores aos lucros contábeis reportados nas demonstrações financeiras do IRB.

Segundo a gestora, a disparidade entre lucro contábil e lucro normalizado foi crescente durante o período analisado e atingiu sua maior diferença nos resultados trimestrais mais recentes. Ela enfatizou na carta de hoje que não há “problemas nos números contábeis do IRB ou existirem razões, legais ou regulatórias, que exijam a divulgação de lucros de modo diferente ao realizado pela companhia.”

Porém, a Squadra afirma que houve ganhos que entende como “extraordinários”, “one-offs” ou “não recorrentes”. Ela mencionou que, no dia 2 de fevereiro, mesma data em que divulgou sua primeira carta sobre IRB aos clientes, também encaminhou o documento ao IRB.

“Desde o dia 3, executivos da companhia participaram de eventos organizados por instituições de sell-side com o objetivo de rebater o estudo elaborado pela Squadra, tendo disponibilizado uma apresentação em slides no âmbito de pelo menos um desses conference calls. Lembramos que, assim como deixamos clara nossa posição short no IRB, os analistas de sell-side costumam corretamente incluir em seus relatórios disclaimers no sentido de que eles ‘do and seek to do business with covered companies'”, disse a gestora.

A Squadra afirmou ainda que gostaria que o IRB apresente suas considerações. “Naturalmente, o IRB possui uma grande quantidade de informações e dados não públicos, os quais poderia vir a divulgar com vistas a refutar algum ponto específico levantado em nossa análise. A Squadra não tem compromisso com o erro.”

“Caso eventual nova informação invalidasse algum ponto abordado, não teríamos problema em revisar nosso entendimento em relação àquele item específico e avaliaríamos seu impacto em nossa percepção sobre o valor da companhia. Todavia, com base nas comunicações a que tivemos acesso, não houve apresentação de nova informação que nos fizesse alterar nosso entendimento”, disse a gestora.

A gestora destacou que há uma “divergência de opinião” entre ela e o IRB, e que isso é “perfeitamente natural”. Ela citou como exemplo o fato de ter classificado o ganho de capital na venda da participação do IRB no Minas Shopping como não recorrente.

Segundo a Squatra, a própria companhia perguntou a especialistas de contabilidade se ganhos/perdas na venda de ativos imobiliários deveriam ser considerados como itens não recorrentes ou como resultado operacional no contexto de operações de resseguros.

“Em seu parecer, os professores responderam que a ‘operação está intimamente ligada às operações da companhia sendo mais apropriado – do ponto de vista do desempenho econômico – a sua classificação como resultado recorrente'”, disse.

Na análise da Squadra, a gestora diz que a participação no Minas Shopping foi adquirida há cerca de 30 anos, possuindo valor contábil muito defasado em relação ao valor de mercado, de tal forma que ela entende o ganho de capital como não recorrente.

“Desde a nossa carta aos cotistas, as comunicações da companhia de que tivemos conhecimento vêm buscando confrontar nossa análise de outra forma, a qual não julgamos correta. Nos conference calls e na apresentação disponibilizada, a companhia e seus executivos têm afirmado que o estudo da Squadra contém ‘a lot of mistakes’. Diante do exposto, entendemos por bem escrever este esclarecimento aos senhores”, destacou a Squadra.

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O que disse o IRB

Em teleconferência nesta tarde, José Carlos Cardoso, diretor presidente do IRB Brasil, disse que a empresa segue caminhada segura, com objetivo de trazer melhores resultados para acionistas.

“Estou hoje, diante desses últimos acontecimentos, bastante chocado, negativamente surpreso”, afirmou. “Todos os 400 funcionários dessa empresa estão ávidos e motivados a provar — para quem quer que seja — o valor e a competência técnica dessa companhia.”

Já o diretor financeiro Fernando Passos disse que a demonstração contábil e o guidance do IRB, com as respectivas fundamentações que o embasam, darão a todos o conforto para projetar adequadamente os resultados da empresa.

Segundo ele, a demonstração contábil agora terá auditor contábil, um auditor atuarial e mais uma “big four” auditando. “A gente não tem dúvida da capacidade da companhia de gerar resultados”, disse. “O impacto das estimativas de salvados e ressarcidos é menor do que os R$ 605 milhões que os colegas chegaram à conclusão.”

Passos afirmou ainda que a sinistralidade bruta de 2019 não foi de 30%, mas de pouco mais de 50%. Em relação à valorização dos ativos imobiliários, o IRB vai deixar tudo aberto, “para que cada um faça sua conclusão.”

A companhia afirmou que tem convicção de que expectativa de salvados e ressarcidos teve impacto em 2019 em linha, muito próximo do que teve em 2018. Já o impacto do Minas Shopping foi de R$ 27 milhões. “A gente espera que, mostrando magnitude dos números, os movimentos como eles de fato aconteceram, de forma técnica e aberta, isso tudo vai ficar extremamente esclarecido.”

Entenda o caso

Em fevereiro do ano passado foi a público a informação de que a Squadra estava “short” em IRB, ou seja, apostava na queda dos papéis. Em novembro de 2019, a gestora carioca diz ter enviado à companhia uma primeira comunicação em que já apontava não concordar com efeitos não recorrentes nos balanços divulgados.

O IRB respondeu aos questionamentos da gestora no final daquele mês, mas as respostas não foram consideradas satisfatórias. Em 2 de fevereiro deste ano, a Squadra enviou uma nova comunicação a seus clientes e ao IRB, mais detalhada, mantendo seu ponto de vista sobre efeitos que não estavam sendo considerados de forma correta, em sua avaliação, nos demonstrativos da companhia.

A exposição da carta fez os papéis da companhia caírem até 15% no pregão de 3 de fevereiro. Ao longo da semana passada, as ações continuaram caindo, embora algumas casas de análise tenham se posicionado a favor do IRB e questionado as alegações da Squadra.

O valor de mercado do IRB passou de R$ 41,74 bilhões no pregão anterior à primeira carta da Squadra sobre a companhia em 2020, em 31 de janeiro, para R$ 37,97 bilhões na segunda-feira seguinte à divulgação do conteúdo, dia 3 de fevereiro.  No final da semana passada, na sexta-feira 7 de fevereiro, a companhia já estava valendo R$ 36,81 bilhões.

Com a forte desvalorização na sessão de hoje, o valor de mercado do IRB despencou para R$ 30,897 bilhões. A companhia perdeu mais de R$ 10 bilhões em valor de mercado somente neste mês, diante das alegações da Squadra.

Em nota enviada na semana passada, o IRB se defendeu e disse que não há fundamento nas alegações da gestora carioca. A companhia afirmou que sua perfomance financeira e seu earnings power está fielmente retratado nas referidas demonstrações. Além disso, reforçou que as suas demonstrações contábeis são auditadas internamente e externamente pela empresa PwC.

“A companhia informa ainda que está avaliando com seus assessores legais, as medidas cabíveis a serem tomadas neste cenário, onde o emissor da carta tem interesse econômico diametralmente conflitante com os interesses da companhia”, informou em nota o IRB.

Em janeiro, as ações do IRB acumularam ganho de 15,1%, ficando entre as cinco maiores altas do Ibovespa no primeiro mês do ano. Os papéis já devolveram bem mais do que o desempenho positivo visto no primeiro mês de 2020.

Sob revisão

A XP Investimentos divulgou hoje um relatório no qual coloca sua cobertura de IRB sob revisão, “dada a alta incerteza gerada pela falta de esclarecimentos por parte da empresa.” Segundo o analista Marcel Campos, ainda não há esclarecimentos suficientes por parte da companhia para que a XP pudesse reavaliar os questionamentos levantados pela Squadra.

“Segundo o documento da gestora, muitas das análises envolvem interações com reguladores (locais e estrangeiros), além da interpretação independente de dados contábeis. Dessa forma, dada a falta de visibilidade, estamos colocando nossa cobertura das ações do IRB sob revisão”, disse.

“Nossa recomendação anterior e estimativas não são mais válidas a partir da publicação desse relatório. A empresa atualmente encontra-se em período de silêncio, em função da divulgação dos resultados do quarto trimestre de 2019. Nossa expectativa, entretanto, é de que maiores esclarecimentos sejam compartilhados com o mercado na divulgação. Até então, investidores devem esperar volatilidade no curto prazo, conforme o mercado continue a assimilar as informações.”

Discordância entre gigantes

Diante do forte tombo dos papéis do IRB em fevereiro, muitos investidores têm se perguntado se isso abre uma oportunidade de compra dos papéis. Para o Credit Suisse, não.

Em relatório divulgado a clientes, os analistas do banco disseram que o papel ainda não está em um entry point (ponto de entrada) interessante mesmo depois do sell-off recente. Ainda assim, eles enxergam bons resultados para a companhia e aumentaram o preço-alvo dos papéis.

“As nossas projeções de earnings para o papel estão razoavelmente otimistas, incluindo um crescimento forte nos prêmios emitidos, custos bem menores de retrocessão e apenas uma pequena queda no loss ratio em relação ao histórico”, afirmou o Credit.

As projeções do banco suíço para o IRB em 2020 e 2021 indicam um lucro líquido de R$ 1,83 bilhão para 2020 (+12,7% na comparação anual; 7% abaixo do consenso) e R$ 2,14 bilhões em 2021 (+16,5% na comparação anual; 2% abaixo do consenso).

“Vale destacar que, mesmo estando abaixo do consenso, estamos dando o benefício da dúvida em alguns pontos, como incorporar uma relevante redução de custos de retrocessão de 27% em 2019 para 17% em 2020.”

Segundo o banco, os resultados financeiros devem ficar bem acima dos 100% do benchmark e o crescimento de top line (receitas) deve permanecer resiliente, acima dos 20% tanto em 2020 quanto 2021.

“Assumimos apenas uma pequena deterioração na sinistralidade. A redução de nossas estimativas está lastreada em boa parte pela queda de resultados financeiros (-6% em 2020 e -1,5% para 2021) e o nosso preço-alvo para as ações subiu de R$ 38 para R$ 43, principalmente em função de um menor risk-free.”

No entanto, para justificar a falta de visão de um ponto de entrada nas ações do IRB neste momento, os analistas do Credit disseram que a relação entre risco e retorno não parece muito atrativa.

“No blue sky, assumimos sinistralidade estável em relação a 2019. O ROE (retorno sobre patrimônio) ficaria em 38% (em linha com 2019) e o valuation de R$ 55 por ação. No grey sky, temos um loss ratio voltando para o patamar de 2012/2013 de 70%”, afirmou o banco.

Para o quarto trimestre de 2019, o Credit espera que o lucro líquido da companhia deve ficar em R$ 504 milhões, avanço de 35% na base anual e em linha com o consenso.

“O nível de written premiums deve acelerar na parte local e ficar estável na linha internacional. Esperamos também uma reversão de 50% das provisões técnicas dos 9 primeiros meses de 2019, basicamente em linha com o histórico. Loss ratio deve mostrar alguma deterioração enquanto que incluímos um ganho de R$ 94 milhões relacionado à venda de dois ativos de real estate (imóveis)”, concluiu o banco.

Ao contrário da visão do Credit, o Morgan Stanley já havia se pronunciado a seus clientes indicando que a queda dos papéis do IRB na semana passada abriu, sim, um ponto de entrada.

O banco citou “conceitos errôneos” que alguns investidores têm sobre a sustentabilidade da lucratividade no IRB versus pares globais. “Achamos que os investidores estão comparando maçãs e laranjas”, disse em nota o diretor do banco Jorge Kuri. “Contratos de curto prazo e falta de risco catastrófico geram uma lacuna no ROE (retorno sobre o patrimônio) e produzem modelos de negócios fundamentalmente diferentes.”

Kuri destacou que o IRB possui uma força de trabalho centralizada de 385 funcionários, em comparação com uma média de 10.000 dos players globais. “Esse modelo de headcount light conta com uma única plataforma de TI totalmente integrada, que reduz significativamente os custos de back office e torna a aceitação de riscos e o processamento de reclamações mais eficientes. No futuro, vemos espaço adicional para ganhos de eficiência, dados os planos da administração de reduzir ainda mais o número de funcionários. De fato, a administração espera ter uma estrutura completamente enxuta até 2021 e alcançar um índice sustentável de despesas administrativas de longo prazo de 4,5%.”

O diretor do Morgan Stanley ressaltou ainda outros diferenciais do IRB em relação aos seus pares globais. “O rendimento dos títulos é significativamente maior no IRB do que em pares globais, principalmente devido a um ambiente de taxa de juros mais alto que permite spreads maiores e ao fato de que, diferentemente das empresas de resseguros globais, o IRB não precisa proteger seu risco cambial. Apesar do maior rendimento, a receita financeira representa uma parcela menor da receita líquida no IRB do que nos pares globais, outra diferença fundamental no modelo de negócios do IRB. Além disso, a receita financeira do IRB, como uma porcentagem do lucro total, tem diminuído constantemente à medida que as operações de subscrição da empresa se tornam mais eficientes.”

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Anderson Figo

Editor de Minhas Finanças do InfoMoney, cobre temas como consumo, tecnologia, negócios e investimentos.