Ministério da Cultura pode passar por processo de “absoluta desideologização”, diz professor

Fernando Schüler destaca importância simbólica do ministério da Cultura e reforça que a política cultural brasileira pode ser aprimorada a partir da descentralização da gestão

Lara Rizério

Publicidade

SÃO PAULO – Logo nos primeiros dias do governo interino de Michel Temer, uma das grandes polêmicas foi a extinção do ministério da Cultura, que revoltou grande parte da classe artística. O peemedebista voltou atrás, o que foi aplaudido por uns e contestado por outros. Dentre os que destacam a importância da pasta pelo seu simbolismo é o cientista político Fernando Schüler, que é professor do Insper e curador do Fronteiras do Pensamento, em entrevista ao podcast da Rio Bravo. “Boa parte do que vale na alta gestão cultural tem a ver com um certo simbolismo, seja para buscar recursos no plano internacional, seja para negociar com fundações internacionais, que também contam com recursos para investir no Brasil, para além do fato de poder negociar com o Congresso e com a sociedade. ”

Porém, a discussão está bem longe de ser apenas uma questão se a Cultura é um ministério ou uma secretaria, segundo ele. “O modelo é negativo, não a existência do cargo de ministro!”. Segundo Schüler, que a política cultural brasileira pode ser aprimorada, a partir da atuação do Minc, buscando, por exemplo, a descentralização da gestão no país. “O governo pode iniciar essa discussão, na qual as palavras ‘mercado cultural’ e ‘autonomia’ apareçam mais”. E destaca que isso deve passar pela “absoluta desideologização” no médio e longo prazos. “A sociedade brasileira não aceita mais que o Estado seja submetido a certos tipos de critérios ideológicos”, afirma ele. 

Em um momento em que a Lei Rouanet voltou a entrar em foco através da Operação Boca Livre da Polícia Federal, que apurou fraudes de R$ 180 milhões, Schüler destacou ainda que há um erro na modulação dos incentivos fiscais, tanto no caso da Lei Rouanet, quanto no caso da Lei do Audiovisual. 

Continua depois da publicidade

Confira a entrevista na íntegra:

Rio Bravo – A existência de uma pasta dedicada exclusivamente à cultura mesmo com poucos recursos faz sentido em um cenário como hoje?

Fernando Schüler – Faz. O governo teve uma certa instabilidade, que é absolutamente natural. Não é o governo que se preparou para assumir a Presidência da República. Não é aquele governo que você faz uma campanha eleitoral, que você tem um programa, que você tem um hiato entre a eleição e a posse para formar o Ministério. Então, é natural que algumas indefinições, mas foram muito poucas. O governo entrou, na minha visão, muito bem. Teve esse pequeno problema na cultura, teve uma vacilação, talvez um esquecimento nesse termo de não terem mulheres no Ministério. E, depois, houve uma saudável autocrítica, um recurso saudável do presidente Temer e eu explico por quê. Existe uma certa incompreensão na política brasileira sobre o papel da cultura. Depois, existe um certo mito de que enxugando o número de ministérios se enxuga a máquina pública, que reduz custos. A diferença de custos entre o Ministério da Cultura e uma secretaria especial ou uma secretaria vinculada ao Ministério da Educação, em tese, é praticamente nula. A diferença é o salário do ministro e mais eventualmente pouquíssimos assessores. Não é isso que define.

O que define enxugamento do Estado é a redução da máquina pública, é o programa de privatizações, é o fechamento de órgãos inúteis, é a revisão de custos de programas, é a revisão dessa miríade de incentivos fiscais, subsídios que precisam ser revistos no país e que foram concedidos nos últimos anos. Tem até um simbolismo o negócio [do número] dos ministérios, mas não é isso que define.

RB – Então, na sua avaliação, foi um erro de cálculo da administração a decisão inicial de cortar a pasta da Cultura?

FS – Explico por quê. A política cultural brasileira não é propriamente um grande sucesso, mas ela desempenhou algum papel nos últimos anos e boa parte do que vale, digamos assim, na alta gestão cultural, é um certo simbolismo, seja para buscar recurso no plano internacional, seja para negociar com grandes fundações internacionais que têm muitos recursos para investir no Brasil e que eventualmente nós poderíamos estar sendo mais agressivos, para negociar com o Congresso na sociedade etc. A figura simbólica do ministro traça para o Estado brasileiro e para o setor cultural um capital simbólico mais expressivo do que simplesmente uma secretaria. Nesse ponto, a simples existência do cargo de ministro tem um valor que em outras áreas não tem. Por exemplo, na área de business, áreas de administração pública, previdência, reforma agrária….

Quer dizer, não tem a necessidade desse capital simbólico para fazer esse tipo de mobilização de recurso, de negociação com o mercado, mercado que é em grande medida simbólico e onde o terceiro setor tem um peso muito grande. Então, nesse caso da cultura, que é uma área que tem pouco orçamento e por ter pouco orçamento precisa fazer muita negociação, precisa catalisar muitos recursos (é a expressão que eu gosto de usar). Neste caso, a figura do ministro possui um certo tipo de capital simbólico útil para o país, se for bem utilizada, evidentemente. Acho que o problema da gestão cultural brasileira não é a existência ou não de um ministro. É a modelagem do sistema de incentivos, é a política cultural, é o peso de novo da máquina pública, é a burocracia pública que se instalou na gestão da cultura. Há uma série de problemas. Não é o cargo de ministro o maior problema.

RB – Na sua avaliação, a população entende que esse papel simbólico precisa ser conduzido pelo Estado? A população muitas vezes pode ter uma compreensão distorcida no tocante à necessidade da existência de um ministério como esse.

FS – Eu concordo perfeitamente que a gestão cultural do país não precisa e não deve ser conduzida pelo Estado e acho que é um erro na modulação dos incentivos fiscais da Lei Rouanet, da Lei do Audiovisual especialmente, na área da cultura.

Mas isso não tem a ver… pode haver o sistema altamente descentralizado, um sistema desburocratizado, com pouca interferência do Estado nas escolhas culturais, e ter um ministério, que cumpre um papel de coordenação, de capitalização de recursos e assim por diante. Agora, evidentemente. não é necessário. Os Estados Unidos não têm ministério da cultura, a Alemanha não tem ministério da cultura. Nos Estados Unidos, você tem o chamado National Endowment for the Arts. Foi criado na gestão Lyndon Johnson, nos anos 60, e que é, na verdade, um grande fundo ligado ao Estado americano, muito independente da política, com gestão muito técnica e que dá suporte especialmente a instituições culturais: a museus, a orquestras, a centros culturais. Por quê? Porque, nos Estados Unidos, a ideia é que a gestão cultural seja feita com base em uma rede de instituições, especialmente instituições com fundos financeiros de sustentabilidade a longo prazo com recursos aplicados no mercado financeiro onde a instituição retira ali não o principal do investimento, mas o resultado financeiro que ela produz com esse investimento. O Metropolitan, por exemplo, tem 11 vezes. Se o Metropolitan não cobrar mais ingresso e não tiver nenhuma receita nos próximos 11 anos, esse é um dado que eu tenho de dois anos atrás, ele não tem problema de caixa, porque o Endowment sustenta a atividade.

Assim, por exemplo, se o Getty Center, em Los Angeles, que é um grande centro cultural criado pelo Paul Getty, tinha o Endowment há pouco tempo na faixa de US$ 4 bilhões. Esse sistema da formação de poupança a longo prazo, de aplicações no mercado financeiro que resultam em resultados que possam ser utilizados para a gestão do museu ou da orquestra ou da instituição cultural e, a partir daí, ela não depende de captações de curto prazo, não depende de incentivos fiscais de curto prazo, em que pese tenha fonte de receita especialmente de pessoas físicas, 70% das doações que são realizadas para cultura nos Estados Unidos são de pessoas físicas. É o clube de associados do museu, o clube de sócios da orquestra. Existe uma estruturação mais descentralizada e mais de mercado, com uma ampla participação das pessoas, com pouquíssima burocracia por parte do Estado.

O Brasil não optou por esse modelo. Até houve discussões na virada dos anos 90, na virada da Lei Sarney, dos anos 80, para a Lei Rouanet, mas o Brasil acabou optando nos últimos anos por um modelo centralizado, altamente burocrático, que na minha opinião é negativo. O modelo é negativo, não a existência do cargo de ministro! Posso até fazer algumas considerações de alguns erros que existem nos incentivos fiscais brasileiros que eventualmente é o momento de rediscutir.

RB – Que medida essa política cultural mais estratégica relacionada a outra dinâmica de patrocínio ou mesmo de disponibilização de recursos pode ser aproveitada pela experiência brasileira?

FS – Vou dar alguns exemplos. Quando a Lei Rouanet foi criada, em 1991, pelo então secretário Sérgio Paulo Rouanet, a ideia era de que a lei fosse uma espécie de parceria público-privada. O artigo 26 da Lei Rouanet diz que a empresa faz um apoio e pode incluir o volume apoiado. Vamos dizer que ela põe R$ 100 mil em um projeto cultural qualquer ou museu. Então ela pega esses R$ 100 mil, coloca na sua contabilidade como despesa e deduz isso como despesa no seu balanço contábil. Além disso, ela tem 30% – se fizer patrocínio -, de abatimento do imposto de renda devido, quando faz o seu pagamento de imposto. Isso dá um abatimento total na faixa de 63, 64%. Essa é uma lei de parceria público-privada. O Estado dá um desconto e a empresa põe um pouco do seu próprio recurso. Isso, a partir dos anos 90, se não me engano 96, 97, foi alterado. Foi criado o artigo 18, que dá 100% de abatimento fiscal. Então a empresa faz um apoio de R$ 100 mil, deduz do imposto de renda R$ 100 mil, o Estado paga toda a conta, ela faz o investimento, mas a burocracia do Ministério tem que aprovar o projeto. Então, o museu tem que mandar um projeto para Brasília do que ele vai fazer com aquele dinheiro, esse projeto tramita três, quatro meses, às vezes até mais. Frequentemente, vai para o Rio de Janeiro para ter um parecer da Funarte, volta para Brasília, se esse projeto for aprovado, é aberta uma conta no Banco do Brasil para o produtor, o Ministério precisa autorizar a utilização dessa conta, o produtor vai captar no mercado, esse dinheiro fica retido por um tempo na conta até a autorização para captação e depois de ser utilizado estritamente dentro daquilo que foi aprovado meses atrás e planejado, o seu projeto cultural precisa fazer uma longa prestação de contas do uso desse dinheiro, linha a linha.

Se eu disser que eu tinha planejado comprar oito lâmpadas e cordas para o meu espetáculo de circo, mas no fim eu consegui as cordas com outro tipo de apoio e quero trocar a compra das cordas pela compra de um tapete ou um tablado ou outro tipo de insumo para o meu espetáculo, eu não posso. Preciso mandar uma carta para Brasília pedindo alteração do projeto para que seja aprovada. Isto cria no conjunto da obra uma burocracia infernal para a área cultural. Nos Estados Unidos não tem nada disso. O MoMA e o Metropolitan não precisam mandar um projeto para Washington para uma série de funcionários em Washington analisarem o projeto e devolver para que ele possa usar o dinheiro. Simplesmente você vai lá, faz um apoio…. Eu quero apoiar com 100 dólares no MoMA, ele tem lá a carteira de sócios, dá um recibo para você, você utiliza, como despesa médica no Brasil, sem burocracia. Faz o seu desconto e assim o dinheiro é utilizado. Ou seja, nós, além de termos eliminado a ideia da parceria público-privada, criamos uma extraordinária burocracia, que, na minha visão, enterra o dinamismo do mercado cultural brasileiro.

RB – Em um país com políticas culturais tão centralizadoras, qual o papel dos artistas e dos intelectuais?

FS – Os artistas e intelectuais reagem a incentivos. Acho um equívoco nessa discussão toda culpar os artistas e os intelectuais. É a mesma coisa que culpar o funcionário público por ele ter a previdência pública no salário integral na aposentadoria. As pessoas utilizam os incentivos. É a mesma coisa que culpar o empresário por entrar com pedido de financiamento do BNDES. Por princípio, se o BNDES está me oferecendo um empréstimo com taxas a 5 ou 6%, eu vou utilizar essa taxa. É legítima, legal, o mercado faz a concorrência. Eu acho que está errada a modulação do incentivo.

Vou dar outro exemplo, que foi uma das discussões sobre cinema. A lei do Audiovisual brasileiro, e é natural que cause uma certa revolta por isso, na minha opinião é uma lei absurda, porque ela não apenas dá 100% de incentivo fiscal como dá mais 25%. Então a empresa aporta 100 mil reais num filme brasileiro e abate 125%, porque abate 100% como dedutibilidade, direto do imposto, mais a integralidade como despesa. Então a soma total chega a 125%. É óbvio que isso causa uma irritação na sociedade, porque qual é o sentido de o governo pagar a mais 25% para uma empresa apoiar um filme brasileiro, no qual ela pode assinar como patrocínio? É correto o Estado brasileiro criar esses incentivos para apoiar a indústria cultural? Pode ser correto, não estou dizendo que não é. Não tem aqui uma visão extremamente libertariana para dizer “Olha, o Estado tem que ser mínimo, não se deve oferecer nenhum tipo de incentivo”. Em boa parte do mundo se oferecem incentivos para arte.  Nos Estados Unidos há incentivos, na Inglaterra há incentivos para arte e assim por diante. Mas acho que há um erro na modulação. O incentivo pode ser de 50% de abatimento, 60, 70, 80. Agora, 100? 125? Isso causa essa percepção de que o artista de alguma maneira é um aproveitador.

RB – Mas a questão não é tanto dele como aproveitador, mas dependente dessa política cultural. Isso não pode acontecer?

FS – Sim. Na medida em que você tem a obrigatoriedade de qualquer museu brasileiro, qualquer orquestra brasileira, ir ao Ministério da Cultura e atravessar uma tramitação de meses, senão anos, e depois ficar vinculado ao Ministério da Cultura durante muitos anos para prestação de contas, é como se você tivesse todo o capitalismo brasileiro dependendo do BNDES. Imagina. Todas as empresas brasileiras dependendo de um órgão centralizado em Brasília ao qual ela precisa prestar contas, ao qual precisa recorrer para apresentar projetos, ao qual precisa responder diligências constantes. Isso, ao natural – a expressão é um pouco irônica, né? -, nós criamos uma burocracia que torna todo o mercado cultural dependente desse imenso processamento burocrático que existe no Brasil. Eu acho muito difícil transitar por um modelo como é o americano, porque nós somos uma sociedade que desconfia demais. Por exemplo, a Lei Sarney era uma lei ao estilo americano. Ela permitia que as pessoas utilizassem incentivos fiscais e apoiassem diretamente, mas houve muitos desvios. Então nós voltamos para uma centralização.

Não será o momento de produzir uma transição nos próximos dez anos, seja desburocratizando o modelo, reduzindo o nível de exigências, permitindo que instituições mais consagradas, com mais credibilidade, possam fazer uma aprovação automática de projetos, possam utilizar incentivos fiscais de forma mais descentralizada? O grande desafio da gestão cultural brasileira é essa descentralização, o descolamento gradativo da dependência da gestão cultural do Estado. Não é desafio para um governo, e muito menos para um governo provisório, como é o atual, que tem muito pouca margem de manobra. Além do que é um lobby muito forte estruturado de empresas culturais, de produtoras, que de alguma maneira se habituaram dessa burocracia. Não acho que é uma burocracia corrupta. É uma burocracia lenta e que acaba criando dependência.

RB – O presidente Michel Temer prometeu aumentar o investimento para a área da cultura. Ainda assim, o país vive um cenário de reajuste de contas. O ministro Marcelo Calero terá espaço para conceber um novo projeto para a área da cultura, independentemente dessa discussão ser uma agenda mais liberal ou mais centralizadora?

FS – O ministro Marcelo tem mostrado muita habilidade, parece ser uma pessoa muito centrada, muito razoável. A minha impressão é que ele começou bem. Seria até desastroso ter um ministro como foi o Ipojuca Pontes, na época do Collor, que entrou para essa confrontação.  A comunidade cultural tem muito acesso à mídia, é muito forte como minoria barulhenta, que não é nenhum termo negativo, é apenas a realidade, ela tem a opinião pública. Vou dar alguns exemplos do que a gente poderia fazer. Boa parte das gestões de museus, orquestras e instituições culturais no Brasil ainda é estatal. Há muitas instituições culturais que são repartições públicas e que têm uma burocracia enorme na sua própria gestão. A gestão pública brasileira a partir da Constituição de 1988 é uma gestão muito burocrática. Imagina administrar um museu com a lei 8666, a lei das licitações. Então tem que comprar lâmpada,  caneta, todos os insumos que fazem a vida de um museu, tintas para a reposição de certos danos em quadros, restaurações, às vezes processos muito técnicos, muito pequenos, com a lei das licitações ou buscando excepcionalidade, que também é muito burocrático da própria lei. É impossível, eu diria, fazer isso.

Segundo, tem a rigidez do pessoal. Contratam-se pessoas que fizeram concurso público, elas têm uma carreira de setor público, não podem ser demitidas, independente do seu desempenho, o incentivo para que essas pessoas se aprimorem e tenha mais eficiência é muito baixo, se é que existe. Então de um lado há rigidez absoluta de pessoal, de outro lado há rigidez absoluta ou muito grande na gestão de compras de bens e serviços, não controla o seu próprio orçamento. Então nós criamos gambiarras, que são associações de amigos onde é tudo privado e a gente falando de um controle. Quer dizer, é um pouco paradoxo brasileiro. Esse modelo não pode funcionar, não funciona, por boa parte dos museus brasileiros está literalmente caindo aos pedaços, com goteiras, problemas de infiltração, acervos importantes malconservados e assim por diante, o que a gente vê frequentemente nos jornais. Isso não são pequenas instituições, não. Recentemente nós vimos esse problema na Biblioteca Nacional, nós temos esse problema na Casa Rui Barbosa, nós temos esse problema no Museu Imperial da Quinta da Boa Vista. Quem for lá visitar, onde foi a residência da Família Imperial Brasileira durante oito décadas, é um museu literalmente caindo aos pedaços, chegou a ser fechado por falta de segurança, sem condições mínimas de funcionamento. Aliás tem um acervo, na minha opinião, muito pobre e muito mal gerenciado. Isso é o Rio de Janeiro, a capital cultural do país, instituições federais ou ligadas a universidades federais.

Eu diria ao ministro Marcelo, que vem agindo bem e acho que com toda cautela, é preciso propor uma mudança no modelo de gestão. Qual é o modelo que, na minha opinião, tem funcionado? É o modelo que foi adotado em São Paulo recentemente das organizações sociais, que é o modelo de parceria público-privado, que é o típico modelo da Usesp de São Paulo, onde há uma instituição privada inteiramente independente do governo, que tem contrato de gestão com o governo, onde o governo repassa algum recurso. Isso acontece no mundo inteiro, mas tem N fontes de financiamento: associações de amigos, vende ingressos, busca patrocínios. Ou seja, uma série de técnicas de gestão cultural que são clássicas e padronizadas no mundo inteiro. Mas onde há uma instituição onde os músicos não são funcionários públicos, podem ser demitidos, onde há critérios de mérito e de gestão por resultados. Por que a cultura não pode funcionar na gestão como funciona a iniciativa privada ou num modelo das organizações sem fins lucrativos, mas com gestão empresarial como existe no mundo inteiro, nos Estados Unidos em especial?

RB – O que a sociedade pode esperar de médio a longo prazo em termos de Ministério da Cultura no tocante às ações que vão atender às necessidades dessa classe artística ou mesmo desses intelectuais?

FS – Um pouco essa visão, primeiro de absoluta desideologização. A sociedade brasileira não aceita mais que o Estado seja submetido a certos tipos de critérios ideológicos. Vamos dar o exemplo, na minha opinião muito grave, que aconteceu com a TV Brasil, que na minha opinião deveria ser vinculada ao Ministério da Cultura e deveria ser uma estação iminentemente cultural, se é que deveria existir, no sentido de o Estado brasileiro ter uma televisão. Eu acho que o Ministério da Cultura primeiro precisa ter uma atitude muito imparcial, muito republicana. Nesse sentido o Marcelo, o novo ministro, acertou quando ele disse que a cultura não tem partido. Foi a primeira frase dele e acho que foi uma frase inteligente.

Segundo, refazer esse processo de descentralização, ou seja, criar, por exemplo, uma legislação no Brasil que permita a formação de fundos endowment para que as instituições tenham daqui a 10, 20, 30 anos mais autonomia para gestão dos seus próprios recursos, que dependam menos do governo. Terceiro, propor uma mudança nos incentivos de forma que eles voltem a ser uma parceria público-privada. Quarto, investir nesse modelo de organizações sociais de contratos de gestão entre governo e setor privado na área cultural em vez de continuar apostando nesse modelo de gestão puramente estatal. Nenhuma mudança é de curto prazo. São todas mudanças incrementais que precisam ser feitas com muita habilidade, a partir de experiências bem-sucedidas, a partir de muito diálogo. Acho que não é uma tarefa para dois anos, mas ela pode iniciar nesse governo. Esse governo pode iniciar um novo tipo de discussão, ou seja, onde a palavra mercado cultural apareça mais, a palavra autonomia das organizações apareça mais, onde a ideia de parceria público-privada seja mais trabalhada, onde o modelo de gestão da Pinacoteca de São Paulo e da Usesp seja mais estudado por outros estados, porque em grande medida essa implementação deve ser feita pelos estados e pelos municípios, mas o Ministério pode ter um papel coordenador. Acho que todo esse novo vocabulário de uma cultura mais para o mercado poderia ser introduzido pelo atual governo.

Newsletter

Infomorning

Receba no seu e-mail logo pela manhã as notícias que vão mexer com os mercados, com os seus investimentos e o seu bolso durante o dia

E-mail inválido!

Ao informar os dados, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.