Petrobras (PETR4) perde R$ 30 bi de valor, BB (BBAS3) sofre na Bolsa com Lei das Estatais ameaçada: o que pode mudar?

Grande passo para mudar a Lei, que garante maior governança corporativa para estatais, foi dado na véspera, com alterações passando na Câmara

Vitor Azevedo

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A semana tem sido bastante conturbada para as estatais, com anúncios de equipe econômica e medidas que podem abalar a governança corporativa das empresas. Um grande passo para isso foi dado na noite da última terça-feira (13), quando a Câmara dos Deputados aprovou, por 314 a 66, o texto-base de um projeto de lei que modifica a Lei das Estatais.  Ele diminui o período “sabático” que uma pessoa tem de esperar para assumir um cargo em uma estatal após participar de decisões partidárias de três anos para um período de apenas um mês.

Cabe destacar que, na última segunda, as ações ordinárias e preferenciais da Petrobras (PETR3;PETR4) caíram, respectivamente, 2,71% 3,24%, e as ações ordinárias do Banco do Brasil (BBAS3), por sua vez, recuaram 3,40%. A baixa se deu, justamente, na esteira de notícias de que o governo eleito, liderado pelo petista Luiz Inácio Lula da Silva, pretendia revogar a Lei das Estatais já em seus primeiros dias de mandato, através de uma Medida Provisória (MP).

Ontem, o presidente eleito do Brasil anunciou Aloizio Mercadante como presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), também uma estatal, a partir do próximo ano, o que voltou a derrubar as empresas. As ordinárias da petroleira, com isso, caíram 1,36% e as preferenciais, 2,47%. Os papéis do BB recuaram 4,89%.

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Com a Lei das Estatais em vigor nos moldes atuais, a nomeação de Mercadante não seria possível. Ela proíbe, até então, a indicação de pessoas que atuaram em processos decisórios de partidos políticos ou em campanhas eleitorais nos últimos 36 meses aos conselhos de administração e a cargos em diretorias dessas empresas. Com a mudança na Câmara, assim, abriu-se espaço para Mercadante comandar o banco de fomento.

A legislação é vista, já há algum tempo, como um obstáculo para nomeações do governo e também para a promoção de mudanças de gestão nas estatais. A sua alteração, desta forma, assusta investidores, fazendo crescer a perspectiva de que haverá interferência política dessas companhias.

Quanto à Petrobras, já circularam anteriormente notícias de que o governo petista deseja ter maior flexibilidade nas decisões sobre a política de preços. Quanto ao Banco do Brasil, o temor é que Lula use a instituição para fomentar determinados tipos de créditos através de subsídios.

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Agora, a mudança no texto da lei tem de ser aprovada no Senado. Se ela sair do papel, o que é provável por conta da sua rápida tramitação na Câmara, Mercadante poderá ocupar o cargo de presidente do BNDES já no começo do novo governo e Lula poderá indicar outros políticos para as estatais. Já circularam rumores, por exemplo, de que o Senador Jean Paul Prates (PT) deve comandar a petroleira brasileira.

Com isso, após os papéis ordinários e preferenciais da Petrobras tiveram um dia de derrocada, intensificada durante a tarde. Os ativos PETR3 fecharam com queda de 9,80%, a R$ 24,29, enquanto os papéis PETR4 caíram 7,93%, a R$ 21,47. Com isso, em apenas uma sessão, a Petrobras perdeu R$ 30 bilhões de valor de mercado em apenas uma sessão, de R$ 331 bilhões para R$ 301 bilhões. As ações do Banco do Brasil caíram menos, mas ainda fecharam em queda de 2,48%, a R$ 31,07, destoando do dia de ganhos no setor.

Na véspera, logo após o anúncio de Mercadante como novo comandante do BNDES, os ativos das duas empresas aceleram as perdas, fechando com queda de 1,36% para PETR3, 2,47% para PETR4, enquanto BBAS3 caiu 4,90%. Assim, em apenas três sessões, os ativos de BB caíram 10,41% e os papéis de Petrobras tinham derrocada de cerca de 13%.

“Se a repercussão de Mercadante no BNDES acabou derrubando o Ibovespa durante o pregão desta terça, a aprovação, feita a toque de caixa, de alterações na Lei das Estatais renova o pessimismo por parte do cenário político. Ainda que não tenham sido modificadas normas relacionadas à governança e accountability de estatais, a possibilidade de novas mudanças preocupa investidores”, apontou a equipe de análise da Levante Ideias de Investimentos.

Retrocesso

Especialistas apontam a mudança em Lei das Estatais como um retrocesso. “A lei das estatais estabelece uma série de limitações aos ocupantes de cargos em empresas públicas. Muito festejada à época, foi introduzida ao ordenamento jurídico como forma de estabelecer contornos mais racionais e corporativos às empresas que tenham vinculação com o Poder Público”, diz Cristiano Vilela, Sócio do escritório Vilela, Miranda e Aguiar Fernandes e especialista em direito constitucional.

De acordo com o especialista, além de evitar o apadrinhamento político, a lei estipulou uma série de outras medidas que passaram a ser seguidas por essas companhias, como a implementação de uma série de pré-requisitos para a contratação de licitações públicas – que evita casos de corrupção.

Para Anna Florença Anastasia, advogada administrativista no GVM Advogados, as normas em questão foram criadas em um momento em que havia uma desconfiança de investidores quanto às indicações políticas para cargos de direção (após os escândalos da Lava Jato) e foi bem sucedida em ajudar na recuperação do descrédito que havia se instalado sobre as estatais.

“Com a edição da Lei, considerou-se superado o problema, uma vez que os membros do conselho e os indicados para os cargos de diretor, inclusive presidente,são escolhidos entre cidadãos de reputação ilibada e de notório conhecimento. Vimos um movimento de profissionalização da administração das empresas públicas”, contextualiza.

Luiz Marcatti, presidente da Mesa Corporate Governance, também afirma que os benefícios criados pela Lei das Estatais “são claros” para todo o mercado e administradores.

“Ela criou uma espécie de blindagem, uma proteção, para as companhias quanto às administrações com viés político e eleitoreiro. No fundo, o patrimônio dessas empresas não é do governo eleito, mas sim da população, da sociedade. O governo tem de fazer uma administração séria, mantendo o valor da empresa, e não realizar políticas populistas”, defende. “O governo é um ente político e a questão é que há grandes chances de as coisas serem misturadas. Mexendo nessa lei, teremos um enfraquecimento da governança das estatais, que pode deixá-las vulneráveis a interesses de grupos específicos”.

Para Marcati, efeitos negativos da mudança tendem a pesar sobre o próprio governo eleito.

Apesar da polêmica da paridade internacional de preços, a Petrobras distribuiu R$ 180 bilhões através dos dividendos, sendo quase 40% desses direcionados aos cofres da União. Além disso, a própria alteração na lei tende a criar insegurança jurídica, com investidores ficando mais receosos de investir nas estatais brasileiras.

“Há um ambiente favorável que sinaliza a revogação ou alteração substancial da Lei das Estatais. A intenção parece ser conceder influência política direta nas atividades desenvolvidas por essas empresas”, diz Renan Albernaz, advogado do escritório Daniel Gerber Advogados. “Contudo, os cenários populares e econômicos podem não refletir a mesma tranquilidade, já que se provou que com o advento da referida lei as ações e confiança de mercado na Petrobras aumentaram”.

Visão mais negativa do mercado

Já vislumbrando as mudanças no radar, até mesmo antes da eleição, especialistas do mercado financeiro diminuíram as suas projeções para Petrobras e Banco do Brasil, notoriamente para a primeira companhia, que é citada constantemente por futuros integrantes do governo eleito e que deve ter grandes mudanças de suas políticas.

O Itaú BBA viu a notícia de ameaça à Lei das Estatais como negativa, uma vez que a legislação em questão introduziu, segundo eles, um conjunto de regras destinadas a melhorar a regulação entre a relação entre o Estado, como acionista controlador, e as empresas estatais, com foco em governança corporativa e regras de aquisição para as companhias.

“Acreditamos que os investidores terão uma reação negativa a uma reviravolta nessa legislação, pois poderia facilitar as nomeações políticas para os cargos de diretoria e executivos da Petrobras, ao mesmo tempo em que potencialmente enfraqueceria outros aspectos importantes da governança da empresa, especialmente os relacionados à independência da área de compliance e requisitos para contratos e licitações”, apontaram os analistas na segunda-feira, quando surgiram as notícias sobre o tema.

Desde o fim do segundo turno das eleições, os papéis caíram, na mesma ordem, mais de 22% e 24%. As ações ordinárias do Banco do Brasil, mais de 17,5%. Mas, para alguns analistas, há espaço para mais recuo.

Como resultado do recente noticiário político envolvendo as estatais, os analistas do Bradesco BBI anunciaram, em relatório divulgado nesta terça, que cortaram a recomendação para as ações e para os ADRs (American Depositary Receipts, na prática, os ativos negociados na Bolsa americana) da Petrobras de compra para neutro. O preço-alvo dos ativos preferenciais, por sua vez, saíram de R$ 53 para R$ 26.

No texto do documento, os especialistas do BBI apontam que o “o fluxo de notícias sobre a tese de investimento continua se deteriorando a cada dia”. Eles mencionam as possíveis mudanças na política de dividendos, nos preços de combustíveis, novos investimentos e as mudanças nas lei das estatais, que teve o primeiro passo feito na véspera pela Câmara.

“Se confirmado, isso seria um sinal muito negativo para a governança geral no Brasil, uma vez que a lei implantada durante o governo de Michel Temer garante diversos pontos de maior governança, incluindo a nomeação de gerentes com formação técnica (não política) na Petrobras”, disseram ontem. Em breve nota após a aprovação pela casa, os analistas reiteraram a sua visão mais negativa para o papel.

Fernando Siqueira, head da área de research da Guide Investimentos, vai na mesma linha.

“Percebemos que depois que a Lei das Estatais foi aprovada a rentabilidade do Banco do Brasil e da Petrobras aumentou muito. Se tirarmos essa lei, e voltarmos a ter muitas nomeações políticas, isso deve mudar e, no pior dos cenários, retroceder. No governo Dilma, por exemplo, a Petrobras deu muito prejuízo”, diz Fernando Siqueira, head da área de research da Guide Investimentos.

A casa de research, por conta do risco político, diz que evita atualmente as estatais brasileiras.

“Antes das eleições, tiramos o Banco do Brasil do portfólio para colocar o Itaú, que é parecido e que não tem risco político. No caso da Petrobras, não tiramos de todos os portfólios, por não ter um substituto claro, mas de alguns”, defende Siqueira. O BB, por sinal, apesar de ter apresentado os resultados mais robustos do setor nos últimos trimestres, tem perdido espaço nas carteiras e na preferência dos analistas justamente pelo risco político. 

Em nota, Alexandre Albuquerque, analista sênior da Moody’s para o setor de bancos no Brasil, destacou que o anúncio da mudança na Lei das Estatais é negativa para os bancos públicos porque pode elevar os riscos de governança dessas instituições, uma vez que a intervenção política pode impactar suas estratégias de negócios e geração de resultados. “Apesar de haver uma indicação clara de que o novo governo aumentará a concessão de crédito por meio dos bancos públicos no Brasil, essas instituições têm forte capitalização no momento para apoiar essa estratégia. No entanto, o risco de conceder crédito com taxas mais baixas que os preços do mercado poderia resultar em pressões de rentabilidade em meio a um cenário de aumento do risco de crédito de 2023”, avaliou.

Já no caso da Petrobras, há quem defenda a realocação do capital antes aportado na estatal para as juniors oils como a PRIO (PRIO3) e a PetroRecôncavo (RECV3).

Algumas casas chegaram a, recentemente, recomendaram a venda dos papéis da petroleira estatal, por conta do risco político.

“Enxergamos a possível alteração como negativa para as companhias. Após a Lava Jato, tivemos a criação de um arcabouço de proteção para as estatais e o que vemos nessa ideia circulada é o enfraquecimento dessas medidas, que se mostraram efetivas”, comenta Phil Soares, Chefe de análise de ações da Órama. “A nossa visão não é positiva, apesar de as mudanças pretendidas levarem tempo. Apesar das ações estarem baratas frente aos recentes resultados, vemos que existe uma possibilidade grande de os avanços serem revertidos. Em função disso, o preço pode ficar desfavorável. Estamos, inclusive, recomendando a venda dos papéis da Petrobras”.

O Citi, em relatório, defendeu estar menos otimista com o investimento em Petrobras, devido ao “crescimento do potencial de interferências do governo na companhia”. O Goldman Sachs foi no mesmo caminho.

“Conforme observado em nosso relatório de rebaixamento de Petrobras, vemos a Lei de Estatais como uma das camadas de proteção contra possíveis intervenções na empresa”, explicam os analistas do Goldman, que cortaram a recomendação para os ativos da petroleira no início de novembro. “Além disso, destacamos que este projeto foi aprovado por ampla maioria na Câmara dos Deputados (314 votos a favor contra apenas 66 contra), mostrando que o novo governo pode ter capital político suficiente para obter apoio do Congresso e fazer novos ajustes na a lei, corroborando assim nossa visão de que, embora no curto prazo a lei e os estatutos da Petrobras ofereçam algum nível de proteção contra intervenções, no longo prazo continuamos a ter pouca visibilidade”.

Já a Genial Investimentos, logo após a aprovação da mudança na lei na Câmara, afirmou ter “jogado” a toalha e cortou a recomendação das ações PETR4 de compra para manutenção, com preço-alvo de R$ 30 (ainda um upside de 29% frente o último fechamento). “A lei das estatais era uma das ‘linhas de defesa’ da empresa em relação à más indicações para o seu corpo executivo e a empresa é um dos principais nomes negativamente afetada por tal decisão”, aponta a casa.

Para João Daronco, da Suno Research, por fim, ainda é cedo para afirmar a que ritmo as coisas irão mudar, apesar de ser necessário cautela.

“Estamos do lado de manter a calma, entender o que irá acontecer e a forma que irá se dar. Isso se realmente houver mudanças. Acho que ainda é cedo para definir as proporções e o que irá acontecer. As medidas levam tempo e não devem sair logo no começo do governo, mas sim de forma gradual, com impacto no médio prazo”, finaliza o especialista.