Os fatores técnicos que fizeram o petróleo WTI de maio desabar 300% – e o que esperar a partir de agora

Questão sobre capacidade de armazenamento de petróleo levou a uma corrida dos detentores do contrato; para frente, expectativa é de novos cortes de produção

Lara Rizério

WTI 20/21 de abril (Fonte: Bloomberg)

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SÃO PAULO – Em uma situação totalmente sem precedentes, o contrato do petróleo WTI para maio abriu a sessão da última segunda-feira (20) a US$ 18 o barril, mas passou a cair fortemente durante a tarde e fechou em queda de 305,97%, a incríveis US$ 37,63 negativos o barril. Ou seja, os operadores estavam pagando para se livrarem do contrato, o que causou perplexidade, mas também muitas dúvidas entre os investidores.

O movimento de baixa da commodity, a princípio, vem refletindo a percepção do mercado de que o corte de 9,7 milhões de barris diários anunciados semana passada pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo e aliados (Opep+) não será suficiente para fazer frente à queda na demanda global por conta dos impactos econômicos do coronavírus, de cerca de 30%.

Contudo, conforme aponta o Morgan Stanley, embora os mercados de petróleo estejam com excesso de oferta e as perspectivas de curto prazo não pareçam animadoras, uma venda tão acentuada não pode ser explicada apenas pelos fundamentos da oferta e demanda globais – e sim a fatores técnicos específicos.

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Além disso, vale ressaltar, ainda na Nymex, o petróleo WTI para junho, contrato mais líquido no momento, fechou a sessão de segunda-feira em queda de 18,40%, a US$ 20,43 o barril, enquanto o Brent para o mesmo mês, também contrato mais líquido, encerrou o dia em baixa de 8,94%, a US$ 25,57 o barril, mostrando a discrepância entre os contatos. Já na sessão desta terça-feira (21), enquanto o WTI para junho cai 36%, a US$ 13,08, e o brent cai 23,54%, a US$ 19,55, o contrato WTI para maio sobe 114,32%, a US$ 5,39, voltando ao território positivo.

Para explicar o movimento da véspera, vale apontar que os contratos futuros de petróleo referem-se a períodos de entrega específicos. O contrato do WTI que registrou tamanho movimento refere-se ao petróleo entregue em maio e que está bem próximo do vencimento, mais precisamente nesta terça-feira.

O contrato do WTI é estabelecido através da entrega física de petróleo. Ou seja, o proprietário do contrato no dia do vencimento recebe barris de petróleo bruto.

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O mercado de petróleo tem um grande número de participantes financeiros que não podem receber entrega física. “Portanto, esses participantes precisam vender seus contratos antes do vencimento para os players que estão em posição de receber esses barris”, aponta o Morgan Stanley. Os operadores de contratos futuros geralmente conseguem passar com tranquilidade do contrato vencido para o próximo, mas não foi o que aconteceu desta vez.

Qualquer contrato que não seja encerrado tem que ser liquidado com uma entrega (física) dos barris de petróleo associados para o núcleo logístico de Cushing, no estado americano de Oklahoma, durante o mês de maio.

A questão é que a capacidade de armazenamento de petróleo nesta localidade está rapidamente se esgotando, com a Agência de Informação de Energia dos EUA (EIA) reportando estoques de 55 milhões de barris na semana de 10 de abril, ante uma capacidade estimada de 76 milhões de barris, conforme mostra o gráfico abaixo elaborado pela XP.

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O temor é de que não haja capacidade disponível no período entre os dias 1º e 31 de maio para que detentores do contrato de WTI de maio de 2020 estoquem seu petróleo.

“Assim, operadores que ainda detinham tais posições procuraram se desfazer de seus contratos em um ambiente de mercado em que há poucos compradores marginais, criando um choque de liquidez”, destaca Gabriel Fonseca, analista da XP Investimentos, em relatório.

Como o contrato, perto do vencimento, costuma registrar uma liquidez bem menos expressiva, houve esse forte impacto nas suas cotações, indicando que o operador estava disposto a pagar para que outro armazene seus barris de petróleo por receio de não ter onde armazená-lo.

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Desta forma, aponta, o movimento de preços ilustra sim a deterioração dos mercados globais de petróleo dado o forte choque de demanda. Contudo, o fenômeno também possuí dinâmica local, uma vez que depende de fatores logísticos, relembrando que preços negativos de petróleo também já foram observados no Canadá.

“Já no caso de produtores offshore (que extraem petróleo do fundo do mar), tal pressão é menor devido à disponibilidade de navios-tanques petroleiros como forma de estocagem, o que explica a melhor performance relativa dos preços do Brent”, avalia Fonseca.

O que esperar daqui para frente?

Apesar do movimento sem precedentes do WTI de maio ser explicado essencialmente por fatores técnicos, as dúvidas sobre o setor continuam no mercado, o que gera pressão para os contratos com vencimento mais à frente.

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Analistas do Morgan Stanley estimam que o armazenamento de petróleo nos Estados Unidos deve atingir capacidade máxima de 522 milhões de barris até junho. “O colapso do mercado deve acelerar os cortes necessários na produção americana (…). Mas o caminho para a recuperação total permanece longo e incerto”, destacam.

O economista e coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo e Gás (Ineep), Rodrigo Leão, destacou à Agência Estado que a China também contribuiu com a queda abrupta da cotação do petróleo e que não deve ajudar na recuperação tão cedo. O especialista argumenta que o país asiático elevou a importação no mês passado para ampliar seu estoque e a expectativa é que não volte às compras no mês que vem.

Edmar Almeira, professor do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do Instituto de Energia da PUC (Iepuc), afirmou ainda que o mercado futuro deve conviver por mais quatro meses com a desvalorização da commodity e, até mesmo, com a negociação de novos contratos a preços negativos, já que a capacidade de estocagem segue no limite.

“Os EUA são a vítima da crise que provocaram, ao reduzir os custos de produção e encher o mercado de petróleo, gerando um desequilíbrio entre oferta e demanda”, diz ele, acrescentando que a única solução é fechar poços produtores.

Vale ressaltar que, segundo a Bloomberg, o presidente americano Donald Trump planeja realizar compras de 75 milhões de barris para as Reservas Estratégicas de Petróleo dos EUA (Strategic Petroleum Reserve, sigla SPR) de modo a fornecer algum apoio para a indústria do país.

Contudo, conforme aponta a XP, os últimos dados da Agência de Informação de Energia dos EUA (EIA) mostram que os estoques da SPR se encontram em 635 milhões de barris em comparação à sua capacidade nominal autorizada de 713,5 milhões de barris – indicando espaço limitado de atuação do governo americano para atuar nesse sentido. “Além disso, a realização de tais compras requer autorização do Congresso americano – algo que não foi possível na discussão dos pacotes de estímulo à economia, em março”, reforça.

Neste ambiente de deterioração global do mercado de petróleo, é visto como praticamente inevitável que ocorram novos cortes de petróleo como os 9,7 milhões de barris acordados pela Opep+.

Arábia Saudita (uma das maiores produtoras do mundo) afirmou estar pronta para tomar outras medidas com membros e aliados da Opep para alcançar a estabilidade no mercado da commodity, informou a agência de notícias estatal SPA. “O reino está comprometido com a Rússia para implementar cortes de produção nos próximos anos”, destacou em comunicado.

Muitos produtores terão ainda que interromper seus poços produtores por não haver capacidade física de estocagem de barris de petróleo.

Porém, isso deve levar a um efeito colateral, conforme aponta Fonseca, da XP: após tais fechamentos, o que se verá é um mercado com uma oferta de petróleo estruturalmente menor por mais tempo, uma vez que parte dos poços de petróleo que tiverem sido fechados podem não retornar à produção por questões geológicas e econômicas.

“Assim, quanto mais produtores tiverem que fechar seus poços no curto prazo para se evitar um cenário de exaustão da capacidade de armazenagem, mais acelerada será a recuperação de preços de petróleo no médio prazo em um cenário de normalização da demanda – que, por sua vez, dependerá da gradual normalização das atividades com o fim da quarentena”, avalia.

Brent também em forte queda

Apesar dos movimentos serem mais intensos para o WTI, o petróleo brent, utilizado como referência pela Petrobras (PETR3;PETR4) também registra uma forte queda e atinge o valor menor a US$ 20 o barril pela primeira vez desde 2001.

O plano de negócios da Petrobras foi elaborado para o cenário de barril a US$ 40, em média. Contudo, recentemente, Roberto Castello Branco, CEO da estatal, disse estar cortando custos para lidar com cotações de US$ 20 a US$ 25. “O choque foi mais profundo do que imaginávamos”, afirmou.

Enquanto isso, apontou o CEO, o programa de desinvestimento da Petrobras está mantido, mas deve sofrer atraso, enquanto destacou confiar que as liquidações financeiras de ativos já vendidos vão acontecer “no momento marcado”.

Neste cenário de incertezas, os ADRs (na prática, as ações de empresas de fora dos EUA negociadas em Nova York) da companhia registram queda nesta terça-feira, em dia de feriado na bolsa brasileira, com baixa de cerca de 4% durante a tarde.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.