O que o Santander Brasil e a GetNet ganham com a cisão da empresa de maquininhas do banco?

Grande parte dos analistas vê potencial para Santander Brasil destravar valor e GetNet ser mais independente, mas há quem veja outros motivos para operação

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Na última segunda-feira, o Santander Brasil (SANB11) divulgou comunicado ao mercado informando ter começado estudos para apartar seu negócio de maquininhas, a GetNet, e listá-lo na bolsa brasileira e nos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que projeta levar a marca para a Europa.

O Santander Brasil explica que, com tal movimento, os acionistas da companhia se tornarão sócios diretos da GetNet após listagem das ações no Brasil e por meio de ADRs (American Depositary Receipts) da empresa de maquininhas nos Estados Unidos.

“A potencial cisão e as listagens dependem da finalização do estudo, bem como da obtenção das aprovações necessárias, incluindo de acionistas e dos órgãos reguladores e mercados aplicáveis”, explica o banco, no documento.

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O banco anunciou, horas antes, por meio da sua matriz na Espanha, a aquisição de ativos tecnológicos da alemã Wirecard, de pagamentos, por um valor não revelado e, com isso, dá mais um passo na estratégia de internacionalização da GetNet. A Wirecard, após um escândalo de fraude contábil, passou a vender os seus ativos ao redor do globo. O valor da transação não foi revelado.

Após a consolidação da GetNet como a terceira maior empresa de adquirência no Brasil, o primeiro alvo internacional foi a América Latina, avançando depois para a Europa.

“Os ativos de tecnologia e talentos que ganhamos como parte da aquisição nos ajudarão a acelerar os planos de expansão da GetNet na Europa, ao mesmo tempo em que aumentamos nossa capacidade de desenvolvimento de produtos”, disse a presidente do banco Santander, Ana Botín, em nota à imprensa.

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A decisão de levar a GetNet para o Velho Continente, conforme o banco, corrobora com o anúncio feito no fim do mês passado, quando o Santander divulgou planos de integrar seus negócios de pagamentos em uma empresa apartada, a PagoNxt, para bater de frente com plataformas globais.

Na América Latina, a GetNet já desembarcou no Chile e na Argentina. O Santander tem planos de levá-la também ao México.

Apesar de receberem positivamente o anúncio e destacar que a cisão, os analistas ainda possuem muitas dúvidas sobre como se dará a operação.

“A transação faz sentido estratégico no curto prazo, uma vez que as empresas adquirentes no Brasil negocia a múltiplos maiores do que o Santander Brasil e que é difícil atribuir um valor claro à GetNet”, disse o Itaú BBA em relatório. Ou seja, a cisão também deixaria mais claro para os investidores que o banco está negociando com um desconto maior frente os seus pares do setor privado do que os números poderiam sugerir.

De acordo com o Morgan Stanley, indiscutivelmente, o valor da GetNet não está refletido no Santander. “Em geral, há uma lacuna significativa nos múltiplos de avaliação de adquirentes de rápido crescimento, como GetNet, em relação aos múltiplos de bancos de varejo. E, de fato, a GetNet tem crescido rapidamente, com o volume total de pagamentos (TPV) crescendo 32% no terceiro trimestre de 2020, em comparação com a média dos pares de 18%. Além disso, a empresa conquistou cerca de 200 pontos-base de participação de mercado nos últimos doze meses”, avaliam os analistas.

Para o Credit Suisse, olhando estrategicamente, a operação está em linha com os planos da matriz de criar um negócio de pagamentos/adquirente global, além de dar oportunidades para a GetNet procurar outras avenidas de crescimento. Outro ponto positivo importante é que a transação se torna um veículo para futuras aquisições no setor de pagamentos.

Na avaliação do Bradesco BBI, a cisão pode ser vista de duas maneiras pelos investidores: i): que o Santander acredita que seu valor não é refletido adequadamente nos múltiplos do banco (já que os múltiplos dos bancos são mais baixos); ou (ii) que, como uma entidade independente, a GetNet teria
maior flexibilidade de administrar o negócio ou se envolver em fusões e aquisições que podem desbloquear valor para a matriz na Espanha. Para os analistas do banco, a operação também poderia tornar mais fácil para a GetNet ser vendida a um parceiro estratégico.

Vale destacar que o Santander Espanha teria 90% da empresa depois da cisão.  Isso pode representar alguns riscos para a GetNet , disse o Safra em nota. “Os investidores podem questionar sobre o potencial desalinhamento da governança, após a cisão (como SANB e a base de acionistas da GetNet) não terão mais exatamente a mesma base de acionistas”, disseram os analistas.

A que preço?

Levando em conta que a cisão seria feita ao valor do patrimônio líquido, a operação não geraria ganhos de capital em si para o Santander e a matriz, mas poderia destravar valor para os acionistas já que a expectativa é que a GetNet opere a um prêmio na comparação com a Cielo e, consequentemente, para os múltiplos do Santander Brasil, avalia o Credit.

O Morgan fez uma estimativa sobre qual seria o valor – chegando a números bem diversos. Sem acesso ao balanço detalhado da companhia, os analistas destacam ser difícil chegar a uma aproximação, mas utilizaram o TPV como métrica, de forma a comparar com as demais empresas de capital aberto. A ação da PagSeguro está sendo negociada no momento, a 0,56 vez o seu TPV dos últimos doze meses, ante 0,58 vez da Stone e a Cielo em apenas 0,02 vez.

Assim, a GetNet valeria entre R$ 4 bilhões (pelo valuation da Cielo) e R$ 138 bilhões (PagSeguro e Stone), tendo como ponto médio o valor de cerca de R$ 70 bilhões. “Como referência, o valor de mercado do Santander agora é de R$ 132 bilhões”, ressalta o Morgan, reforçando, contudo, que essas são medidas de valor são imprecisas e excessivamente simplistas, sendo usadas apenas como pontos de referência aproximados. “Conhecer as demonstrações financeiras completas e as perspectivas de crescimento futuro da GetNet é essencial para encontrar o valor adequado para o ativo”, avaliam os analistas do banco.

Eles reforçam ainda ser importante observar que, nas demonstrações financeiras do Santander, o banco reportou um lucro líquido em 2019 de R$ 585 milhões. “Não temos certeza se esse é de fato a lucratividade do negócio subjacente (lucro líquido sobre o TPV parece baixo). A GetNet não é uma empresa independente e algumas das receitas e lucros relacionados a ela podem ser contabilizados no banco ou outra subsidiária. É provável que, uma vez que a cisão potencial seja feita, o verdadeiro lucro consolidado da GetNet seja bastante diferente”, afirmam.

Com uma avaliação bem distante (e também conservadora) do ponto médio do Morgan, o Credit Suisse aponta que o valor da GetNet seria entre R$ 6 bilhões e R$ 9 bilhões, assumindo que o lucro líquido dela retorne em 2021 aos patamares de 2019 e um P/L (múltiplo que mostra quanto os investidores estão dispostos a pagar em relação ao lucro) para 2021 de 11 vezes a 16 vezes, acima das 10,4 vezes do Santander Brasil e 11,3 vezes da Cielo. Os analistas veem o múltiplo da Cielo como um piso, considerando que a GetNet tem crescido a taxas mais altas.

“Cabe notar que, se considerarmos a contribuição incremental do pré-pagamento atualmente feito dentro do Santander, a avaliação poderia ser maior, entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões”. Considerando o topo dessa faixa, eles estimam um aumento potencial de valor de 3% para o Santander Brasil.

Os analistas apontam que a companhia tem 12% de participação de mercado e a expectativa é que a GetNet continue ganhando participação para entre 14% e 15%.

Desafios no radar

Outras questões que estão no radar, segundo o Morgan, é se o Santander está colocando a GetNet em desvantagem competitiva com uma potencial cisão listagem.

Na avaliação do Morgan, a Cielo, por ser uma empresa de capital aberto com investidores minoritários, opera com desvantagem competitiva em relação à GetNet e à Rede.

“O Santander e o Itaú pensam no cliente de forma holística – maximizar o valor do cliente, não do produto, é o que importa. Portanto, quando necessário, eles sacrificaram os preços na subsidiária adquirente para manter o relacionamento do cliente com o banco em geral. E eles podem fazer isso porque GetNet e Rede são subsidiárias integrais do banco. A Cielo, por outro lado, não tem conseguido se equiparar às políticas agressivas de precificação da GetNet e da Rede porque ‘precisa’ ser lucrativa visto que possuem investidores minoritários, independentemente dos interesses dos controladores Banco do Brasil e Bradesco”, aponta o Morgan.

Em parte, essa é a razão pela qual o Morgan avalia que a Cielo perdeu participação significativa nos últimos dois anos. “Além disso, argumentamos que a Cielo também tem uma desvantagem competitiva porque tem um conflito de interesses com os controladores em oferecer serviços bancários a seus clientes – algo que as empresas de pagamento não bancárias podem fazer. Portanto, nos perguntamos se a listagem da GetNet potencialmente muda o espaço da empresa para manobrar e competir de forma eficaz no mercado”, complementam.

Para Victor Hasegawa, gestor da Infinity Asset, o modelo de negócios com a cisão deve ser mais próximo ao da Cielo do que em relação ao da Stone, esta última mais livre em termos de gestão, em linha com empresas de tecnologia e com precificação mais alta. Porém, a intenção de expandir negócio pra Europa mostra uma operação mais ambiciosa, o que deve levar a múltiplos mais altos que o da Cielo.

Além dessa questão, o Itaú BBA aponta que há desafios no setor no geral, com a rentabilidade no negócio de adquirência sob pressão.

Também vendo com cautela a notícia no curto prazo, a XP Investimentos reforça que não há informações suficientes para determinar o potencial valor a ser destravado e o impacto que GetNet teria sobre os lucros do Santander.

“No longo prazo, as ações do Santander devem cair à medida que ocorrer a cisão e o banco perder parte de seu poder de lucro e uma unidade com ROE [Retorno sobre o patrimônio líquido] superior ao do próprio banco”, afirma o analista Marcel Campos em relatório (veja mais clicando aqui).

O analista aponta que as ações do Santander serão negociadas a seu preço total com desconto para a ação escritural removida da GetNet no dia seguinte da transação. No entanto, a expectativa é de que as ações caiam, pois: i) a GetNet é um negócio acretivo em termos de ROE, que estimam chegar a cerca de 35% em 2019 se os pré-pagamentos processados ​​pelo banco fossem considerados (versus 22% do Santander); ii) o Santander atualmente negocia a 1,7 vez o P/B (relação entre o preço de mercado atual de uma empresa com seu valor contábil), o maior múltiplo entre os incumbentes, e que aumentaria para 1,9 vez sem a adquirente; e iii) o Santander Brasil não se beneficiaria das estimativas futuras da GetNet .

Em meio a essas considerações, a XP mantém recomendação neutra para a unit SANB11, com preço-alvo de R$ 32, o que configura uma queda de 16,5% em relação ao fechamento de R$ 38,32 da véspera. Por outro lado, o Itaú BBA e o Bradesco BBI mantêm recomendação outperform (desempenho acima da média) para o SANB11, com preços-alvos respectivos de R$ 41 e R$ 52 (ou potencial de valorização de 7% e 36%, respectivamente).

O Morgan Stanley tem recomendação overweight (exposição acima da média) para o American Depositary Receipt (ou ADR, na prática, as ações das companhias negociadas na Bolsa americana), com preço-alvo de US$ 7,60, ou potencial de 8,5% em relação ao fechamento da véspera, de US$ 7.

De acordo com compilação da Refinitiv, os analistas estão divididos sobre o papel: de 13 casas que cobrem o ativo SANB11, 6 recomendam compra, 6 têm recomendação neutra e 1 recomenda venda, tendo como preço-alvo médio R$ 39,12, o que configura um potencial de valorização de 2,1% frente o fechamento da véspera.

Para saber o real potencial dessa operação, os analistas esperam por mais informações do banco, além de ficarem atentos ao cronograma. Antes da listagem, a transação deve ser aprovada pela: i) CVM; ii) SEC; iii) B3; e iv) Banco Central do Brasil. “Devido a limitações de tempo, acreditamos que a transação deve ocorrer no segundo trimestre ou no terceiro trimestre de 2021, se aprovado”, avalia a XP.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.