O que está por trás do dilema de Bolsonaro com o Orçamento de 2021? Veja caminhos e riscos

Independentemente da escolha, Bolsonaro tem uma crise contratada, já que terá que desagradar parlamentares ou sua própria equipe econômica

Marcos Mortari

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido), participa de reunião com Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados (Foto: Isac Nóbrega/PR).

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SÃO PAULO – O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem até 10 dias para tomar uma decisão sobre o que fazer com o texto do Orçamento Geral da União de 2021, aprovado pelo Congresso Nacional. O assunto tem provocado desgaste entre o mandatário, sua própria equipe econômica e os parlamentares, que fazem alertas sobre os riscos de eventual descumprimento de acordo.

A peça é inexequível, já que subestima em cerca de R$ 31 bilhões despesas obrigatórias para ampliar artificialmente o espaço dentro do teto de gastos para emendas parlamentares, no campo das despesas discricionárias. A versão aprovada pelos parlamentares cancela recursos do Regime Geral da Previdência Social (R$ 13,51 bilhões), do abono salarial (R$ 7,40 bilhões) e do seguro-desemprego (R$ 2,60 bilhões).

O texto, em contrapartida, ampliava em R$ 26,01 bilhões as emendas do relator-geral, o senador Márcio Bittar (MDB-AC), em R$ 198 milhões as emendas de comissão e em R$ 253,9 milhões e despesas discricionárias do Poder Executivo. Saúde (32,4%) e urbanismo (25,7%) são as áreas que devem ficar com a maior parte dos novos recursos.

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Embora estejam concentradas em Bittar, muitas das emendas de relator à peça orçamentária envolvem acordos com outros parlamentares e bancadas partidárias – algumas dessas costuras, inclusive, foram feitas para viabilizar a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial, que instituiu uma nova regra fiscal para o país, criou regras para a implementação de um estado de calamidade e viabilizou uma nova rodada do auxílio emergencial diante do recrudescimento da pandemia de Covid-19.

“Muitos dos acordos começaram a ser costurados na época das eleições para as presidências das duas casas legislativas, quando o Palácio do Planalto quis investir nos candidatos que considerava que seriam melhores: Arthur Lira (PP-AL), na Câmara dos Deputados, e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), no Senado Federal”, pontua Júnia Gama, analista política da XP.

De um lado, congressistas alegam que todas as negociações para o fechamento da peça orçamentária foram feitas com o consentimento do Ministério da Economia. Já o ministro Paulo Guedes (Economia) tem dito que Bolsonaro corre risco de incorrer em crime de responsabilidade, passível de processo de impeachment, se sancionar o texto tal qual foi encaminhado a ele.

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“A solução para o impasse do Orçamento passa por três alternativas: 1) a retirada de emendas pelo relator-geral; 2) a sanção e o envio de um PLN resolvendo todos os problemas; 3) o veto presidencial. As opções podem ser feitas individual ou conjuntamente para resolver o problema”, explica Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal.

Em meio ao imbróglio, o relator-geral, senador Márcio Bittar, enviou um ofício ao presidente Jair Bolsonaro informando que o Congresso havia decidido cancelar R$ 10 bilhões em emendas parlamentares do texto. O valor, contudo, era insuficiente para cobrir as despesas obrigatórias canceladas na versão final aprovada, o que tem levado a discussões sobre um possível veto parcial.

“O veto parcial pode ajudar a tirar todos os problemas e os aumentos que foram feitos, mas ele vai ter que ser apreciado pelo Congresso. O PLN [projeto de lei do Congresso Nacional] também precisaria ser apreciado pelo Congresso”, avalia Salto.

A alternativa a partir de um veto parcial seria uma espécie de meio termo, para que Bolsonaro seja protegido de maiores riscos de incorrer em crime de responsabilidade e ter que responder um processo de impeachment no Congresso Nacional, e que seja evitado maior atrito com os parlamentares – o que ocorreria sobretudo no caso de veto integral ao texto.

“O caminho que se desenha é o presidente tentar entender o limite do que precisa vetar para não ficar descoberto com as contas, até onde consegue chegar sem que a sanção possa ensejar algum tipo de procedimento, por parte do Tribunal de Contas da União, e futuramente pelo próprio Congresso, de desaprovação das contas e eventual crime de responsabilidade. Mas, por outro lado, sem poder politicamente avançar sobre as emendas que foram acordadas”, explica Paulo Gama, analista político da XP.

Fontes dentro do governo avaliam que a única forma de blindar o presidente seria o veto total à peça. No entanto, tal movimento deixaria o país mais tempo sem uma peça orçamentária aprovada para o ano (o que na prática limita as despesas mensais do governo a 1/12 do montante total previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2021) e poderia implodir as pontes políticas com os congressistas – os mesmos que teriam que posteriormente analisar uma nova peça.

Diante de tentas insegurança jurídica, os diversos atores envolvidos no processo têm tentado se cercar de pareceres favoráveis. De um lado, as consultorias técnicas das duas casas legislativas falam na possibilidade de sanção do Orçamento sem que isso signifique o executivo incorrer em crime de responsabilidade.

Já o Ministério da Economia tem buscado se cercar de pareceres jurídicos da Advocacia-Geral da União e Subchefia para Assuntos Jurídicos, órgão ligado ao Ministério da Casa Civil. Enquanto isso, o Tribunal de Contas da União (TCU) solicitou mais informações ao governo antes de apresentar uma posição oficial sobre o assunto.

Os movimentos reforçam a indisposição dos lados em ceder, mantendo o impasse orçamentário. “O problema desses pareceres, especialmente para as áreas técnicas envolvidas, é como voltar atrás. Há crise contratada se o orçamento for sancionado”, pontuam os analistas da XP Política.

“Do lado político tudo ajuda na pressão. Arthur Lira e Rodrigo Pacheco não negociaram somente para si com a Economia, eles trataram de atender às bancadas que lhes elegeram e dão sustentação política aos seus mandatos e ao governo. A situação deles frente a essas bancadas, e dessas com o Executivo se deteriora em caso de veto total”, complementam.

Independentemente da escolha a ser feita, Bolsonaro tem uma crise contratada, já que o imbróglio torna difícil uma resolução que contemple simultaneamente múltiplos interesses de distintos grupos aliados.

Vale destacar que a peça de 2021 é considerada a mais importante para as próximas eleições – o que amplia a pressão dos parlamentares atentos à reeleição e também de alguns ministros do próprio governo, de olho em como a atual administração chega na disputa pelo Palácio do Planalto no ano que vem.

A duração do impasse, por si, já deteriora a relação entre o presidente e os líderes das casas legislativas, sobretudo quando articuladas com outros eventos que ocorrem simultaneamente: o ingresso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no tabuleiro eleitoral de 2022, o agravamento da pandemia do novo coronavírus e a “CPI da Covid” no Senado.

O ministro Paulo Guedes expôs o dilema enfrentado pelo governo durante live realizada pelo InfoMoney em parceria com a XP na última segunda-feira (5), embora negue a existência de “desentendimento”, “briga” ou “guerra” com os comandantes das casas legislativas.

[O veto parcial] É possivelmente para onde a coisa está indo, porque, de um lado, tendo um veto completo, estaria 100% blindado juridicamente. Agora, por outro lado, devolvendo apenas um ou outro excesso que é cometido, você está, de certa forma, corrigindo, do ponto de vista dos acordos anteriores, mas pode ter algum vício de origem, pode ter ficado alguma subestimação lá que não é interessante do ponto de vista do governo. Então, o que é politicamente mais conveniente pode ser juridicamente inconveniente, e vice-versa”, disse.

A edição de abril do Barômetro do Poder, levantamento feito pelo InfoMoney com algumas das principais consultorias de análise de risco político e analistas independentes, mostra que a maioria dos especialistas consultados (75%) acredita que Bolsonaro vete parcialmente a peça, com impacto de até R$ 15 bilhões sobre as emendas parlamentares. Participaram do estudo 13 analistas (veja a íntegra).

“As lideranças do ‘centrão’ aguardarão a sanção para definir os próximos passos. O problema do Orçamento não será resolvido definitivamente até o dia 22 de abril, prazo para a sanção do presidente. Mas em etapas”, pontuam os analistas da consultoria Arko Advice.

Para eles, os próximos passos serão discutidos a partir do envio de projetos com remanejamento dos recursos por parte do governo federal.

“O fato é que, qualquer que seja o desfecho, a matéria terá de passar novamente pelo Congresso. Tanto os vetos quanto um eventual projeto de lei dependem da aprovação do Legislativo. Não interessa ao governo esticar a corda com os aliados”, apostam.

Para Richard Back, chefe de análise política da XP, Pacheco e Lira têm demonstrado força e conseguido impor agendas ao governo. O especialista vê o imbróglio orçamentário, como evidência dos constrangimentos de Bolsonaro em uma nova conjuntura, de maior dependência de acordos firmados com o “centrão”, agravamento da situação da pandemia e cenário eleitoral modificado.

“É muito simples Bolsonaro olhar para esse caso e não sancionar a peça. Mas o que o impede de fazer isso é justamente a balança de forças. Ele não pode agora deixar de ter aliados no Congresso, como pôde se dar ao luxo durante boa parte do governo, naquela compreensão de que não faria esse tipo de jogo político. O presidente já não pode mais prescindir disso, ele precisa de aliados no Congresso. E isso o leva a testar o limite da ideia de ilegalidade no caso do Orçamento”, diz.

“O segundo balanço a ser feito é dentro do governo. Esse Orçamento não foi feito só pelo Congresso, que decidiu colocar as emendas A, B ou C. Teve uma participação intensa de setores do governo… Vimos militares garantindo reajuste, o Ministério da Defesa levando recursos para investimentos, tem investimentos nos ministérios que são ponta de obras”, complementa.

Na avaliação do especialista, o episódio orçamentário também expõe um momento de maior isolamento político do ministro Paulo Guedes. Na prática, isso pode trazer efeitos negativos sobre o futuro da agenda econômica no parlamento, sobretudo se somado a uma falta de clareza sobre as prioridades do governo e a antecipação do calendário eleitoral.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.