Novo presidente diz que CVM não pode trabalhar nem pra forçar concorrência, nem para facilitar monopólio da Bolsa

Em entrevista ao InfoMoney, João Pedro Nascimento destacou agenda para avanços na regulação, que deve prosseguir no próximo ano

Lara Rizério

João Pedro Barroso do Nascimento, presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

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O advogado e professor João Pedro Nascimento está no comando da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o “xerife” da regulação do mercado de capitais brasileiro, desde 15 de julho, com mandato cuja duração é de cinco anos, até 2027.

Nascimento chega no comando da autarquia em um momento de diversas mudanças (caso da simplificação das ofertas públicas) em resoluções realizadas no fim do mandato do seu antecessor, Marcelo Barbosa, e algumas importantes ainda a serem definidas, como a que pode abrir a entrada de novos concorrentes para a B3 (B3SA3), a Bolsa de Valores brasileira, um tema que sempre volta à tona nos mercados.

Em junho, a CVM optou por manter o atual modelo de autorregulação, passando a permitir a criação de segmentos específicos para a negociação de grandes lotes de ações e definiu regras para a melhor execução de ordens. Contudo, decidiu deixar para depois a definição de novas normas para a internalização de ordens – o fechamento de negócios com valores mobiliários sem passar pela Bolsa -, algo visto como crucial para a maior concorrência.

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Em entrevista ao InfoMoney, Nascimento destacou que haverá rediscussão mais à frente sobre esses temas e apontou: “Nós da CVM não podemos trabalhar nem para forçar a concorrência, nem para facilitar a existência de um monopólio [de Bolsa]”.

Ele também reforçou que o seu plano de gestão estratégica se baseia em um tripé de financiamento, tecnologia e pessoas além de destacar o panorama de regulação para a seara de criptoativos e para fundos.

Confira abaixo a entrevista com o novo presidente da CVM:

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InfoMoney – Com as últimas mudanças na regulamentação, como a divulgação das resoluções 134 e 135, a CVM está se preparando para um cenário de concorrência no mercado de ativos, para além da B3 (como com sistemas especiais de negociação para os block traders)? 

Neste contexto, a possibilidade de internalização de ordens é vista como um ponto-chave para uma maior concorrência com a B3, como está essa agenda?

João Pedro Nascimento – Acredito que, com a reforma que foi feita na Instrução 461, com as resoluções 134 e 135, a CVM fez uma melhora gradual nessa modernização dos mercados organizados.

Aqui na CVM estamos atentos à necessidade para fazer uma revolução subsequente que provavelmente virá no próximo ano, para reabrir essa pauta para rediscutir alguns temas importantes, como o tema da internalização, dos grandes lotes (ou os block trades), esta questão dos limites para as corretoras participarem do capital das Bolsas.

Até um determinado momento, regras dessa natureza faziam sentido, mas com o passar do tempo elas acabaram de alguma maneira dificultando um movimento natural de evolução do mercado.

Nós da CVM não podemos trabalhar nem para forçar a concorrência nem para facilitar a existência de um monopólio. O que fazemos é a criação de normas que sejam capazes de promover o desenvolvimento do mercado de capitais.

IM – Quais oportunidades surgem com o crescimento do mercado?

JPN – Com o crescimento do mercado, é provável que no futuro venham a surgir outros agentes que eventualmente se predisponham a fazer mercados organizados de nicho.

Temos alguns exemplos; fala-se muito em criar uma Bolsa agro, verde, uma Bolsa de startups, o que não faltam são segmentos que no futuro podem se transformar em nichos.

Essa mudança que fizemos foi inicial e pretendemos de maneira gradual seguir nessa direção, numa abordagem mais liberal, de forma a destravar mecanismos para o surgimento de concorrentes.

O que é interessante é até fazer uma comparação do que estamos fazendo em alguns aspectos de sandbox regulatório, que na realidade nada mais é do que um ambiente regulatório experimental.

Vou dar um exemplo, as regras de crowdfunding [financiamento coletivo]. Elas tinham um limite. Confirmou-se que era um limite seguro, ia bem, nós flexibilizamos esses limites. Da mesma forma, em relação aos mercados organizados, as coisas evoluindo de maneira adequada, em breve poderemos flexibilizar esses limites.

IM – Os projetos do sandbox da CVM estão começando a entrar em operação. Qual é a sua visão sobre essas propostas, principalmente as que envolvem mercado secundário de ativos tokenizados?

JPN – O tema dos ativos tokenizados remete à pauta dos criptoativos, é um assunto muito importante. Existe uma demanda atual para a regulação dos criptoativos, presente no Brasil e de uma forma geral em diversos países do mundo e é uma consequência, é um desdobramento natural da evolução da tecnologia computacional que prometeu diversas transformações nos modelos de negócios.

Aqui na CVM estamos atentos para uma zona de competência que é trabalhar em uma regulação não invasiva do cripto, naquilo que diz respeito ao mercado de capitais.

Pretendemos criar um ambiente de segurança jurídica, favorável ao crescimento deste mercado e à sua integridade com olhares atentos à poupança popular e à repressão dos usos indevidos do mundo cripto.

Temos que identificar quais são, dentro dessa taxonomia dos criptoativos, os ativos que são criados com o objetivo de oferecer uma oportunidade de investimento e de alguma maneira verificar se estes podem ser caracterizados como valores mobiliários. Numa visão simplista, que é importante que a gente diga, é preciso distinguir o que é moeda daquilo que é investimento.

A CVM tem que atuar de maneira estrita ao seu perímetro, que são os valores mobiliários. Na maior parte dos casos em que há oferta de oportunidades de investimentos estamos falando de valores mobiliários.

Tenho conversado bastante sobre este tema com o presidente (do Banco Central) Roberto Campos Neto e queria fazer um elogio a ele. O que o BC fez em relação ao uso da tecnologia computacional pode vir a ser utilizado em alguma medida na CVM, como o open banking. Quem sabe não possamos na CVM caminhar quem sabe um dia, para um “open capital markets” em alguns temas em que possamos entregar mais tecnologia.

IM – Os projetos de regulação no Congresso devem ajudar no surgimento de novos projetos e produtos envolvendo criptoativos?

JPN – O trabalho da CVM é o da regulação do mercado de capitais, de valores mobiliários. A regulação comporta várias espécies, atividade regulatória, sancionadora, de regulação, fiscalização, supervisão, desenvolvimentista.

Quando falamos na atividade de regulamentação, só podemos expedir normas de uma maneira concreta quando existe lei, porque as normas são atos normativos secundários para dar cumprimento e efetividade aos comandos contidos nos dispositivos legais.

De qualquer maneira, enquanto não há esse ambiente propício para o surgimento da regulamentação, já podemos fazer alguns ensaios.

Em alguns momentos, o que se vê é a utilização do pano de fundo cripto para fazer operações fraudulentas e até mesmo ofertas públicas irregulares de oportunidades de investimento. Para equities, já há dentro do arcabouço regulatório a capacidade de trazer alguma contribuição nos casos em que esse pano de fundo cripto é na realidade um contrato de investimento coletivo. A gente está atento e preparado para essas novidades que estão surgindo.

IM – Vimos no final do mandato do seu antecessor a flexibilização das medidas para publicação de ofertas públicas. Entre os temas propostos na agenda regulatória da CVM para 2022 constam mudanças na regulamentação de fundos, prevendo, entre outros itens, maior acesso de investidores de varejo a classes hoje restritas aos investidores qualificados – caso dos fundos que investem 100% no exterior e dos FIDCs, por exemplo.

De que maneira a CVM pretende atuar para assegurar que o suitability (oferecer o produto certo para o investidor certo) seja preservado?

JPN – Avançamos muito na regulação das ofertas públicas. O novo arcabouço merece muitos elogios, estamos fazendo um trabalho de continuidade. Foi um trabalho conjunto feito durante muito tempo e com esforços combinados.

E sim, é provável que em breve possamos melhorar. Nessa temática de facilitar o ingresso do estrangeiro, é sempre importante criar no Brasil um ambiente de negócios convidativo ao ingresso de novos agentes, sejam eles nacionais ou estrangeiros. Também temos que ter o cuidado de não proteger o estrangeiro em detrimento ao brasileiro. Aqui temos que fazer um trabalho a todos.

Sobre o suitability, a questão se relaciona a uma das nossas principais missões, que é o tema da educação financeira, da orientação ao investidor e das finanças sustentáveis. É importante preparar e educar o mercado para o investidor conhecer o produto no qual está investindo e o risco que está assumindo. Esse trabalho é de formiguinha, feito todos os dias, e precisa ser mantido. É um trabalho para que as pessoas entendam os riscos que estão assumindo quando desejam fazer operações no mercado de capitais.

Os riscos que estão assumindo dependem, gradativamente, do produto no qual elas estão investindo, aí o suitability, para verificar se aquele produto é adequado ao investidor.

Haverá pessoas com perfil mais arrojado, com perfil mais moderado e com perfil mais conservador. É importante que os produtos sejam sempre adequados a cada um desses perfis. Da mesma maneira é importante termos o próprio investidor se conhecendo para ele saber o grau de profissionalismo que tem ao escolher determinado investimento.

IM – Temos vistos cada vez mais empresas brasileiras sendo listadas no exterior, há algo de regulação que possa ser feito para atrair capital para os nossos mercados?

JPN – Do nosso lado, não controlamos quem quer investir por aqui, quem quer emitir valores mobiliários no Brasil. Mas posso te dar a certeza de que estamos trabalhando para criar um ambiente de negócios que seja convidativo aos emissores e aos investidores e que seja um ambiente favorável ao desenvolvimento de milhares de alternativas e oportunidades pela iniciativa privada.

IM – Houve um aumento expressivo no número de pessoas físicas na Bolsa nos últimos anos e, com isso, também os meios de elas se informarem para tomarem suas decisões de investimento, inclusive por redes sociais, vídeos, fóruns de internet, o que também leva a suspeitas de manipulação de mercado. Como o senhor vê, agora nesse início de mandato, a CVM se preparando para esse ambiente? 

JPN – Estamos muito atentos aos temas dos influenciadores digitais e aqui é importante passar uma mensagem: não cabe à CVM tolher o exercício da liberdade de expressão de ninguém.

Ao mesmo tempo, temos que ter a certeza de que essas pessoas não estão invadindo uma esfera de regulação de outros de nossos agentes regulados, como no caso dos analistas.

A sua própria pergunta traz em si a mensagem de que essas pessoas recomendam investimentos, sugerem aplicações de recursos e em alguns casos têm até uma relação estreita com algumas políticas que são muito questionáveis, como é o caso da manipulação de mercado.

É nesse sentido, por exemplo, que defendemos o uso da maior extensão possível dos sistemas, da tecnologia. Já existe sistema no Brasil e no mundo disponível para fazer um acompanhamento, monitoramento dos influenciadores digitais, das suas redes e dos valores mobiliários que eles estão recomendando e, ao mesmo tempo, verificar qual é a consequência que se observa na prática das negociações havidas em relação aos títulos por eles recomendados e os dias subsequentes a essas recomendações.

O que dizemos, com muita ênfase, que cada vez mais queremos preparar a CVM para ser um regulador tech, que emprega tecnologia, sistemas, informação, aplicação de inteligência artificial na solução dos problemas de mercado de capitais.

IM – Como financiar essa modernização da CVM? A autarquia conta também com os recursos humanos para isso?

JPN – Financiamento, pessoas e tecnologia são nossos pilares estratégicos. É muito importante que a CVM esteja aberta para refinanciamento de suas atividades.

O ideal seria se a gente pudesse ficar com a taxa de fiscalização, que é um tributo vinculado, uma contraprestação a uma atividade que é exercida pela CVM. A rigor, o valor que ela proporciona é muito grande, se ficássemos com uma parte dela para ter uma previsibilidade de planejamento já seria suficiente.

Sobre capital humano, no Brasil, estamos vivendo a reforma administrativa, em que existe um esforço para a utilização da maneira mais eficiente possível dos recursos disponíveis no serviço público.

Temos na casa um empenho muito grande pela movimentação dos servidores públicos federais, então estamos trabalhando para conseguir mais movimentados chegando aqui na nossa casa.

Uma vez que tenhamos realizado a maior movimentação possível para aproveitarmos da maneira mais eficiente os servidores disponíveis em outras casas, empregando na maior extensão possível a tecnologia mas, ainda assim, faltar gente, precisaríamos de um concurso.

IM –  Em 2021, a CVM publicou uma regulamentação experimental sobre os Fiagros, e o que se viu de lá para cá foi um interesse bastante grande do mercado em lançar produtos – e dos investidores, em adquiri-los. Como a CVM avalia a experiência até aqui?

No contexto das reformas dos fundos de investimento, o tema do Fiagro é muito importante. O mercado de capitais deve servir como instrumento para dar efetividade a importantes pautas do Brasil, como a pauta do Ministério da Agricultura em cooperação com o ministro da Economia e nos temas do financiamento das atividades relacionadas ao agro.

Dentro destes temas é importante também falar do tema do Fiagro de baixo carbono, que é um título importante, que promove uma conversa entre o mercado do agronegócio e o mercado ambiental.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.