Não, a Tesla não perdeu dinheiro ao vender todo o seu Bitcoin

Regras de contabilidade dos EUA deixam confusas as informações divulgadas no balanço, explica analista do CoinDesk

CoinDesk

(Shutterstock)

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*Por George Kaloudis

Na semana passada, a Tesla anunciou que vendeu US$ 936 milhões em Bitcoin (BTC) no segundo trimestre, o que representava 75% de sua posição na criptomoeda. No entanto, como as regras contábeis envolvendo o ativo digital não são tão claras, ficou um pouco difícil entender o que esse movimento de fato significou para as contas da montadora.

O objetivo deste texto, portanto, é tentar destrinchar o assunto sob a luz das regras de contabilidade dos Estados Unidos.

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Ao contrário do que a maioria da internet quer que você acredite, a Tesla não vendeu cedo demais o Bitcoin que comprou no ano passado, ficando no prejuízo. Leia a frase abaixo retirada da apresentação dos resultados financeiros da empresa do segundo trimestre:

“Convertemos a maioria de nossas participações em Bitcoin em moeda fiduciária para um ganho realizado compensado por encargos de imparidade no restante de nossas participações, gerando um custo de US$ 106 milhões na [declaração de resultados].”

Não tenho certeza se você percebeu isso, mas um ganho realizado significa que a Tesla teve ganho. E para obter um ganho, você precisa vender algo por mais do que comprou. Caso contrário, seria uma perda realizada.

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De acordo com documentos enviados pela montadora à Securities and Exchange Commission (SEC, a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos) nesta segunda-feira (25), os ganhos com a venda de BTC foram de US$ 64 milhões.

E quando você percebe que a empresa fez essas vendas em algum momento entre abril e junho de 2022, é aí que fica um pouco interessante. Para contextualizar, abaixo falo do preço do BTC entre 1º de abril e 30 de junho de 2022.

O criptoativo abriu o trimestre sendo negociado em torno de US$ 45 mil e terminou abaixo de US$ 20 mil. Em algum momento, em meio a muitas vendas, a Tesla descarregou cerca de 30.000 BTC.

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A empresa não revelou o preço de venda, mas um cálculo aproximado mostra que seria de cerca de US$ 29 mil por BTC, o que ajudou a evitar uma taxa de deterioração mais substancial. O Bitcoin encerrou o segundo trimestre com um preço de cerca de US$ 18.700.

Outro destaque desse período foi a Luna Foundation Guard vendendo cerca de 80.000 BTC durante a espiral da morte do ecossistema Terra. O período foi, portanto, de muita liquidez para o mercado de Bitcoin absorver. E embora a cripto tenha perdido 58% de sua capitalização, não cedeu 100%.

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Agora, antes de mergulharmos nas regras contábeis, precisamos destacar por que a Tesla vendeu parte de seus criptoativos.

“Estávamos incertos sobre quando os lockdowns da China por causa da Covid-19 seriam aliviados, então vendemos Bitcoin para reforçar nossa posição de caixa”, escreveu a companhia em sua apresentação de resultados.

A venda de BTC mais recente da montadora certamente não foi uma crítica à criptomoeda. Quando a Tesla se desfez de algumas moedas digitais em abril, fez isso para “testar a liquidez”. Agora, no segundo trimestre, quando precisava de dinheiro, havia ampla liquidez para suprir esse caixa. Além disso, o CEO da Tesla, Elon Musk, disse que “certamente estamos abertos a aumentar nossas participações em Bitcoin no futuro.”

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A Tesla não está no negócio do Bitcoin, nem a maioria das empresas. Mas, acho bom que o BTC possa figurar no balanço e atuar como um ativo de tesouraria para gerenciamento de caixa, se essas firmas assim desejarem. Parte do gerenciamento de caixa significa a entrada e a saída de diferentes ativos à medida que as necessidades do negócio evoluem.

Regras contábeis equivocadas

Prometi falar sobre algumas regras contábeis equivocadas, um assunto importante. No momento, o Bitcoin é tratado como um ativo intangível de vida indefinida – tanto no Brasil como nos Estados Unidos. Isso significa que as empresas que detêm a cripto precisam reduzir seu valor de balanço se o preço diminuir. Isso é sensato e dá uma representação precisa da realidade financeira do valor da moeda.

Mas infelizmente, por causa dessa situação, a empresa não tem permissão para aumentar o valor do BTC no balanço para representar com precisão a realidade financeira de que a moeda que detém agora vale mais. Os ativos de marcação a mercado (que têm atualização diária do preço), por outro lado, permitem que as empresas ajustem o valor de um ativo para refletir seu valor conforme determinado pelas condições atuais. Se o Bitcoin pudesse ser tratado da mesma forma, as empresas poderiam fazer isso.

Faz sentido. Os ativos intangíveis de vida indefinida incluem coisas como goodwill (valor mais alto pago pela aquisição de uma empresa). O goodwill não é negociado em nenhum tipo de mercado líquido, mas o Bitcoin sim.

E segundo, daria uma representação mais precisa das posições financeiras das empresas. As companhias de capital aberto dos Estados Unidos, por exemplo, já têm a onerosa tarefa de fornecer relatórios financeiros trimestrais aos acionistas.

Se essas empresas detiverem Bitcoins que caíram em um trimestre e não podem ser marcados no próximo, isso dará uma representação imprecisa da posição financeira

Para esse ponto, devemos trazer de volta o exemplo da Tesla. Lembre-se de que a montadora converteu a maioria de sua posição em BTC para um ganho compensado por “taxas de redução ao valor recuperável no restante de nossas participações, gerando um custo de US$ 106 milhões para a [o balanço de resultados]”.

Portanto, a balanço da companhia não mostra a venda de Bitcoin que rendeu dinheiro (o que é normal, pois isso aparece na demonstração do fluxo de caixa), mas sim uma perda associada ao Bitcoin que não foi vendido. Isso não faz sentido. Talvez devêssemos começar a tratar o Bitcoin como o ativo de marcação a mercado que é.

*George Kaloudis é analista do CoinDesk Research.

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