Missão cumprida: Ben Bernanke deixa o Fed resgatando EUA de forma única

Em meio à desconfiança e controvérsias, economista de 60 anos que se despede da presidência do banco central dos EUA inovou e superou a maior crise financeira desde 1929

Lara Rizério

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SÃO PAULO – O dia 31 de janeiro de 2014 será marcante para o presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke. No cargo desde 2006, o economista de 60 anos completará oito anos à frente de seu maior desafio justamente no dia em que encerrará as suas atividades na autoridade monetária norte-americana.

Apesar de muitas desconfianças, Bernanke surpreendeu o mercado ao injetar centenas de bilhões de dólares depois da crise financeira de 2008-2009. Em meio ao mau humor dos investidores após o estouro da crise do subprime, o presidente do Fed se manteve firme e assim, mesmo enquanto muitos acharam que ele estava “perdendo a cabeça”, que teria graves consequências como a criação de uma enorme inflação e até uma posterior bolha financeira.

“Bernanke foi crucial no período de crise”, aponta Walter Maciel, sócio da Quest Investimentos. Ele destaca que 2008, quando a economia mundial entrou em uma espiral complicada e que as perspectivas eram tão sombrias quanto o da Grande Depressão, em 1929, o mercado contou com a “sorte” de ter um economista que se preparou durante boa parte de sua vida – ele é uma grande estudioso da crise de 1929 – estivesse no principall cargo da autoridade monetária. 

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Bernanke nunca foi unânime
Atualmente, muitos aplaudem as iniciativas, mas também há aqueles que o acusam de causar distorções que, se não foram sentidas até agora, podem estourar a qualquer momento. Contudo, boa parte do mercado reconhece que, mesmo com todas as dificuldades e a oposição do partido republicano de que a inflação pudesse estourar com o programa, Bernanke conseguiu superá-las. E, se antes o cenário era de desolação para a atividade da maior economia do mundo, agora o ambiente que se desenha, mesmo que não seja comparável otimista como o pré-crise, nem se compara aos sombrios anos de 2008 e 2009.

Bernanke foi o primeiro que planejou uma política monetária que teve como foco a redução dos custos de crédito. A estratégia do presidente do Fed foi realizar a compra direta de títulos com garantias hipotecárias de agências e dívidas do tesouro de prazos mais longos, o que deixou a autoridade monetária com o balanço mais expressivo de sua história.

Quando assumiu, em 2006, o ex-professor de Princeton tinha algumas metas e buscou aumentar a transparência da autoridade monetária mais importante do mundo. O economista afirmava que a determinação de uma meta de inflação poderia contribuir para aumentar a responsabilidade e tornar as políticas mais efetivas, além de também transferir o poder de decisão para o Fomc (Federal Open Market Committee), que teria mais poder para definir as políticas.

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Oito anos depois, o saldo é positivo, com o Fed instituindo uma meta de inflação de 2% ao ano e com maior democracia entre os integrantes da autoridade monetária. Agora, há um debate mais aberto nas reuniões e os banqueiros regionais divulgam as suas previsões econômicas. O presidente do Fed, em meio à política de maior transparência, faz uma entrevista trimestral à imprensa e é o último a expressar a sua opinião sobre políticas econômicas durante as reuniões.

Como encerrar os estímulos?
Agora, a questão é como retirar as medidas de estímulo à economia, em meio aos temores de ao surgimento de uma nova bolha. E este deve ser o próximo grande desafio da sucessora de Bernanke, Janet Yellen: ela terá que encerrar os gastos diretos com o estímulo, assim como começar a elevar as taxas de juros de curto prazo a um patamar mais elevado.

Neste sentido, aponta o sócio da Quest, algumas críticas – apesar de ficarem em segundo plano – podem ser feitas a Bernanke. Em maio, o Fed sinalizou que reduziria o programa de compra de títulos no valor de US$ 85 bilhões em setembro de 2013, o que não aconteceu. A redução só ocorreria na última reunião do ano de 2013. O movimento acentuou a volatilidade do mercado ao gerar uma quebra de expectativas e resultou em perdas significativas para investidores que tentaram antecipar essa retirada – como é o caso da Pimco, gestora do maior fundo de renda fixa do mundo.

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Desta forma, algumas questões ainda ficam sem resposta com a saída de Bernanke: pode o Fed operar indefinidamente com um balanço de trilhões de dólares? A economia desacelerou para um ritmo mais lento que o Fed não pode mudar? O fluxo de crédito ficará restrito com o intenso escrutínio regulatório sobre o sistema bancário? Para Maciel, a sucessora de Bernanke deve continuar o plano dele e dosar a redução de estímulos à economia tendo como referência os dados econômicos, que ainda mostram certa fragilidade mesmo com as melhoras recentes.

O começo já foi feito – em cada uma das últimas duas reuniões do Fomc, em dezembro e em janeiro, foi anunciada a redução em US$ 10 bilhões mensais. Porém, esse processo ainda indica que a carteira do Fed continua se expandindo, ressalta Maciel, e só com uma “injeção negativa” por parte da autoridade monetária – ou seja, tirada de dinheiro da economia – que haverá mesmo uma reversão da política monetária.  

Mesmo com os desafios a serem enfrentados pela sucessora de Bernanke, Maciel destaca as qualidades do presidente que deixa o Fed após tantos percalços. “Acho que é difícil traçar um paralelo histórico sobre as crises, uma vez que muitas coisas aconteceram nesse meio tempo mas, se olhar a crise que se iniciou em 2008, houve uma recuperação bastante rápida e consciente”, avalia. Com isso, o processo foi bem sucedido, o que deve levar o mandato de Bernanke a “ficar marcado para a história”. 

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.