Maiores quedas do Ibovespa em 2020, IRB e CVC mudam comando – mas ainda têm longo caminho a percorrer

Questões internas sobre balanço (mas não só elas) afetam ambas as companhias, que veem seus papéis caírem cerca de 50% no ano

Lara Rizério

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SÃO PAULO – As duas maiores quedas do Ibovespa em um 2020 já bastante negativo para o índice brasileiro, as ações do IRB Brasil (IRBR3; baixa de 57% no ano) e da CVC (CVCB3; baixa de 47% no ano) tiveram uma semana decisiva na bolsa. Ambas envolvidas em polêmicas recentemente com os seus balanços, nos últimos dias elas anunciaram mudanças bastante importantes nas suas diretorias. Nesse cenário, há quem enxergue boas oportunidades para as companhias, mas também há quem queira se manter distante das ações, à espera de maior visibilidade para os ativos.

No caso da CVC, o anúncio da mudança aconteceu na noite da última quinta-feira (5). A operadora de turismo comunicou que seu presidente-executivo, Luiz Fogaça, apresentou pedido de renúncia e que o Conselho de Administração aprovou a indicação de Leonel Andrade para substituí-lo a partir do dia 30. Andrade foi Diretor Presidente da Losango, da Credicard e da Smiles Fidelidade, ocupando por 15 anos o principal cargo de gestão dessas empresas.

Tal movimento fez com que a ação chegasse a disparar mais de 20% na sessão desta sexta-feira, em um dia de forte queda para a bolsa brasileira, com os investidores destacando principalmente a larga experiência e alta credibilidade do executivo em um momento complicado para a companhia.

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Conforme aponta Richard Cathcart, analista do Bradesco BBI, Andrade possui experiência tanto no comando de empresas de viagens, como a Smiles, como de financeiras, como a Credicard. O BBI acredita que Andrade poderá enfrentar com sucesso problemas que atingiram a CVC mais recentemente, como a falência da Avianca Brasil e a descoberta de erros contábeis na operadora de turismo. “A experiência de transformação digital de Andrade será altamente valiosa para a CVC, já que a empresa pretende implementar sua própria transformação digital”, complementa.

Vale destacar que, na última segunda-feira, a companhia informou ter constatado, em uma avaliação preliminar, indícios de erros em seus balanços publicados entre 2015 e 2019, com potencial de impactar o resultado da companhia do quarto trimestre de 2019, fazendo com que a ação caísse 10,61%.

Soma-se a isso o cenário já negativo para o setor da empresa, que a cada dia mostra mais os seus efeitos sobre o turismo global. Conforme aponta a XP Investimentos, caso os impactos do surto se prolongassem no médio prazo, a expectativa era de uma pressão nos preços de ações ligadas ao setor. Não por acaso, as ações de CVC e das aéreas Gol (GOLL4) e Azul (AZUL4registraram as maiores baixas do Ibovespa de fevereiro, com queda superior a 20%.

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Vale lembrar que, em 2019, a companhia havia sofrido por dois fatores em especial: (i) recuperação judicial da Avianca, principal parceiro aéreo da CVC, cujo cancelamento de voos ocasionou despesas não-recorrentes para a companhia no montante de R$ 137,4 milhões nos primeiros nove meses do ano; e (ii) decepção do mercado com o crescimento de reservas. Com isso, os analistas destacaram que havia um cenário de “tempestade perfeita” para a companhia.

Com isso, a mudança de CEO, que pode significar novos rumos para a CVC, combinada à forte queda das ações fizeram com que os analistas passassem a ver oportunidades para as ações da companhia. O JPMorgan elevou a recomendação para os ativos de underweight (exposição abaixo da média do mercado) para neutro, com preço-alvo de R$ 38, ou um potencial de alta de 91% em relação ao fechamento da véspera.

De acordo com Joseph Giordano, analista do banco americano, apesar das expectativas de resultados de curto prazo ainda fracos e das incertezas com relação ao crescimento, a CVC está “muito barata” para permanecer underweight. Segundo o analista, a indicação de Andrade deve moderar o clima negativo com a ação e desencadear discussões mais construtivas sobre o futuro da companhia.

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Enquanto isso, o Bradesco BBI aponta ver valor de longo prazo na CVC, dada a sua forte marca, escala significativa e rede de agências. “A indicação de um novo CEO fará o mercado olhar mais para esses ativos”, avalia Cathcart. A recomendação para os papéis é outperform (desempenho acima da média do mercado), com preço-alvo de R$ 42, ou um potencial de valorização de 111% frente o fechamento de quinta-feira.

Cabe lembrar que, na segunda, logo após a divulgação de indícios de falha contábil pela CVC, o analista do banco havia cortado o preço-alvo de R$ 60 para R$ 42, mas mantendo a recomendação de compra. “Apesar dos ventos contrários, continuamos construtivos no CVC na expectativa de que sinais de melhora (como um ponto de inflexão no crescimento de vendas nas mesmas lojas) possam chegar ao final do primeiro trimestre de 2020, uma vez que as vendas se deterioraram significativamente em março do ano passado [o que leva a uma menor base de comparação”, avaliou na época.

Contudo, vale ressaltar que há quem ainda queira esperar mais. O Itaú BBA, por exemplo, está com a recomendação para os ativos em revisão desde segunda e espera mais detalhes sobre o impacto das falhas contábeis no balanço para entender melhor o impacto nas estimativas. Desta forma, a divulgação dos resultados do quarto trimestre da companhia, no próximo dia 12 de março, pode ser importante para dar mais visibilidade para os números da empresa.

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IRB: incertezas maiores sobre nova gestão

Também questionada pelos seus dados, o IRB viveu fortes emoções nesta semana, que culminaram com a saída do CEO e do CFO. Porém, também sobre a mudança de gestão, ainda há muitas incertezas, já que o novo nome da resseguradora, Werner Suffert, ex-CFO do BB Seguridade, assumiu como CEO interinamente. Suffert entrou na companhia para assumir o cargo de CFO.

Ele acumula as funções de José Carlos Cardoso (ex-CEO) e Pedro Passos (ex-CFO) para dar maior tranquilidade ao processo de escolha de novos executivos. Fora isso, após a saída de Ivan Monteiro, o cargo de presidente do Conselho de Administração está sendo ocupado temporariamente por Pedro Guimarães.  Ou seja, ainda há incertezas sobre como a companhia será conduzida – enquanto os desafios a serem enfrentados são bastante claros.

“Uma nova administração sempre pode mudar os rumos de uma companhia. Porém, a perda de um presidente, diretor financeiro e o presidente do conselho em menos de uma semana é uma mudança bastante drástica para o mercado assimilar. O impacto é principalmente grande considerando que ainda não temos um novo presidente da companhia e do conselho, o que poderia nos dar uma melhor percepção sobre como serão as novas práticas de negócio. Não obstante, ainda não temos visibilidade sobre o tamanho do possível impacto que essas mudanças podem ter com clientes, retrocessionários, reguladores (CVM) e o mercado”, destacou Marcel Campos, analista da XP Investimentos, em relatório datado da última quinta-feira, logo após a teleconferência do IRB para a apresentação do novo executivo (veja o relatório clicando aqui).

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Cabe ressaltar que Cardoso e Passos saíram de forma brusca da companhia, após um imbróglio que envolveu a Berkshire Hathaway, veículo de investimentos do lendário megainvestidor Warren Buffett.

Na semana passada, a Coluna do Broad informou que a Berkshire não só tinha aportado capital na companhia, como triplicado a sua participação nela, o que impulsionou os ativos. A notícia foi confirmada na última segunda-feira pelos então CEO e CFO do IRB em conferência com analistas, mas depois negada pela própria empresa de Buffett. Logo depois, o IRB afirmou em nota que nunca havia falado sobre a Berkshire ter participação na empresa, o que acabou gerando um forte baque sobre a governança corporativa, fazendo com que as ações caíssem 31,96% na última quarta-feira. Na quinta, os papéis voltaram a desabar, cerca de 16%, levando a uma perda de R$ 11,2 bilhões de valor de mercado em apenas duas sessões.

Soma-se a isso ao fato de que as ações já haviam caído fortemente desde o início de fevereiro após a gestora carioca Squadra questionar os números da companhia e com a saída também cercada de polêmicas de Ivan Monteiro, presidente do Conselho, em meio a rumores de que o afastamento ocorreu por conta de divergências dentro do IRB, completando o cenário bastante negativo para a ação. Com a credibilidade do alto escalão fortemente abalada, ganharam força justamente os questionamentos da gestora sobre os números da companhia.

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Durante a teleconferência do IRB para apresentar Suffert, Pedro Guimarães buscou deixar claro que a saída de Cardoso e Passos ocorreu especificamente por conta do “caso Berkshire”, ressaltou que o Conselho vê com tranquilidade os balanços do IRB e descartou qualquer possibilidade de republicação. “Os números foram auditados por duas auditorias do ‘big four’ (as maiores do mundo)”, disse ele. “Nunca houve um questionamento, uma ressalva. Se fosse preciso, contrataríamos a terceira, quarta auditoria.”

Guimarães afirmou também que o guidance (projeções) do IRB não deve sofrer alterações, mas os números dos ressegurados, assim como as metas traçadas, ainda passarão pela análise de Werner Suffert. “É pouco provável que mude e, se mudar, é pouco. Mas em nome da transparência não queremos prometer nada. O nome do jogo é prometer e cumprir”, afirmou Guimarães.

O chairman interino afirmou ainda que o conselho do IRB decidiu na quarta-feira abandonar os bônus por valorização da ação para os executivos que assumirão agora a presidência e a vice-presidência de finanças. A mudança faz referência ao ‘Programa de Superação’, que consiste na concessão, por parte do IRB de uma bonificação aos administradores estatutários como contrapartida à meta de dobrar o valor de mercado da companhia no período de maio de 2018 a maio de 2021, desde que a valorização da ação supere a valorização do Ibovespa no mesmo período.

O novo executivo da empresa terá ainda que lidar com outras questões, como quatro processos administrativos que tramitam na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e até mesmo potenciais processos de acionistas minoritários que se sentiram lesados com a comunicação da companhia. Assim, o desafio de retomar a credibilidade depois de diversos baques nos últimos trinta dia será o maior da nova gestão, que ainda nem foi montada de forma definitiva.

De qualquer forma, a princípio, a entrada de Suffert gerou relativa tranquilidade por conta das qualificações do executivo e por mostrar uma atitude rápida do IRB após o ápice de uma grave crise de confiança do mercado com a empresa. A expectativa, contudo, é de que dias mais tranquilos para a ação só virão após mais balanços publicados, trazendo mais esclarecimentos sobre os questionamentos abordados pela Squadra sobre o resultado.

Além disso, claramente, serão observados os próximos passos da companhia em busca de nomes para a companhia: sobre o novo presidente do conselho, o IRB afirmou que está atualmente em contato com um candidato e que é um nome com larga experiência em seguros/resseguros, principalmente como executivo, e tendo inclusive experiência relevante internacional no setor. Desta forma, a divulgação de um nome nos próximos dias pode animar as ações depois das fortes perdas.

Com muitas definições ainda por acontecer, muitos analistas de mercado colocaram as ações do IRB em revisão, caso do Bank of America e do Safra; a XP tem a recomendação do IRB sob análise desde 10 de fevereiro. Enquanto isso, casas como a Eleven e o Morgan Stanley seguem com recomendação equivalente à compra para as ações ao avaliarem que, apesar do longo caminho da empresa para restaurar a credibilidade, os ativos estão baratos e podem gerar boas oportunidades (veja mais aqui).

Na sessão desta sexta-feira, as ações de ambas as companhias registram recuperação, com destaque para a CVC. Contudo, elas ainda estão longe de recuperarem as perdas registradas durante o ano. Para isso, elas precisam retomar a credibilidade e superar a “tempestade perfeita” que as abalaram nos últimos meses: será um longo caminho a ser percorrido.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.