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Investidor estrangeiro bate em retirada da Bolsa brasileira e movimento deve seguir no curto prazo

Quase R$ 15 bilhões de recursos estrangeiros saíram da Bolsa brasileira em agosto e setembro em meio à alta do rendimento dos Treasuries

Rodrigo Petry

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Setembro marcou o segundo mês consecutivo de debandada de recursos de investidores estrangeiros no mercado secundário da B3 (B3SA3), com saídas líquidas de R$ 1,686 bilhão. A esse valor se somam retiradas, em agosto, que totalizaram R$ 13,2 bilhões.

Assim, o saldo positivo acumulado em 2023, de janeiro a setembro, desceu para R$ 9,9 bilhões, caindo drasticamente frente aos quase R$ 25 bilhões registrados até o final de julho.

Enquanto isso, o Ibovespa saiu da faixa dos 120 mil pontos, do início de agosto, para os 113,4 mil pontos, conforme o fechamento desta terça-feira (3), em mais um dia de aversão global ao risco.

Poderia ser mais um movimento de oscilação de fluxo gringo como tantos outros. Entretanto, a expectativa de grande parte do mercado era de que, nos últimos dois meses, tivesse havido um retorno do investidor para Bolsa brasileira.

O cenário era propício para que isso ocorresse, já que o Brasil começou no início de agosto o seu movimento de redução das taxas de juros – diferente de muitos países mundo a fora. Mas não foi isso que ocorreu.

Inclusive, essa recente debandada coloca em risco o tradicional rali de final de ano da Bolsa brasileira, levando também a revisões para baixo das projeções do Ibovespa.

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Por que o investidor estrangeiro está saindo da B3?

Por trás de tudo isso está o movimento de juros – não o brasileiro, mas sim o americano. Isso porque a economia norte-americana segue dando sinais de resiliência, com mercado de trabalho aquecido, o que pode dificultar o combate à inflação.

Com preços mais altos nos EUA, especialmente agora, com as novas disparadas do preço do petróleo no mercado internacional, o combate à inflação, por lá, pode levar o Federal Reserve a realizar uma nova elevação dos juros, na reunião de novembro ou de dezembro.

Todo esse movimento vem elevando a atratividade dos títulos da dívida norte-americana. Na véspera, os treasuries yields voltaram a subir forte, renovando suas máxima em quase 15 anos.

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Dessa forma, os investidores saem das bolsas, mundo a fora, aplicando na renda fixa americana.

Esse fluxo, inclusive, vem contribuindo para a valorização do dólar frente a uma cesta de divisas fortes, com a moeda americana, atualmente, em suas máximas de quase um ano.

No Brasil, o dólar frente ao real fechou, nesta terça-feira (3), em seu maior patamar desde março, com alta de 1,73%, a R$ 5,15.

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Cautela com emergentes

O estrategista chefe de mercados emergentes e China, da Alpine Macro, Yan Wang, diz há muita cautela em relação aos mercados emergentes desde julho, devido ao aumento da percepção de risco tanto nos EUA quanto na China.

“O capital estrangeiro provavelmente continuará a deixar os mercados financeiros brasileiros, à medida que os preços dos ativos continuarem a corrigir, especialmente depois de ganhos bastante consideráveis”, afirmou.

Para ele, mesmo com a flexibilização da política monetária do Banco Central no Brasil, “os ativos dos mercados emergentes estão atualmente em uma janela de risco”, levando a redução dos aportes na Bolsa brasileira.

Yan Wang argumenta que o compasso de espera, por parte dos investidores, em relação aos emergentes, acontece diante da indefinição por parte do Federal Reserve de seus próximos passos.

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“Se o Fed deixar os juros mais altos, por mais tempo, as probabilidades de uma recessão nos EUA aumentarão e os ativos de mercados emergentes, incluindo as ações brasileiras, sofrerão”, disse, reforçando que “um Fed agressivo tem um impacto negativo nos fluxos de fundos para o Brasil.”

Alta dos juros nos EUA leva as Bolsas mundiais a perdas; Ibovespa acompanha ambiente de aversão ao risco

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Juros em alta – nos EUA

Para Alexandre Reitz, head de renda variável da Julius Baer Brasil, a grande dúvida que fica é até onde deve ir a “deterioração no mercado de renda fixa norte americano.”

“Com o Fed sinalizando que o juro ficará elevado por mais tempo, há uma redução no apetite dos estrangeiros pelos ativos de risco. Isso pode contribuir para um menor fluxo nos próximos meses (para a bolsa brasileira)”, ressaltou.

Por outro lado, acrescenta Reitz, se houver uma redução no pessimismo relacionado às commodities, “podemos ver novo fluxo para bolsa brasileira.”

“De forma geral, o cenário ficou mais incerto, tanto no plano doméstico como no externo”, concluiu.

Fiscal atrapalha investidor de Bolsa

Não bastassem os fatores externo, internamente, a politica fiscal brasileira pesa.

O risco – cada vez mais iminente, segundo especialistas – de que o governo não atinja a meta de zerar o seu déficit fiscal em 2024 gera um desalinhamento das expectativas, elevando os juros futuros (DIs).

Em relatório, os estrategistas da XP Fernando Ferreira e Jennie Li pontuaram que há duas opções em relação ao fiscal: ou o governo tentará atingir a meta de resultado primário em 2024, o que implicará no congelamento de gastos obrigatórios, de cerca de R$ 54 bilhões, comprometendo a execução orçamentária; ou altera a meta.

“Essa incerteza (no fiscal) tem pesado especialmente sobre o câmbio e a curva de juros, levando as taxas (DIs) de longo prazo mais para o alto”, escreveram, acrescentando que todo esse cenário “pressiona negativamente as ações”.

Realização

Outro movimento que se deu também nos últimos dois meses foi o de realização de lucros, por parte do investidor estrangeiro.

Isso porque, entre o menor patamar da Bolsa brasileira neste ano, em 23 de março (aos 96,9 mil pontos), e o mais alto, em 25 de julho (nos 122,8 mil pontos), houve uma disparada de cerca de 30% do Ibovespa.

“Acreditamos que houve uma maior animação, antecipando o ciclo de corte da taxa Selic, iniciado em agosto”, analisou Reitz, sobre o ingresso de recursos estrangeiros entre junho e julho (superior a R$ 17 bilhões – veja mais abaixo os detalhes), o que alavancou a Bolsa.

“Em setembro, ficou clara a frustração do mercado, já que muitos esperavam uma aceleração no ritmo de corte da Selic, o que ficou mais difícil de ser implementado”, complementou.

Saldo de fluxo gringo na Bolsa

Valorização significativa

Em conversa com investidores estrangeiros, os estrategistas da XP observaram que eles têm demonstrado muito interesse em relação a setores sensíveis a juros no Brasil, tais como saúde, educação, imobiliário, além das ações small caps.

Conforme os especialistas da XP, porém, o desempenho destes setores já subiu bastante, bem acima das medianas históricas observadas durante ciclos anteriores de afrouxamento monetária. Ou seja, já “apresentaram valorizações significativas”.

“Como resultado, parte desses ganhos agora está sendo revertido”, pontuaram Ferreira e Jennie, em relatório publicado no início desta semana.

Oportunidades

Por fim, Otávio Costa, gestor macro da Crescat Capital, ressalta que, “sem dúvida”, as decisões do Fed, nas próximas reuniões, devem ter uma influência maior no mercado brasileiro, até mesmo em relação ao Comitê de Política Monetária (Copom).

Ele pontua, contudo, que mantendo-se o patamar de diferencial de juros, entre Brasil e EUA, com o Copom “mais agressivo”, se abre um “prêmio” para o investidor dos EUA aplicar na B3.

Ademais, o gestor avalia que questões políticas não devem ser problema, sobretudo com o “macro (no Brasil) jogando a favor” e múltiplos de lucro de empresas americanas bem “mais caros” em relação aos das companhias brasileiras.

“Quedas no mercado, muito provavelmente, são oportunidades de acumulação de ativos financeiros, que permanecem baratos, de empresas bem estabelecida e que devem se beneficiar no longo prazo”, finaliza Costa, sobre ações brasileiras.