Ibovespa se afasta das máximas e vai a 125 mil pontos, dólar salta a R$ 5,20: reação exagerada ou nova tendência do mercado?

Renascimento dos escândalos em Brasília e diferentes sinalizações da economia internacional provocam onda de volatilidade na renda variável
(Victoria Gnatiuk/Getty Images)

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SÃO PAULO – O Ibovespa chegou a superar os 130 mil pontos no começo de junho e o dólar chegou nos R$ 4,90 no final do mês passado com uma soma benigna de menor risco fiscal e sinal de que o aperto nas taxas de juros aqui seria mais rápido e de magnitude maior do que o promovido nos Estados Unidos. No entanto, esse cenário se reverteu nos últimos dias.

Desde sua máxima nos 130.776 pontos, atingida no dia 7 de junho, o principal índice acionário da B3 já recuou 4,34%, enquanto o dólar subiu 5,8% desde a mínima de R$ 4,9062 atingida em 24 de junho.

A pauta política havia sumido dos holofotes do mercado por algum tempo, mas no final de junho voltou a se tornar um fator preponderante para o desempenho do Ibovespa, somando-se ao cenário de maior cautela no exterior. O que começou a preocupar os investidores foi a entrega pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, do texto da reforma tributária, que taxa a distribuição de dividendos em 20%.

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Nos dias seguintes, as novas revelações da CPI da Pandemia e recentemente os áudios divulgados pelo UOL que denunciam uma suposta prática de “rachadinha” no gabinete de Jair Bolsonaro quando ele ainda era deputado federal, exacerbaram esse nervosismo com a política.

Além disso, o último pregão foi de um ambiente internacional mais conturbado após os principais índices internacionais atingirem máximas, também contribuindo para a queda, em meio a preocupações inflacionárias e com a variante delta da pandemia do novo coronavírus.

A análise da Aware Investments é que se o enredo da CPI da Covid já parecia desfavorável para o governo, o possível escândalo de corrupção na compra da vacina indiana Covaxin inflamou de forma exponencial as tensões políticas no final de junho.

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A acusação é de que a aquisição de 20 milhões de doses desse imunizante teria sido superfaturada em 1.000% no valor totalizado de R$ 1,6 bilhão. O preço que estava previsto em US$ 1,34 por dose, foi negociado em US$ 15 por vacina segundo registro de alguns documentos obtidos pela CPI.

Somado a isto, o contrato da Covaxin foi fechado sem a aprovação, enquanto à época, a CoronaVac teria sido recusada por não ter sido aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

As contradições envolvendo Jair Bolsonaro, por supostamente ignorar as denúncias anteriormente feitas ao esquema motivaram alguns senadores a denunciarem o presidente ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo crime de prevaricação.

Segundo Alison Correia, CEO da Top Gain, o mercado registrou um sell-off na sessão desta quarta-feira porque as denúncias de compra irregular da vacina Covaxin estão fazendo com que se fortaleça – embora continue bem distante de se concretizar – a tese de um impeachment do presidente Jair Bolsonaro, enquanto os vazamentos de áudios que implicam Bolsonaro no esquema de “rachadinha” minam ainda mais a sua imagem.

“O presidente se encontra no seu pior momento e seu maior concorrente por ora, é o ex-presidente Lula, que também não agrada em nada ao mercado”, avalia.

Uma pesquisa CNT/MDA, divulgada na segunda-feira, mostrou que Luiz Inácio Lula da Silva vence Bolsonaro nas simulações de primeiro e segundo turnos da eleição do ano que vem, indicando também uma forte rejeição ao atual presidente.

Esse quadro é visto como mais um fator de risco para os investidores, uma vez que a eleição de Lula poderia significar a reversão das políticas pró-mercado, como a agenda de reformas (ainda que algumas estejam gerando controvérsias, como a tributária) e de privatizações, como da Eletrobras (ELET3; ELET6).

Por outro lado, David Cohen, tesoureiro do Banco Bocom BBM, destacou à Bloomberg uma visão diferente sobre as eleições do próximo ano. Para ele, a surpresa que poderia acontecer até a disputa esquentar está mais para “positiva do que negativa”. No caso, seria o crescimento de alguma candidatura de centro, “o que ainda está muito fora do radar”.

Mas o cenário já dado e considerado “ruim” de Lula X Bolsonaro não é totalmente claro, diz Cohen. “Falta ver qual será a versão de um e de outro. Será o Lula da primeira eleição, talvez com agenda não tão radical e antimercado, ou será o Lula dos discursos mais recentes? Será o Bolsonaro com alguém como Guedes, mais firme nas discussões econômicas, ou com alguém mais submisso? Talvez a gente não consiga saber nem durante a campanha. Vai ter prêmio de risco em cima disso”, avalia.

Cohen vê possibilidade baixa de impeachment de Bolsonaro. “Ainda existe um grande apoio no governo a Bolsonaro; a popularidade dele, embora em baixa, não chegou a um nível que torne certo um impeachment. E geralmente um impeachment só anda quando os congressistas negociam um substituto forte de fato”, destacou.

Ao destacarem os recentes fatos novos, como a divulgação dos áudios que sugerem a implicação de Bolsonaro no esquema da “rachadinha”, os analistas da XP Política apontaram que essas notícias chegam em momento especialmente negativo para o governo, com perda de apoio popular, avanços das investigações pela CPI da Pandemia, denúncias de irregularidades envolvendo a compra de vacinas e manifestações populares, e tem “forte potencial de desgaste político”.

Mesmo que o caso não traga efeitos jurídicos no curto prazo, os especialistas afirmam que o potencial de corrosão sobre a imagem de Bolsonaro não pode ser desconsiderado. Para eles, os elementos podem favorecer a “desconstrução do discurso de um governo que sempre fez questão de se diferenciar dos demais, não pela eficiência na gestão, mas pela distância das práticas que foram sonoramente rejeitadas pelas urnas em 2018”.

Assim, há perda de condições do governo em conduzir uma agenda de interesse próprio no Poder Legislativo ‒ caso das reformas econômicas, que já enfrentam os obstáculos impostos por um calendário cada vez mais curto e com a antecipação da disputa eleitoral de 2022.

Com isso, para Gustavo Taborda, assessor de Investimentos na PHI Investimentos, o cenário que se desenha no curto prazo é de maior volatilidade para Bolsa com a indefinição de cenário.

Por outro lado, mesmo com esse cenário mais volátil, muitas casas de análise não mudaram as suas projeções para o Ibovespa. Jennie Li, estrategista da XP, destaca manter a projeção do Ibovespa a 145 mil pontos ao final do ano.

Ela vê que o maior fator de pressão para os mercados foi principalmente a proposta de reforma tributária do governo, que prevê a taxação de dividendos em 20% e o fim dos juros sobre o capital próprio.

Contudo, apontou que há muita negociação ainda para acontecer. “O governo veio com uma proposta com medidas mais radicais para ter espaço para negociação. Talvez tenhamos um projeto final mais brando. É difícil ver as medidas como estão sendo aprovadas. Todavia, no curto prazo, esse é certamente um dos motivos para a Bolsa cair”, ressalta.

Com relação aos ruídos políticos sobre as investigações, Jennie avalia que, apesar de eles diminuírem principalmente o apetite do investidor estrangeiro, mais sensível a esse noticiário, o investidor de longo prazo na Bolsa não deveria ser tão impactado.

“Na medida em que vamos chegando mais perto das eleições de 2022, com certeza os investidores colocam no radar medidas com vias a aumentar a popularidade. Porém, existe uma grande interrogação sobre como o governo vai tentar melhorar sua imagem até o ano que vem. Pode se tornar um cenário de maior volatilidade devido a pesquisa eleitoral. No momento, os investidores estão de olhos mais atentos a questões como a reforma tributária e a condução da política monetária para enfrentar a inflação”, avalia a estrategista da XP.

Entre os motivos para a projeção da casa para o Ibovespa ao final do ano, está o forte aumento nas expectativas de lucros das empresas do índice (veja mais clicando aqui).

Thomas Giuberti, sócio da Golden Investimentos, aponta que o Ibovespa passa por um ajuste de prêmio de risco, com o mercado ajustando assimetrias. Porém, ressalta que esse movimento já aconteceu outras vezes. Posteriormente, a tendência confirmada foi de alta passada o susto para o mercado.

Dólar deve ficar acima dos R$ 5?

O noticiário mais turbulento politicamente, gerando maior aversão ao risco do mercado e a baixa das commodities afetando a divisa brasileira na sessão também coincidiram com a visão de muitas casas de que o real já teria precificado as avaliações de alta de juros no Brasil, que tanto favoreceram o real nos últimos meses.

Na avaliação do Morgan Stanley, as posições favoráveis ao real parecem agora “esticadas” depois de meses de valorização da divisa brasileira, com os estrategistas passando assim a ter visão “neutra” para a taxa de câmbio. Esse entendimento levou ao fechamento de uma posição comprada em real contra outra moeda da América Latina, o peso mexicano.

Entre os motivos para a maior cautela com o real, os profissionais citaram leitura de que a barra para surpresas “hawkish” (de mais apostas de alta de juros por preocupação com inflação) por parte do Banco Central está alta, uma vez que a curva de juros embute aumento de 100 pontos-base da Selic na próxima reunião do Copom (3 e 4 de agosto), com taxa de 7,00% ao fim do ano. “Dessa forma, embora o ciclo de alta (de juros) em curso deva continuar a fornecer suporte para o real, achamos que o carregado posicionamento comprado e um dólar potencialmente mais forte (no mundo) podem desencadear alguma retração da moeda (brasileira) no curto prazo”, disseram estrategistas em relatório.

De forma geral, o Morgan Stanley mantém visão negativa para as moedas da América Latina; o real ainda é a moeda preferida pelo banco na região, mas com as ressalvas citadas. Numa análise mais ampla, os estrategistas seguem com avaliação pessimista para moedas emergentes, num contexto de dólar globalmente mais forte na esteira da mudança de tom do Federal Reserve (banco central dos EUA), de dados mais robustos nos EUA e de um posicionamento mais limitado na moeda.

“Ao mesmo tempo, os riscos da Covid-19 nos mercados emergentes permanecem altos, com a variante Delta circulando em meio a taxas de vacinação relativamente baixas. O impacto deste último fator fica claro nas crescentes restrições em mercados emergentes e na recente amenização nos dados de PMI [índice de gerente de compras]”, apontaram os estrategistas do Morgan Stanley.

O Goldman Sachs disse ter reduzido posições vendidas em dólar, à espera de uma maior clareza de cenário.

Por outro lado, Mário Mesquita, economista-chefe do Itaú, avalia que o mercado pode ter reagido com exagero ao risco político: ele considera que o valor justo do dólar está entre R$ 4,50 e R$ 5,00.

Durante participação em live promovida pelo Valor Econômico, Mesquita reforçou a visão do banco que aponta a um dólar em R$ 4,75 no fim deste ano, na expectativa de que alta de juros e o ciclo favorável das commodities prevaleçam sobre os “ruídos políticos”.

Mesquita ponderou, no entanto, que o câmbio deve voltar a ficar acima R$ 5,00 no ano que vem em razão da redução dos estímulos monetários nos Estados Unidos. A expectativa é de que o Federal Reserve diminua a injeção de liquidez via compra de títulos em 2022 e voltar a subir os juros entre o fim do ano que vem e início de 2023, conforme indicou na decisão do mês passado.

Por outro lado, cabe ressaltar ainda que, nesta terça-feira, foi divulgado um indicador do ISM para o setor de serviços dos EUA, que responde por cerca de dois terços da atividade econômica do país, mostrando crescimento moderado em junho e abaixo do ritmo recorde de maio.

Robin Brooks, economista-chefe do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês), disse que dados mais fracos nos EUA geraram temor sobre o ritmo de crescimento da economia global, o que pesou sobre ativos dos países emergentes.

Mas ele considera o temor uma “bobagem” e citou que o PIB norte-americano segue em expansão e que a política acomodatícia do Fed também prossegue. “A maior bobagem de todas é a queda acentuada do real. Nosso valor justo para a moeda continua em R$ 4,50 por dólar”, afirmou em comentário no Twitter. O real teve o pior desempenho global nesta sessão e encabeçou uma lista de perdas liderada sobretudo por moedas de commodities (assim como a nacional).

Crise hídrica no radar

Alison Correia, da Top Gain, também apontou um outro fator para a alta da divisa americana: a possibilidade de racionamento de energia mais forte no futuro devido à crise hídrica, ainda que a possibilidade seja baixa, justamente quando se esperava uma retomada da economia. “Isso faz os investidores se desfazerem de ações e se refugiarem no dólar”, aponta.

Já o economista-chefe do Itaú, ao tratar do risco de racionamento de energia no Brasil, avaliou que este é um debate frequente em ciclos de atividade aquecida por o sistema tarifário não funcionar, na avaliação dele, de forma ideal. “Os preços de energia devem subir estruturalmente no Brasil”, observou.

Para Taborda, da PHI Investimentos, a crise hídrica deve ser monitorada de perto pelos investidores, já que o fator “retomada econômica” é um dos grandes catalisadores para a alta recente do Ibovespa.

Em meio a tantas variáveis a serem consideradas, o grande evento de curto prazo a ser acompanhado de perto pelos investidores será a ata do Fomc (Federal Open Market Committee) na próxima quarta-feira, às 15h, que pode confirmar a indicação de um aperto lento da política monetária, conforme foi indicado na decisão de política monetária de junho. Por outro lado, o entendimento de que a política monetária acomodatícia do Fed vai continuar pode gerar uma reação positiva dos mercados.

(com informações da Reuters e Bloomberg)

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.