Ibovespa: o que o comunicado tirou a ata do Copom devolve? Por que o índice subiu 1,52% e recuperou os 100 mil pontos nesta terça

Mesmo com ata considerada dura, alguns analistas destacaram acenos ao BC, enquanto fala de Haddad sobre arcabouço fiscal impulsionou mais o mercado

Lara Rizério Vitor Azevedo

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Em poucos dias, o Ibovespa perdeu e retomou os 100 mil pontos. O índice deixou o patamar na quinta-feira (23) após a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), considerado “hawkish” (mais duro, reforçando uma política monetária mais restrita), suscitando também ruído político, com o governo pressionando por queda de juros. Já nesta terça (28), após uma abertura tímida do mercado, o Ibovespa começou a registrar ganhos e não superou apenas os 100 mil, como também os 101 mil pontos, descolando do dia “morno” em Wall Street e renovando máximas durante a tarde.

O índice fechou o pregão com ganhos de  1,52%, a 101.185 pontos, tendo avançado 1,89% na máxima, chegando aos 101.559 pontos. Tudo isso apesar da ata do Copom ser vista, ao contrário do documento da decisão de fevereiro, também como “hawkish”, em linha com o tom do comunicado após a decisão.

A ata, mesmo adotando um tom duro e destacando a importância da questão fiscal para as expectativas de inflação, também teve mais espaço para falar sobre o arcabouço fiscal. No documento, o Copom destacou que materialização de um cenário com um arcabouço sólido e crível pode levar a um processo desinflacionário mais benigno, mas manteve cautela sobre esse processo. Assim, o Banco Central mostrou tanto o comprometimento da autarquia com o controle da inflação quanto alguns acenos aos esforços do governo para melhorar a credibilidade fiscal do país.

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Em nota, a mesa de operações do Citi destacou a tentativa do BC em entregar um documento “hawkish” balanceado, mantendo os elementos do comunicado, mas tentando reduzir o ruído político e explicando também os possíveis impactos do crédito doméstico e global na política monetária.

Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, viu uma ata alinhada com o tom mais duro do comunicado da última quarta. Sanchez também dá destaque sobre a questão parafiscal no documento. “O BC pontuou os riscos sobre a importância de as taxas de juros de mercado manterem-se sensíveis à taxa básica. Avalio que se trata de um breve aceno a algumas ações no tocante ao juro de consignado do INSS e da participação de outros bancos, como BNDES, visando o subsídio no crédito, na contramão da restrição da Selic”, alerta.

O Bank of America (BofA) viu sinais tanto para quem busca uma leitura de comunicação mais suave (“dovish”) na Ata como para quem procura a os trechos mais duros (“hawkish).

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No primeiro caso, o BC destacou que os dados de atividade, crédito e mercado de trabalho seguem desacelerando. Do lado “hawkish”, o aumento das expectativas de inflação de longo prazo foi o principal foco do comitê, que debateu inclusive possíveis mudanças no regime de metas de inflação e seu impacto no processo desinflacionário. “A diretoria avaliou a possibilidade de aumentar sua estimativa de taxa de juros neutra, em meio a expectativas de longo prazo mais altas, mas optou por mantê-la em 4%”, lembra o BofA em relatório.

Na visão do estrategista e sócio na Laic Asset Management, Vitor Carvalho, o BC tentou mostrar ao mercado que não se pauta pelo fiscal exclusivamente, mas que isso tem sim peso na formação de taxa de juro neutra que acaba condicionando o patamar da Selic. “Achei a ata bem ‘hawkish'”, afirmou à Reuters.

Além da ata do Copom “mais explicativa”, ainda que mantendo o tom hawkish, a expectativa pelo arcabouço fiscal, citado como um grande fator para devolver a confiança no mercado, impulsiona o sentimento positivo entre os investidores.

Já havia a expectativa de que o governo apresentasse as novas regras fiscais nesta semana, depois do cancelamento da viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China no fim de semana.

No começo da tarde, esta indicação ganhou força. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que irá discutir na quarta-feira com o ministro da Casa Civil, Rui Costa, o novo acarbouço fiscal, em uma reunião que será “conclusiva”.

O ministro pontuou que a lei que estabelece o arcabouço tem como prazo para encaminhamento o dia 15 de abril, já que ela tem que estar compatível com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). “Mas isso não nos impede de já dizer qual vai ser a nova regra do novo arcabouço fiscal”, afirmou.

Haddad fez também comentários sobre a ata do Copom. Ele disse que o documento está em linha com o comunicado da semana passada. Mas, ao mesmo tempo, afirmou que a ata veio com termos mais condizentes com as perspectivas futuras de harmonização entre as políticas fiscal e monetária.

O ministro também afirmou que o BC também precisa “ajudar” e que a economia é um organismo de dois braços (o fiscal e o monetário). “Acredito que (a ata do Copom) está em linha com o comunicado. Mas, da mesma forma que aconteceu no Copom anterior, a ata, com mais tempo de preparação, veio com termos, eu diria, mais condizentes com as perspectivas futuras de harmonização da política fiscal com a política monetária, que é o nosso desejo desde sempre”, disse.

“O externo está um pouco melhor, parece que houve um estancamento da desconfiança no momento da crise no setor bancário. Já a fala do Haddad sobre a reunião conclusiva de amanhã sobre o arcabouço antecipa o anúncio das regras fiscais, lembrando que o mercado estava vendo a decisão só para depois da viagem para a China, lá para a metade do mês de abril, então podemos ter novidades em breve”, afirma Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, destacando que o impasse fiscal tem sido o entrave também para o mercado de crédito (novas emissões e juros a longo prazo).

A curva de juros brasileira fechou com tendência mista. As taxas dos DIs para 2024 e 2025 ganharam, respectivamente, 10,5 e 12 pontos, a 13,15% e 11,99%. As dos contratos para 2027 foram a 12,15%, com mais um ponto. Os DIs para 2029 e 2031 perderam, na sequência, quatro e seis pontos, a 12,61% e 12,90%.

Soma-se a isso a alta das commodities que também impulsionam o Ibovespa, já que as ações de empresas do setor correspondem a maior fatia do índice. O contrato futuro do brent com vencimento em maio teve mais um dia de ganhos, de cerca de 1%, perto dos US$ 79 o barril, seguindo o noticiário sobre a suspensão do Iraque de algumas exportações de petróleo de sua região semi-autônoma do Curdistão.

Já os contratos futuros de minério de ferro estenderam sua trajetória de recuperação e subiram 1,8%, a US$ 128, na Bolsa de Dalian, com a diminuição das preocupações com o setor bancário elevando os preços de referência do aço em Xangai, embora o temor persistente com as perspectivas de demanda na China, maior produtora mundial de aço, tenha limitado os ganhos. Com isso, ações da Vale (VALE3) e Petrobras (PETR4) subiaram cerca de 1%, também ajudando a impulsionar o índice.

Para os próximos pregões, a persistência da tendência de alta vai depender do que for efetivamente divulgado pelo governo.

“Vamos acompanhar a divulgação de fato do arcabouço e como o mercado vai receber, se de fato vai trazer elementos que preservem as contas públicas e a responsabilidade fiscal, além de dar indícios de maior previsibilidade, podendo antecipar sinalização para queda dos juros”,  destacou Acilio Marinello, coordenador do MBA Executivo em Digital Finance da Trevisan Escola de Negócios.

Marco Monteiro, analista da CM Capital, também avalia que o Ibovespa pode acelerar um movimento altista caso o mercado veja com bons olhos o arcabouço fiscal.

Nos Estados Unidos, Dow Jones, S&P 500 e Nasdaq recuaram, respectivamente, 0,12%, 0,16% e 0,45%.

“Bolsas lá fora abriram fracas, com investidores cautelosos com os cenários de juros e de atividade, querendo entender se os bancos centrais irão subir ou não as taxas nas próximas reuniões”, diz Fernando Bresciani, analista de investimentos do Andbank.

Hoje, nos Estados Unidos, alguns índices macroeconômicos ajudaram a reforçar a tese de que, talvez, o Fed tenha novamente de aumentar os juros – caso dos preços de imóveis de janeiros, por exemplo, que avançaram 0,2% ante consenso de queda de 0,2%, e da confiança do consumidor medida pela Conference Board, com leitura de 104,2 em março, ante 101 esperado.

Os treasuries yields para dois anos ganharam 8,7 pontos-base, a 4,052%, e os para dez anos, 2,5 pontos, a 3,553%.

O dólar, porém, perdeu força mundialmente. O DXY, que mede a força da moeda americana frente a outras divisas de países desenvolvidos, recuou 0,44%, aos 102.41 pontos. Frente ao real, a queda foi de 0,80%, com o dólar a R$ 5,164 na compra e a R$ 5,165 na venda.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.