Ata do Copom diz que materialização de um novo arcabouço fiscal sólido e crível pode levar à desinflação

Episódios com bancos dos EUA e Europa trouxeram instabilidade; Copom diz que medidas parafiscais podem reduzir eficácia da política monetária

Roberto de Lira

Logo do Banco Central na fachada da sede (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Publicidade

O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) enfatizou na ata da sua última reunião – encerrada em 22 de março e que decidiu pela manutenção da taxa de juros em 13,75% –  que não há relação mecânica entre a convergência de inflação e a apresentação pelo governo federal de uma proposta de novo arcabouço fiscal.

No entanto, segundo o Copom, a materialização de um cenário com um arcabouço sólido e crível pode levar a um processo desinflacionário mais benigno e isso se dará por meio de seu efeito nas expectativas de inflação, que, quando recuam, reduzem a incerteza na economia e o prêmio de risco associado aos ativos domésticos.

Na última quarta-feira, quando o Comitê discutiu os impactos do cenário fiscal sobre a inflação, a avaliação da diretora do BC foi que o efeito líquido da condução da política fiscal sobre a inflação é muito dependente das condições macroeconômicas e financeiras vigentes.

Continua depois da publicidade

“O Comitê avalia que o compromisso com a execução do pacote fiscal demonstrado pelo Ministério da Fazenda, e já identificado nas estatísticas fiscais e na reoneração dos combustíveis, atenua os estímulos fiscais sobre a demanda, reduzindo o risco de alta sobre a inflação no curto prazo.

Cenário externo e interno

A Ata do Copom comenta ainda que a deterioração do cenário externo, com os episódio recentes com bancos dos Estados Unidos e Europa e a consequente instabilidade nos mercado financeiros, tem levado a uma sinalização majoritária entre as autoridades monetárias de que ainda será necessário um período prolongado de juros elevados para combater as pressões inflacionárias.

O documento diz ainda que isso requer maior cautela na condução das políticas econômicas também por parte de países emergentes.

Continua depois da publicidade

No cenário interno, foi citada uma deterioração adicional das expectativas de inflação na pesquisa Focus, especialmente em prazos mais longos.

“Ao avaliar os fatores que poderiam levar à materialização de cenário alternativo caracterizado por uma taxa de juros neutra mais elevada, enfatizou-se a possível adoção de políticas parafiscais expansionistas, que têm o potencial de elevar a taxa neutra e diminuir a potência da política monetária, como já observado em comunicações anteriores do Comitê.

O Comitê ressaltou-se que o comportamento das expectativas é um aspecto fundamental do processo inflacionário, uma vez que afeta a definição de preços e salários presentes e futuros.

Publicidade

“À medida que se projeta inflação mais alta à frente, empresas e trabalhadores passam a incorporar tal inflação futura em seus reajustes de preços e salários. Assim, há uma maior elevação de preços no período corrente, e o processo inflacionário é alimentado por essas expectativas”, diz a Ata.

Também foi ressaltado que a ancoragem de expectativas é um elemento essencial para a estabilidade de preços

Inflação

A avaliação do diretores do BC é que a inflação ao consumidor continua elevada e que os componentes mais sensíveis ao ciclo econômico e à política monetária, que apresentam maior inércia inflacionária, mantêm-se acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta para a inflação.

Continua depois da publicidade

“As expectativas de inflação para 2023 e 2024 apuradas pela pesquisa Focus elevaram-se e encontram-se em torno de 6,0% e 4,1%, respectivamente”, comenta a Ata do Copom.

No cenário de referência do BC, as projeções de inflação situam-se em 5,8% para 2023 e 3,6% para 2024. Mas as projeções para a inflação de preços administrados são de 10,2% para 2023 e 5,3% para 2024.

“O Comitê optou novamente por dar ênfase ao horizonte de seis trimestres à frente. Nesse horizonte, referente ao terceiro trimestre de 2024, a projeção de inflação acumulada em doze meses situa-se em 3,8%. O Comitê julga que a incerteza em torno das suas premissas e projeções atualmente é maior do que o usual”, diz o documento.

Publicidade

O Comitê analisou mais uma vez um cenário alternativo com juros estáveis ao longo de todo esse horizonte relevante. Em tal cenário, as projeções de inflação situam-se em 5,7% para 2023, 3,3% para o terceiro trimestre de 2024 e 3,0% para 2024.

Com relação à inflação de serviços e aos núcleos de inflação, o Copom observou maior resiliência e menor velocidade da desinflação nas últimas divulgações, em linha com o processo não linear que o Comitê já havia antecipado.

Além disso, a Ata destaca que as expectativas de inflação seguiram um processo de desancoragem, em parte relacionado ao questionamento sobre uma possível alteração das metas de inflação futuras. “O Comitê avalia que a credibilidade das metas perseguidas é um ingrediente fundamental do regime de metas de inflação e contribui para o bom funcionamento do canal de expectativas, tornando a desinflação mais veloz e menos custosa.”, alerta o documento.

“Nesse sentido, decisões que induzam uma reancoragem das expectativas reduziriam o custo desinflacionário e as incertezas associados a esse processo.”

Cenário global e crise nos bancos

Ao analisar os impactos externos na expectativas de inflação no Brasil, a Ata do Copom comenta que o processo de desinflação global, especialmente no que se refere aos indicadores de inflação subjacente, é desafiador e possivelmente ocorrerá de forma mais lenta do que usualmente observado, na medida em que a inflação está disseminada no segmento de serviços.

“Nesse contexto, a redução das pressões inflacionárias continua a requerer o compromisso e a determinação dos bancos centrais com o controle da inflação, através de um aperto de condições financeiras mais prolongado.”

Para o BC, tal determinação, ainda que com possível impacto sobre preços de ativos no curto prazo, contribui para um processo desinflacionário global mais crível e duradouro.

A Ata também cita que, desde a reunião do Copom de fevereiro, houve a liquidação de alguns bancos regionais nos Estados Unidos e a fusão de dois bancos suíços de grande porte, com aumento das preocupações em torno do sistema bancário nas economias centrais.

“O Comitê seguirá acompanhando de forma atenta essa situação, analisando os possíveis canais de contágio, mas avalia que o impacto direto sobre os sistemas financeiros doméstico e de outros países emergentes é, até o momento, limitado, sem mudanças na estabilidade ou na eficiência desses sistemas financeiros.”

Segundo o documento, alguns membros do Comitê enfatizaram que não veem um dilema na condução da política monetária entre seu objetivo de controle da inflação e o objetivo de estabilidade financeira. “O Comitê ressaltou a separação de instrumentos entre os dois objetivos.”

Situação do crédito

Sobre a mudança de cenário no Brasil desde a último reunião, o Copom comentou que observou-se aperto adicional nas condições para concessão de crédito em algumas modalidades.

“Alguns membros avaliam que tal movimento está em linha com o esperado, considerando a elevação de juros empreendida até meados do segundo semestre de 2022. Para tais membros, deve-se esperar ainda um aumento da inadimplência e uma desaceleração na concessão do crédito, mas em linha com o que se observou em ciclos anteriores de aperto de política monetária.”

Em contraste, outros membros avaliam que, no período mais recente, o aperto nas concessões de crédito foi mais intenso do que o esperado, mas focalizado em alguns mercados específicos.

“O Comitê avalia que o Banco Central possui os instrumentos de liquidez apropriados e necessários, ligados à política macroprudencial, para endereçar fricções relevantes localizadas no sistema, caso ocorram. Ademais, reforçou que a política monetária é mais apropriada para atuar de forma contracíclica sobre a demanda agregada.”