Gol dissolve comitê independente da Smiles e gestor faz novo alerta sobre governança corporativa da aérea

James Gulbrandsen, da NCH Capital, baniu investimento em ações da Gol dos fundos da gestora após a medida anunciada nesta semana

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Na última segunda-feira (18), a Gol (GOLL4) enviou correspondência à sua controlada, a administradora do programa de fidelidade Smiles (SMLS3). No documento, divulgado ao mercado, a aérea cobra início imediato dos preparativos para a convocação de assembleias gerais para decidir sobre reorganização societária das companhias, com a reunião da empresa de programas de fidelidade de clientes ocorrendo até 17 de março.

A companhia aérea argumentou posteriormente que o cronograma original previa a realização das assembleias na segunda-feira, mas que não foi cumprido em razão da não conclusão da análise sobre a restruturação pelo comitê independente da Smiles. Segundo a Gol, a demora adicional na convocação da assembleia poderia representar um atraso de mais de três meses no cronograma inicial. Em dezembro do ano passado, a Gol estimou a conclusão da incorporação da Smiles para abril deste ano.

O pedido, na prática, implicou em dissolver o comitê independente criado pela Smiles para avaliar os termos da operação.

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O comitê da controlada da Gol tinha sido criado em 10 de dezembro e formado por: Rogério Rodrigues Bimbi, conselheiro independente; pelo conselheiro independente suplente Edmar Prado Lopes Neto; Rômulo de Mello Dias, escolhido por Lopes Neto e Bimbi como membro independente do comitê.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) recomenda como boa prática que, em caso de reorganizações societárias, um comitê independente seja formado para olhar se as condições oferecidas pelo controlador para a controlada na operação são adequadas. Caso veja que as condições não são adequadas, eventualmente renegocie os termos da operação.

No documento, a Gol agradeceu e reconheceu os esforços do comitê independente mas, em sua justificativa, apontou que o comitê e seus assessores ainda estão realizando a análise financeira das condições constantes da proposta e, portanto, o processo de negociação ainda não foi efetivamente iniciado. Com isso, o cronograma fixado para a operação não estava sendo observado. A Gol disse ainda que vai ressarcir a Smiles pelos custos incorridos com o comitê e seus assessores até aqui.

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Os analistas do Bradesco BBI apontam que a Gol está pedindo para a Smiles que convoque uma Assembleia Geral Extraordinária com base em sua proposta atual para economizar tempo e que, nesse período, os assessores jurídicos e financeiros terão a oportunidade de concluir as negociações e, se necessário, atualizar a proposta de deslistagem da Smiles. Com isso, eles mantiveram recomendação outperform (desempenho acima da média do mercado) para Gol e neutra para Smiles, sem fazer muitas considerações sobre o pedido.

A notícia não chamou tanto a atenção do mercado e as ações da Smiles fecharam próximas à estabilidade no dia do anúncio, mas há quem veja negativamente esse anúncio em termos de governança corporativa, ainda mais levando em conta o histórico entre as duas companhias. Em meados de 2020, o anúncio de que a Smiles tinha fechado acordo com a Gol  para a compra antecipada de R$ 1,2 bilhão em passagens aéreas já havia acirrado a disputa entre os acionistas da empresa de programa de fidelidade. Os minoritários, inclusive, estudavam abrir uma ação de responsabilidade contra os conselheiros que aprovaram essa operação. Eles já estavam insatisfeitos com o controlador da empresa – que detém 52% de participação na Smiles – desde o início da pandemia.

Para James Gulbrandsen, fundador e gestor da NCH Capital, as questões sobre a interferência da Gol na Smiles começaram bem antes disso. Mas, agora, com a decisão da Gol de dissolver o comitê independente da Smiles, ele afirmou que baniu a ação da empresa de seus fundos quantitativos.

Os fundos quantitativos operam automatizados e dependem menos da interação humana (veja mais sobre a estratégia da NCH Capital clicando aqui e aqui), usando dados e algoritmos para escolher uma carteira de ações. Assim, com a decisão sobre a Gol, mesmo que a análise de dados sobre a aérea aponte uma oportunidade de investimento no papel, a compra será barrada, aponta. Isso por conta do que o gestor alega como uma quebra de confiança da Gol com os acionistas.

Gulbrandsen ressalta que investiu no papel da Smiles na abertura de capital (IPO, na sigla em inglês) em abril de 2013 e destaca que a controladora sempre fez questão de passar conforto sobre o acordo de acionistas e sobre a governança da controlada.

Mas, em outubro de 2018, tudo mudou, após o comunicado da Gol de que ela não pretendia renovar o contrato operacional nem o contrato de prestação de serviços de backoffice com a Smiles, com vencimento em 2032. Na ocasião, ela também anunciou a reorganização societária para que a Smiles voltasse a ser uma unidade de negócio da Gol – o que vem tentando fazer sem sucesso até o momento. No dia após o anúncio, mais precisamente em 15 de outubro de 2018, os papéis da Smiles fecharam em queda de 38,49%, a R$ 31,88 (veja mais clicando aqui).

Na ocasião, havia muitas incertezas não somente por conta da rescisão do contrato, mas também pelos termos da incorporação. Além do que, ainda causou desconforto as declarações do diretor financeiro da Gol na época de que o mercado estava supervalorizando as ações da Smiles, o que acentuou a queda do papel naquele pregão de outubro de 2018. Muitos analistas viram a fala como um modo de jogar as ações para baixo e conseguir um valor mais vantajoso para a incorporação.

Desde então, a Gol tem feito diversas tentativas para incorporar a Smiles.  Em junho de 2019, a primeira proposta fracassou após negociação, sem que houvesse acordo com o comitê independente. Nova tentativa foi feita em dezembro daquele ano, mas desta vez informou que não haveria negociação de preço e que ela seria submetida diretamente aos minoritários, sem que um comitê fosse constituído. A assembleia, em primeira convocação em fevereiro de 2020, não foi instalada. Posteriormente, com a pandemia, a Gol acabou retirando a proposta, reapresentando em dezembro passado com novos termos (veja mais clicando aqui).

A Gol destaca que a Smiles é a única de seu ramo com capital aberto no mundo e também a única companhia de milhagem das América com operação independente da empresa aérea que a controla. Após a recente reintegração do Life Miles pela Avianca, a negociação da compra do Club Premier pela Aeromexico, a compra da Aeroplan pela Air Canada e a compra da Multiplus pela Latam, a Smiles se tornou também o único programa de milhagem nas Américas separado de sua respectiva companhia aérea patrocinadora.

Na ocasião da última proposta, o Morgan Stanley havia destacado que a transação estava sujeita à aprovação dos acionistas minoritários da Smiles e não havia certeza de que seria aceita, uma vez que o preço de incorporação implícito era significativamente abaixo do que a anunciada em dezembro de 2019. A última proposta abarcava três possibilidades: i) 0,825 ação PN da Gol por cada ação ON da Smiles ou ii) R$ 22,32 em dinheiro por cada ação ordinária da Smiles ou ainda iii) uma combinação de ações preferenciais da Gol e de dinheiro, mediante a consideração a ser dada em contrapartida a cada uma de suas respectivas ações da Smiles.

Em meio aos imbróglios e a dissolução do comitê independente, Gulbrandsen espera que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) analise o caso, principalmente sobre os acontecimentos de 2018, em que muitos investidores foram impactados em meio à queda abrupta da ação da Smiles.

Com relação ao comunicado desta semana, o gestor aponta que as justificativas da Gol para dissolver o comitê não são plausíveis e analisa até mesmo a possibilidade de entrar com uma ação contra a empresa e os envolvidos.

Sobre as ações de companhias aéreas, Gulbransen avalia ser cético com o setor, mas aponta que a expectativa é mais positiva para 2021 com o cenário de recuperação econômica e retorno das operações, tornando o cenário menos nebuloso do que o que ocorreu em boa parte de 2020, quando as empresas foram bastante impactadas em um ambiente de pandemia.

Mas ele aponta: “Se eu tivesse que comprar uma ação de aérea, só compraria a Azul, tem uma gestão e uma governança corporativa boas, não a da Gol”.

Procurada pelo InfoMoney, a Gol afirmou que não vai comentar o caso.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.