STF dará mais poder de voto ao governo na Eletrobras (ELET3)? As implicações do pedido da AGU ao Supremo, segundo analistas

Analistas veem processo de privatização da Eletrobras bem fundamentado, mas apontam que ofensiva do governo devem afetar setor

Lara Rizério

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Em 5 de maio, após diversos discursos do governo, a Advocacia Geral da União (AGU) enviou uma ADI (ação direta de inconstitucionalidade) ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a concessão à União de poder de voto na Eletrobras (ELET3;ELET6) proporcional ao sua participação na empresa (atualmente cerca de 42,5% das ações ON, incluindo participação indireta).

A ADI foi assinada também por Lula; a AGU questiona o atual estatuto da Eletrobras no que diz respeito às cláusulas de direito de voto, que limita o poder de voto para 10% independentemente da participação na empresa (uma exigência de seu processo de privatização).

Se aceito, aponta o Credit Suisse, pode ter efeitos imediatos. O governo argumenta que tal limitação pode impactar negativamente o governo e o interesse público (limitando especificamente os direitos totais de voto do governo mais do que qualquer outro acionista) e que foi implementada sem medidas compensatórias.

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Quais são as implicações?

Conforme destaca o Credit Suisse, destacando a lei nº 6.404/76 (Lei das SA), nenhum dos direitos ou cláusulas estatutárias que protegem os acionistas podem ser alterados sem processo adequado de votação em Assembleia de Acionistas.

Além disso, tal processo poderia afetar outras companhias abertas e não apenas a Eletrobras com maior percepção de risco. No entanto, no STF, é provável que o ministro que já está analisando outras ações contra a privatização da Eletrobras (Kassio Nunes Marques, nomeado para o Supremo pelo governo anterior, de Jair Bolsonaro) vá pedir para também atrelar esse potencial novo processo aos que ele já está analisando, conforme destacou o jornal Valor Econômico.

“Acreditamos que a disputa judicial não é boa para o setor, nem para o mercado, pois aumenta a percepção de interferência na legislação e nos estatutos das empresas por um assunto que deve ser abordado por meio de um processo de votação adequado e não unilateralmente”, avaliam os analistas.

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Ainda assim, destacam que a privatização da Eletrobras, incluindo a mudança estatutária, foi amplamente discutida por interessados e aprovada pelo Congresso, Tribunal de Contas da União (TCU) e o antigo governo federal, bem como gerou uma entrada de caixa de mais de R$ 30 bilhões (ao longo de 10 anos) para a conta da CDE (de forma a ajudar a compensar aumentos tarifários para clientes finais, sendo R$ 5 bilhões já em 2022) e fundos especiais regionais (para permitir investimentos na região onde suas principais bacias estão localizadas)”, aponta.

O Credit tem recomendação outperform (desempenho acima da média do mercado, equivalente à compra) para a ação ELET6, com preço-alvo de R$ 54, ou potencial de alta de 45% em relação ao fechamento de sexta-feira (5).

Os analistas do Citi acreditam que o Supremo Tribunal Federal não vá concordar com a denúncia do governo federal, mas lembra que esse debate pode ganhar força nos próximos meses, afetando as ações da ex-estatal.

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Já os analistas do Bradesco BBI apontam alguns fatores importantes sobre o processo:

1) Os estudos de privatização da Eletrobras começaram há dois governos (com Michel Temer e depois Jair Bolsonaro), com a efetiva privatização – via aumento de capital que diluiu o controle do governo e transformou a ELET em uma corporação – ocorrendo sob o governo federal anterior em junho de 2022.

2) As regras/proposta no “pacote” para privatizar a companhia foram escrutinadas/sancionadas pelo TCU e votadas pelo
Congresso Nacional.

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“Os pontos 1-2 nos dizem que, em essência, os representantes eleitos trabalharam e votaram para privatizar a Eletrobras em condições consideradas justas por um amplo espectro de técnicos e políticos”, aponta.

3) Investidores locais e internacionais que participaram da oferta de capitalização da Eletrobras, governo federal do Brasil, entre outros, concordaram em limitar os direitos de voto de qualquer detentor de ações ELET3 (incluindo o próprio governo) a um máximo de 10%, independentemente da participação detida. “Esta foi uma importante pedra angular do acordo, e foi esculpida em uma lei que foi votada pelo Congresso”, apontam.

4) Vale ressaltar que, de acordo com a Lei 6.404 de 1976, qualquer empresa pode incluir limites ao direito de voto em seu estatuto social (abaixo da participação efetivamente detida pelos acionistas).

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5) Os investidores concordaram em injetar R$ 26 bilhões na Eletrobras, com o dinheiro usado para pagar imediatamente o
governo federal pelo direito de firmar novos contratos de concessão para diversas usinas hidrelétricas da Eletrobras.

6) Os investidores que se tornaram acionistas na privatização também concordaram em pagar à empresa: (i) R$ 5,6 bilhões (em Valor Presente Líquido, ou VPL) em fundos setoriais para as regiões Norte, Nordeste e Sudeste do Brasil (pagos em 10 anos), e (ii) outros cerca de R$ 30 bilhões (no VPL) em contribuições ao fundo setorial da CDE, para ajudar a mitigar o aumento das tarifas de energia elétrica (pagas em 25 anos).

“Existe um velho ditado entre os investidores: ‘Dê-me as regras e eu dou-lhe o dinheiro'”, destaca o BBI sobre o tema. “O Brasil é conhecido no cenário político e empresarial internacional como um país que respeita contratos. Enquanto nos falta
conhecimento jurídico para comentar aspectos específicos da petição do governo ao STF, sabemos que historicamente preservar a confiança do mercado tem geralmente levado a um menor custo de capital, ajudando assim a atrair
investimentos. A nosso ver, é importante ter isso em mente quando o STF decidir sobre o retrocesso relacionado a qualquer
aspectos da privatização da Eletrobras”, afirmam os analistas.

Sobre uma eventual justiça  ou injustiça  da indenização que foi recebida pelo governo, vários pontos seriam necessários
a ser considerados, afirmam os analistas. Por exemplo, para calcular o título de concessão pago pela Eletrobras com os recursos captados pelos investidores, o governo usou preços de eletricidade muito mais altos do que os dados de mercado indicavam. Naquela época, enquanto os investidores sabiam que isso não estava bem calibrado (empurrando o valor para cima), eles ainda acharam que valia a pena participar da capitalização/privatização.

“Revisitar os direcionadores de valor que levaram ao preço das ações na privatização será ineficiente e pode até ser um ‘tiro que sairá pela culatra’ (por exemplo, os preços da eletricidade entre 2022-2025 estão agora em menos de R$ 100/MWh, ou megawatt-hora, enquanto o governo gastava usava um valor maior de R$ 150/MWh) …”, apontam.

Na visão dos analistas, na privatização, o processo de bookbuilding resolveu o problema perfeitamente, com todos os riscos/benefícios precificados por meio de um processo competitivo que maximizou o resultado para o governo.

“Em relação ao tempo para o STF decidir, acreditamos que o processo possa demorar muito. Dada a sensibilidade
da questão, não acreditamos que uma liminar será concedida. Em algum momento no futuro, o problema provavelmente
eventualmente será levado para votação no plenário do STF. Em nossa opinião, então as regras de privatização serão
preservadas”, avaliam. Nesse sentido, apontam que seria ótimo se o STF pudesse acelerar o processo de votação (improvável), pois isso enterraria esse risco de uma vez por todas.

O BBI tem recomendação outperform para os ativos ELET6, com preço-alvo de R$ 71, ou potencial de valorização de 90% frente o fechamento de sexta.

A Genial Investimentos também destacou seguir com a recomendação de compra para as ações da Eletrobras. A equipe de análise tem preço-alvo de R$ 52 para os ativos ELET3, ou um potencial de alta de 53%.

Essencialmente, os analistas da casa acham improvável a aceitação dos termos propostos pela Advocacia Geral da União pelo Supremo Tribunal Federal tendo em vista todo o processo que a própria aprovação da privatização da empresa atravessou (aprovação do Congresso, Senado, Tribunal de Contas da União e ausência de questões referentes a constitucionalidade da lei por parte do STF a menos de 1 ano atrás) e de toda a onda de judicialização que a quebra nos termos originais do processo vai acarretar – vale lembrar que mais de 300,000 brasileiros possuem recursos do seu FGTS alocados no fundo de privatização da empresa.

“Uma mudança em uma jurisprudência bem conhecida soaria muito mal a todos os nomes envolvidos. Tal notícia seria negativa o suficiente para muito além da Eletrobras e seus acionistas, principalmente em um momento em que se existe um grande esforço para reduzir juros e acelerar o crescimento econômico. E uma quebra de contrato e praticamente uma reestatização não ajudariam nesse cenário”, afirmam.

Ao olhar para os atuais níveis de preço, ELET3 negocia a 0,6 vez o preço sobre o valor patrimonial por ação (P/VPA), destacam. “Ou seja, mesmo que o cenário mais pessimista venha a se materializar, achamos que o preço das ações já não teriam muito espaço para novas quedas a medida que achamos que ela já negocia a múltiplos similares a uma estatal”, avaliam os analistas.

Nesta segunda-feira, em comunicado sobre a ADI, a Eletrobras afirmou que avaliará medidas que eventualmente devam ser adotadas visando a manutenção de ambiente confiável para realização de seus investimentos e a segurança jurídica de acionistas e mercado em geral.

Em fato relevante, a Eletrobras afirmou que o governo recuperar preponderância nas deliberações de acionistas “contraria as premissas legais e econômicas que embasaram as decisões de investimento do mercado — inclusive os milhares de trabalhadores titulares de contas do FGTS -, a partir de modelagem desenvolvida pela própria União”.

A companhia afirmou ainda que o processo de privatização seguiu “fielmente todo o trâmite legalmente previsto” e lembrou que já existem outras 4 ações de inconstitucionalidade relacionadas ao tema, sem que tenha havido concessão de decisão liminar que impactasse a consumação da privatização.

Cabe ressaltar que, no sábado, Lula indicou que pretende apresentar novos questionamentos sobre a privatização da Eletrobras, após a Advocacia-Geral da União (AGU) ter entrado na véspera com ação para elevar o poder da União na companhia elétrica.

“Eu não entrei contra a privatização da Eletrobras, eu ainda pretendo entrar”, afirmou Lula ao ser questionado sobre o tema durante coletiva de imprensa em Londres, após ter participado da cerimônia de coroação do Rei Charles.

Ao comentar sobre a ação da AGU, o presidente voltou a criticar o fato de que a União tenha que submeter à regra que impede os acionistas de deter poder de voto superior a 10% na elétrica, além da cláusula de “poison pill” no estatuto da companhia que dificulta uma recompra de ações da Eletrobras por parte do governo.

(com Reuters)

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.