Efeito “Lula solto” para os mercados: só um susto passageiro ou um fator de risco que veio para ficar?

Gestores e analistas veem maior "risco Lula" no cenário político e no ambiente de reformas caso a economia não consiga ganhar força

Lara Rizério Ricardo Bomfim

(Gibran Mendes / CUT Paraná)

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SÃO PAULO – Apesar de ser um evento já esperado por conta da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de barrar a prisão em segunda instância, a libertação de Lula na última sexta-feira, em um horário que coincidiu com a reta final do pregão, fez com que o Ibovespa acelerasse fortemente as perdas e fechasse em queda de 1,78%.

Enquanto isso, o dólar acelerou os ganhos e superou os R$ 4,17, com o real tendo o pior desempenho entre os emergentes na semana passada, também influenciado pela quase ausência de investidores estrangeiros nos leilões do pré-sal.

Assim, contrariando a avaliação de muitos de que o impacto seria praticamente nulo, já que era amplamente antecipado, o movimento de aversão ao risco na última sessão mostrou o contrário.

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Os investidores reduziram a sua exposição no Brasil em uma semana já bastante negativa para os ativos, uma vez que a leitura era de uma maior força da esquerda no cenário político nacional com Lula voltando a ganhar destaque na oposição. Mas esse movimento foi apenas algo pontual ou o ambiente de tensão deve seguir rondando os mercados?

Num primeiro momento, conforme destaca David Cohen, gestor da Paineiras Investimentos, a aversão ao risco dos investidores ocorreu pela forma em que foi conduzida a soltura de Lula (depois de uma decisão bem dividida do STF, por 6 votos a 5 para a derrubada da prisão em segunda instância), gerando aos olhos do investidor uma sensação de insegurança jurídica.

Na mesma linha, a Rico Investimentos aponta em relatório que a decisão como a do STF não traz boas lembranças ao investidor, principalmente o estrangeiro, que pode cobrar razões mais concretas para embarcar no Brasil.

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Passado o susto inicial, ainda não está claro qual é o impacto da libertação do petista em um ambiente de alta polarização política. Isso porque as eleições presidenciais ainda estão longe de acontecer e Lula não poderia concorrer pois está enquadrado na Lei da Ficha Limpa, que impede que condenados em segunda instância participem dos pleitos. Há ainda a avaliação de que o discurso mais combativo do ex-presidente poderia aumentar a força do atual presidente, Jair Bolsonaro, enquanto diminuiria o centro. Isso porque Bolsonaro poderia usar o fato de Lula estar solto para (re)conquistar o apoio de muitos brasileiros descontentes com o seu governo, mas que rejeitam o petista.

Com isso, os investidores devem seguir monitorando quais os passos que Lula e Bolsonaro devem seguir. O impacto no mercado pode não ser imediato, mas há fatores que estão sendo vistos de perto e que podem influenciar os ativos em um prazo mais longo.

Um primeiro fator que os investidores devem monitorar já foi apresentado nos dois discursos após sair da prisão: qual será a estratégia do ex-presidente para formar uma oposição mais forte ao governo Bolsonaro.

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Conforme destaca a análise da XP Política, as falas do ex-presidente deram contornos aos dois “inimigos” principais com os quais ele pretende lidar em sua caravana pelo País.

O primeiro é a conhecida narrativa da perseguição política de Sergio Moro e Jair Bolsonaro – que agora teve a adição das críticas aos “milicianos”, como ele passou a se referir ao governo, já levando à explorada polarização. Em segundo lugar, o inimigo é a política econômica adotada por Paulo Guedes, classificado pela esquerda como um “destruidor de sonhos”, abordgaem está que o PT já teria adotado como principal se não fosse o “Lula Livre”. Nos dois discursos, Lula falou no congelamento do valor do salário mínimo, criticou a reforma da Previdência e buscou atacar a agenda de queda de juros, abordando o real impacto na população.

Com isso, um primeiro impacto, segundo avalia a equipe de análise da XP Política, é que possa haver influência de Lula na agenda de reformas, principalmente nas regiões onde ele tem mais popularidade, o que tornaria um pouco mais difícil para o governo encontrar 308 votos para a aprovação das demais reformas de sua pauta econômica.

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Mas, vale ponderar: “ele [o governo] continua tendo as ferramentas necessárias para alcançá-los. Nunca é demais lembrar que o governo se serviu, sim, de elementos da relação política tradicional com o Congresso para aprovar a Previdência – e nada indica que vá tratar das outras reformas de maneira diferente”, avaliam os analistas políticos da XP.

Já o segundo ponto a ser observado é em qual medida a força feita por Lula pode gerar ainda mais pressão por uma retomada rápida da economia, que estimule a impaciência já demonstrada por Jair Bolsonaro com a política de ajustes. Neste sentido, mesmo com um estreitamento da janela para a conclusão das reformas e para a retomada da economia, caso haja maior crescimento econômico e geração de empregos, o efeito poderá ser contrário. Ou seja, menor seria a chance de críticas mais contundentes ao governo.

“O discurso de Lula é apelativo agora, mas dentro de algum tempo será posto à prova: se Bolsonaro tiver conseguido êxito na recuperação, a fala de Lula fica vencida. Caso contrário, dará a narrativa de 2022”, avalia a XP.

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Ari Santos, gerente de Bolsa da H.Commcor, avalia o cenário até a eleição de 2022 como bem distante, mas projeta: “acho que o Lula não tem mais o mesmo cacife econômico para fazer grandes mobilizações que tinha antes, ainda mais com o fim da contribuição sindical obrigatória”. Para Santos, se a economia voltar a crescer por causa das reformas do ministro da Economia, Paulo Guedes, a população dificilmente irá votar pela volta do projeto do PT.

Fator economia X fator estrutural

Olhando para esse cenário,  o “fator economia” será cada vez mais preponderante para mostrar quem será mais bem-sucedido neste ambiente de polarização.

Porém, há fatores estruturais bastante importantes para impulsionar a confiança dos investidores e que devem continuar dando o tom positivo.

“Ao meu ver, o cenário da Bolsa calcado em uma recuperação cíclica, queda dos juros estrutural da economia e avanço das reformas macro e microeconômicas não foi alterado – e isso deve manter suporte ao índice, retomando a trajetória de alta”, aponta Cohen.

Alexandre Silverio, executivo-chefe de Investimentos da AZ Quest, também destacou a visão positiva durante evento “Café Com Mercado”, realizado pela Bloomberg nesta segunda-feira. “Quando eu olho o fundamento micro e macro, com um juro tão baixo, a bolsa é barata”, destacou, prevendo valorização do Ibovespa de 30% em 12 meses e crescimento por volta de 15% do lucro das empresas no próximo ano.

“Não faz sentido para mim a bolsa como um todo operar em um múltiplo perto da média histórica”, afirmou o executivo da AZ Quest.

No mesmo encontro, Isabela Guarino, economista-chefe da XP Gestão de Recursos e Marcelo Giufrida, sócio e CEO da Garde Asset Management, também apontaram visão positiva com a bolsa brasileira, com posição comprada no ativo.

Vale destacar que, em relatório (veja mais clicando aqui), a equipe de análise da XP Investimentos destacou que, neste momento de mudanças estruturais com a agenda de reformas atual, há sustentação para que os múltiplos negociem com prêmio, conforme visto em outros países emergentes. “Mantemos nossa projeção de 140 mil pontos para o final de 2020”, o que representa um potencial de valorização de 30% em relação ao fechamento da última sexta-feira (8).

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Luiz Eduardo Portella, sócio da Novus Capital, avalia ainda que as preocupações em torno de uma volta das políticas econômicas intervencionistas do PT ao governo se dissipa hoje com o investidor analisando o cenário mais friamente. “A única coisa que poderia reacender esse temor é o julgamento da suspeição do [ministro e ex-juiz] Sérgio Moro, que poderia tornar Lula elegível em 2022”, destaca.

Portella afirma que essa possibilidade está distante por enquanto, uma vez que o objetivo desse pedido era justamente a soltura do ex-presidente. “A principal incerteza é a suspeição do Moro e não tem essa pressa toda para que haja a votação, porque o Lula já está solto.”

De qualquer modo, o sócio da Novus acredita que terá pouco impacto a liberdade de Lula no andamento das reformas econômicas. “As reformas são uma agenda do Congresso e do governo. Pode atrapalhar no curto prazo se o Congresso passar a [Proposta de Emenda à Constituição] PEC que libera a prisão em segunda instância antes das medidas econômicas, mas isso tiraria Lula da próxima disputa presidencial, então o mercado não consideraria algo negativo”, defende.

Porém, Giufrida não deixa o cenário de risco com o crescimento mais fraco: “o governo pode ter uma tentação populista e isso enfraquecer a consistência e o apoio para a agenda de reformas”.

Desta forma, caso a agenda de reformas resulte em um maior crescimento econômico, o Ibovespa pode registrar um caminho menos tortuoso rumo a novas máximas. Por outro lado, caso a economia patine, o “risco Lula” passará a ser visto com ainda mais atenção pelos investidores.

(Com Bloomberg)

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.