Efeito Argentina: 9 empresas sentiram a crise vizinha no balanço – para o bem e o mal

Ajustes nos resultados ocorreram principalmente por conta da megadesvalorização do peso anunciada em dezembro de 2023; empresas veem efeitos não duradouros, mas olham com atenção medidas do novo governo

Lara Rizério

(TexBr/iStock/Getty Images Plus)

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Inflação bastante alta e efeitos da megadesvalorização cambial anunciada em meados de dezembro têm sido temas constantes das manchetes sobre a economia da Argentina. O governo de Javier Milei, que recém completou 100 dias, busca colocar em prática a sua agenda para tirar a segunda maior economia da América do Sul da crise.

Os desdobramentos dessa situação têm se refletido na temporada de balanços das empresas brasileiras no quarto trimestre de 2023 (4T23). Diversas empresas de vários setores da Bolsa relatam efeitos – em sua maioria negativos – nos números. Isso é especialmente verdade nos setores de consumo e autopeças, que possuem exposição importante ao país.

Houve também surpresas positivas. O Banco do Brasil (BBAS3), por exemplo, que divulgou lucro líquido ajustado de R$ 9,4 bilhões no quarto trimestre e ganhos recordes de R$ 36,5 bilhões em 2023, foi beneficiado.

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Uma das alavancas foi o resultado do Banco Patagonia, controlado pelo BB na Argentina, que teve números mais altos diante do efeito da variação cambial sobre os títulos atrelados ao dólar, devido à maxidesvalorização do peso. Fora isso, a carteira de crédito cresceu.

No setor de consumo, balanços “manchados”

No setor de consumo, as notícias não foram tão boas. A Ambev (ABEV3) teve o resultado “manchado” pelo ajuste para a inflação da Argentina, ainda que sem efeito caixa. A divisão LAS (América Latina Sul) foi o destaque negativo do 4T23, com Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações) 34% abaixo do consenso, principalmente devido às operações no país vizinho. A reação do mercado após o balanço foi negativa – menos pelo efeito Argentina, e mais pelo guidance (projeção) de custos gerais para 2024 pior do que o consenso.

Na área de cosméticos, a Natura&Co (NTCO3) teve prejuízo líquido ajustado (excluindo R$ 1 bilhão de perdas com operações descontinuadas e R$ 664 milhões de impairment não recorrente) de R$ 966 milhões. Os resultados financeiros foram pressionados também pela desvalorização do peso, assim como pelo aumento do imposto de renda.

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As ações subiram mesmo assim, com algumas tendências positivas apresentadas pela empresa, além das sinalizações de ajustes de exposição e operação na Argentina. Em teleconferência, o CFO da companhia, Guilherme Strano Castellan, reforçou que no passado as operações do país representavam quase 15% dos nosso resultados e agora representam menos que 8%.

A Infracommerce (IFCM3), empresa de soluções digitais para comércio eletrônico, foi outro exemplo, com lucro líquido 6,2% menor no 4T23 frente o 4T22, de R$ 110,7 milhões. A receita líquida totalizou R$ 269 milhões, 17% abaixo da estimativa do Itaú BBA, mas um pouco acima do esperado (2%) quando ajustado justamente pelo impacto negativo da Argentina, que abocanhou R$ 60 milhões por conta da desvalorização do peso. Em 2021, cabe ressaltar, a companhia comprou a argentina Summa Solutions.

Na visão do BBA, apesar do “efeito Argentina” nas receitas, as margens sólidas combinadas com o forte controle de investimentos reforçam a visão de que a estratégia da Infracommerce de focar no fluxo de caixa positivo permanece intacta – o que é fundamental para o banco seguir com recomendação de compra para as ações.

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Autopeças penalizadas

Mudando de segmento, transporte e logística também foram afetados, como no caso de Marcopolo (POMO4), Frasle Mobility (FRAS3) e Randoncorp (RAPT4). A Marcopolo viu seu lucro crescer 2,7% nos últimos três meses de 2023, para R$ 272,4 milhões, mas poderia ter registrado uma cifra ainda maior, uma vez que sofreu impacto negativo não recorrente, de R$ 49 milhões, oriundos da hiperinflação e desvalorização cambial do peso argentino nas dívidas intercompany contratadas em dólares. O número, mesmo ajustado, superou as projeções do consenso de mercado em 28%, reforçando a visão positiva do mercado com a empresa.

A Frasle, parte do grupo Randon e que tem o centro de operações Farloc na Argentina, teve volume de vendas forte, mas os resultados foram impactados por desvalorização do peso, mudança na taxação dos produtos importados argentinos (além de uma disrupção operacional feita para atualização dos sistemas da companhia). Na sequência, a Randoncorp revelou seus números, tendo a receita líquida prejudicada pelo impacto de R$ 157 milhões devido à desvalorização cambial na Argentina e à inflação, incluindo um efeito de R$ 114 milhões já visto na Frasle anteriormente.

Em teleconferência de resultados, a Frasle, porém, reiterou que a sua atuação na Argentina teria sido rentável no ano passado se não fossem os efeitos contábeis desencadeados pelas medidas do novo governo, e que a operação sempre foi bem-sucedida. A empresa não planeja encerrar suas operações lá. Alguns efeitos negativos das medidas do governo se estenderam no primeiro trimestre, mas a gestão da companhia não projetam que haja extensão para o restante do ano, a não ser que a nova administração decida fazer mudanças adicionais. A Argentina representa agora apenas 6% das receitas totais da empresa.

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A empresa de logística JSL (JSLG3), que divulgou resultados nesta semana, teve despesas decorrentes da desvalorização cambial sobre o saldo de caixa e contas a receber na Argentina, totalizando R$ 21 milhões, juntamente com outras despesas como taxas para captação de novas dívidas e o impacto dos juros sobre os saldos devidos das aquisições.

O lucro líquido ajustado foi de R$ 82,2 milhões, queda de cerca de 25% na base anual, impactado pela piora do resultado financeiro, incluindo os efeitos da desvalorização cambial no país vizinho. O efeito também é visto como pontual e analistas de mercado seguem com visão positiva para as ações; o BBI, por exemplo, vê fusões e aquisições no radar da empresa, mas também manutenção de uma avenida de crescimento orgânico.

A siderúrgica Gerdau (GGBR4) também foi afetada, com o Ebitda da América do Sul totalizando R$ 135 milhões, queda de 73% na comparação trimestral devido aos ajustes hiperinflacionários na operação argentina. Vale ressaltar que, com a temporada ainda a ser concluída, mais companhias devem reportar impacto do câmbio e da demanda argentina, como é o caso de frigoríficos, como Minerva (BEEF3). Apesar de muitos dos efeitos serem vistos como não recorrentes ou já havendo reversão dos efeitos mais negativos, o mercado segue de olho nas mudanças e possíveis anúncios que do governo Milei que podem afetar as companhias listadas no Brasil, ainda que a Argentina não seja a operação principal.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.