Dólar abaixo de R$ 4,50 ou de volta para R$ 5? O que esperar após a moeda americana atingir as mínimas em mais de um ano

Analistas divergem, desde projeção de volta a R$ 5 até o fim do ano à queda até R$ 4,40; contudo, visão é de real mais forte frente expectativas anteriores

Lara Rizério

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Após o dólar comercial ter atingido as mínimas desde o fim de maio de 2022 na última segunda-feira (19) – fechando na casa dos R$ 4,77 – as apostas de que a divisa americana siga perdendo força ante a moeda brasileira aumentaram no mercado, mas há quem veja o real fechando o ano mais fraco frente aos patamares atuais.

Cabe destacar que acertar a trajetória do dólar nunca foi fácil. No mercado financeiro há uma frase famosa de que o câmbio já foi o responsável por afetar a reputação de muitos economistas e analistas de mercado. As projeções, contudo, seguem sendo feitas – também trazendo divergências, com expectativas de que a divisa volte para o patamar de R$ 5 ou chegue a ficar abaixo de R$ 4,50 ainda este ano. De qualquer forma, as projeções têm sido constantemente revisadas para uma moeda doméstica mais forte.

Até a sessão da véspera, o dólar registrava queda de 9,5% no acumulado de 2023, após ter chegado ao patamar dos R$ 5,45 nas primeiras sessões do ano. Mesmo em um dia negativo para o mercado, a divisa comercial americana subiu modestos 0,43% na sessão desta terça-feira (20), a R$ 4,796 na compra e na venda, ainda abaixo dos R$ 4,80.

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Uma série de fatores levou à desvalorização da moeda americana – e agora a grande questão é sobre se o movimento vai persistir.

No panorama nacional, a perspectiva de política fiscal mais equilibrada, com o governo apresentando um arcabouço fiscal com um limite de gastos (ainda que mais elevado que o anterior) e procurando receitas para financiá-los também ajuda na sensação de segurança e, consequentemente, tende a valorizar a moeda. Isso após um forte estresse nos primeiros dias do ano, com incertezas sobre as políticas do governo.

Mais recentemente, também colaborou para o maior ânimo a alteração da perspectiva de rating (nota de crédito) do Brasil de estável para positiva pela agência de classificação de risco S&P Global Ratings. A classificação positiva para o país não acontecia desde 2019.

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Para a equipe do Citi no Brasil, a decisão da S&P da semana passada de elevar a perspectiva de rating é um evento relevante para aumentar a confiança dos investidores, potencialmente favorecendo entradas de capital e valorização da moeda local.

“Além da potencial valorização da moeda que sustenta o processo desinflacionário em curso, a decisão da S&P também pode contribuir para reancorar as expectativas de inflação, fortalecendo ainda mais o argumento de cortes mais precoces nas taxas de juros do que estamos prevendo atualmente”, afirmou a equipe do Citi em relatório.

Por sinal, a entrada do investidor estrangeiro no Brasil ganha sinais de força, inclusive com diversos bancos “gringos” destacando que há mais espaço para posicionamento no país, visto como “barato” em relação aos outros emergentes (principalmente as ações locais).

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O cenário econômico atual no Brasil é visto como favorável – atividade econômica resiliente, com dado do PIB do primeiro trimestre acima do esperado -, além de haver uma contínua desinflação, o que deve abrir espaço para o Banco Central (BC) começar o ciclo de afrouxamento da política monetária em breve, com projeções de corte da Selic a partir de agosto.

Até a última sexta-feira, os investidores estrangeiros aportaram R$ 7,68 bilhões no mês de junho no segmento secundário da Bolsa brasileira, enquanto o superávit do ano subiu para R$ 14,55 bilhões, o que ajuda a apreciar a moeda doméstica.

Além disso, apesar de, à primeira vista, o corte de juros também pode parecer negativo para a moeda brasileira, por desfavorecer o carry trade, a visão de que ainda haverá um diferencial significativo entre os juros por aqui e o dos principais países desenvolvidos deve manter o apelo por essas operações.

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O carry trade é uma prática comum quando o Brasil tem taxas de juros elevadas em relação a economias desenvolvidas (que é o caso atualmente). Um fluxo comum é a de entrada de recursos estrangeiros para aproveitar essa diferença. Ou seja, investidores que estão em países com taxas mais baixas que as nossas podem pegar seus recursos, converter esse dinheiro da moeda origem para o real e, a partir disso, investir o dinheiro em ativos brasileiros com remuneração superior à taxa vigente do país de origem. Assim, a diferença entre as taxas será um fator positivo na remuneração desse investimento no carry trade.

Cabe ressaltar ainda que, na última reunião do Federal Open Market Committee (Fomc) do Banco Central dos EUA (Federal Reserve), foi decidida a manutenção dos juros básicos após dez altas, o que favoreceu a moeda brasileira, ainda que estejam no radar mais duas altas de juros pelo Fed.

A reabertura da economia chinesa, ainda que mostrando dados divergentes, também pesa a favor do câmbio, levando em conta também a perspectiva de mais estímulos realizados pelo governo do país quando a economia está fraca.

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Movimento vai continuar?

Em meio a uma queda tão expressiva da moeda em tão pouco tempo e com diversos fatores domésticos e externos contribuindo para a volatilidade da moeda, uma questão é sobre se o movimento de queda vai continuar.

Para o JPMorgan, as estratégias de carry trade continuam fortes, o que deve favorecer moedas emergentes, incluindo o real.  “Em um cenário em que não se evidencia nos dados uma desaceleração abrupta ou um superaquecimento da economia americana, o carry continua impulsionando o apetite pelas moedas da região latino-americana, e achamos que essa dinâmica tem espaço para continuar”, avaliam.

O real e o peso mexicano têm sido as divisas preferidas do JP para ganhar exposição a moedas da América Latina devido ao seu atraente perfil de risco-recompensa. “Eles ainda oferecem as taxas reais mais altas da região e devem permanecer competitivos no próximo ano, apesar do afrouxamento antecipado da política monetária (com visão de queda de juros), à medida que o processo de desinflação continua. A rápida valorização do peso e algum ruído político/fiscal remanescente no Brasil são riscos a serem monitorados, mas é improvável que dominem a narrativa, especialmente em um ambiente de dólar americano ‘limitado'”, apontam os analistas da casa.

Já o Morgan Stanley, após reuniões com clientes do Brasil e do México, aponta que há uma visão geral mais otimista com a moeda brasileira e mais negativa com a mexicana.

“No Brasil, os clientes apontam que o risco menor quanto à política fiscal e monetária, as ainda altas taxas de juros a tendência de alta da produção de petróleo no Brasil são fatores que sustentam as perspectivas para a moeda local”, apontam. O Morgan também concorda que o real deva ter um bom desempenho no curto prazo. Os estrategistas do banco apontam que o risco fiscal foi colocado de lado no curto prazo, enquanto a queda da inflação atenua o risco de qualquer pressão indevida sobre o BC.

Neste ponto, um risco destacado pelo Morgan é de que o Banco Central do Brasil mude abruptamente seu discurso para uma queda nas taxas de juros de gradativa para uma forte baixa, o que pode afetar as operações de carry trade.

Enquanto isso, o Relatório Focus da última segunda-feira, que traz expectativas do mercado para as principais projeções econômicas, apontou esperar o câmbio deste ano a R$ 5, ainda acima do atual patamar, apesar de abaixo dos R$ 5,10 da semana anterior e de R$ 5,15 há um mês. Para 2024, a mediana passou de R$ 5,17 para R$ 5,10, contra R$ 5,20 quatro semanas antes. A projeção anual de câmbio publicada no Focus é calculada com base na média para a taxa no mês de dezembro, e não mais no valor projetado para o último dia útil de cada ano, como era até 2020.

Nesta linha, na última semana, o Itaú revisou sua projeção para o dólar para baixo, mas ainda prevendo uma alta do real em relação aos patamares atuais.

O banco revisou sua projeção de câmbio de R$ 5,15 para R$ 5,00 por dólar em 2023, mas manteve projeção de R$ 5,25 em 2024. Os economistas do banco ressaltam que as moedas de taxas de juros e, assim, carrego alto, têm se beneficiado nesta primeira metade do ano, com bom desempenho relativo não só do real, mas também de outras moedas da América Latina. O prêmio de risco doméstico tem se mantido em patamar mais baixo que o do passado recente, e o patamar de taxa de juros também ajuda a moeda.

Contudo, para que a melhora seja duradoura, eles consideram importante que a meta de inflação seja mantida, que as medidas de aumento de receita anunciadas pelo governo sigam avançando e que novos compromissos de elevação de despesas ou retrocessos microeconômicos sejam evitados.

A XP também revisou recentemente para baixo as suas projeções para o dólar, mas ainda moderadamente, passando a perspectiva para a divisa americana de R$ 5,30 para R$ 5 ao final de 2023 e de R$ 5,40 para R$ 5,15 ao final de 2024.

Os economistas da casa apontam que as condições econômicas globais trouxeram um viés de apreciação ao real. O dólar americano  deve continuar se enfraquecendo como reflexo do cenário de juros do Federal Reserve e uma recessão iminente, embora moderada, nos Estados Unidos, apontam.

Além disso, espera-se que os preços das commodities se estabilizem, após a correção baixista observada nas últimas semanas (principalmente para produtos agrícolas). Nesse sentido, o balanço de pagamentos do Brasil deverá permanecer robusto, com exportações crescente e entrada líquida significativa de Investimento Direto no País (IDP).

O salto recente do real também tem sido atribuído ao desempenho surpreendentemente forte do setor agropecuário na primeira metade deste ano, que, segundo especialistas, tem alimentado o fluxo comercial para o país.

Por outro lado, no âmbito interno, persistem as incertezas sobre a condução da política econômica, embora o chamado “novo arcabouço fiscal”, aprovado pela Câmara dos Deputados e que está para o Senado, permita alguma redução nos prêmios de risco.

Já José Faria Jr., diretor da Wagner Investimentos, aponta que, olhando para o curto prazo, o dólar está com dificuldade de “perder” os R$ 4,75. Contudo, vale ressaltar, a tendência de longo prazo mudou de alta para baixa e isto sugere que novas quedas deverão ocorrer ao longo das próximas semanas e meses. Neste sentido, no curto prazo, as falas do presidente do Fed, Jerome Powell, quarta e quinta na Câmara e no Senado dos EUA podem ser um evento importante a ser monitorado.

Em relatório, o Goldman Sachs também destacou ver espaço para a moeda americana cair mais frente à brasileira. A equipe do banco, liderada por Kamakshya Trivedi, revisou as projeções para o dólar para os próximos três, seis e 12 meses para R$ 4,60, R$ 4,40 e R$ 4,40, respectivamente, ante projeções anteriores de R$ 4,90, R$ 4,85 e R$ 4,80. Dentre os motivos, ressaltou, estão o cenário doméstico mais favorável e a visão de que as operações de carry trade continuarão favoráveis.

Robin Brooks, economista-chefe do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês), sinalizou que enxerga o valor “justo” do real – condizente com os fundamentos do Brasil – como R$ 4,50. “Não há precedentes para a transformação da balança comercial do Brasil em superavitária. Também não é o caso de essa mudança ser devida a uma colheita ‘sortuda’. Afinal, isso esteve em andamento pela última década. O real se tornará a moeda âncora para a América Latina”, disse em postagem no Twitter nesta terça-feira.

Com tantas visões divergentes, o mercado fica de olho nos próximos eventos. Além da decisão do Copom na quarta, atenção para as falas de Jerome Powell e, na semana que vem, para a reunião do o Conselho Monetário Nacional (CMN). No mercado, é dado como certo que o Conselho, formado por Ministério do Planejamento, da Fazenda e pelo BC, deverá manter a atual meta de inflação nos 3%, mas mudando a sua vigência de ano calendário para meta contínua, enquanto os integrantes não têm se manifestado publicamente sobre o tema.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.