Direcional (DIRR3), Cury (CURY3) e MRV (MVE3): custos menores e mudanças no Casa Verde e Amarela animam, mas ainda há cautela

Há catalisadores de curto prazo para o segmento de baixa renda, mas alguns analistas ainda veem pressão para alguns papéis

Lara Rizério Augusto Diniz

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Aumento dos incentivos do governo e desaceleração da inflação de um lado, preocupação com crédito bancário e margens ainda apertadas de outro. O panorama para o setor de construção e incorporação melhorou, com analistas de mercado destacando catalisadores positivos para as companhias de baixa renda, ainda que com exceções.

Nos últimos dias, o setor da construção apresentou um novo impulso no curto prazo, com as medidas provisórias de fomento ao setor através de reduções aos juros imobiliários e aumento dos subsídios ao programa Casa Verde Amarela (CVA). “Essas normas, que têm duração estipulada ao final do ano, devem apresentar continuidade em 2023, independente do pleito eleitoral”, destaca a Levante Ideia de Investimentos.

O setor de construção civil foi um dos que mais sofreu diante da Pandemia da Covid-19. Por ser altamente correlacionado com a economia doméstica, seus movimentos caminham junto ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). “É nesse contexto que as medidas de cunho provisório, anunciadas no governo de Jair Bolsonaro, impulsionaram o ramo”, apontam os analistas.

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A decisão reduziu a taxa de juros efetiva, de 8,6% ao ano para 7,6% ao ano, para imóveis com valor de até R$ 350 mil. Imóveis com valores que ultrapassem esse teto, mas que possuam valor de até R$ 1,5 milhão, contam com juros de
8,1% ao ano. Outras medidas, como a extensão no prazo de pagamento de 30 para 35 anos e a utilização do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) mensal ao abatimento de parcelas de financiamento, são outros fatores que sinalizam um movimento positivo de fomento à construção.

“Esta é uma das principais mudanças no programa Casa Verde e Amarela, pois deve melhorar em cerca de 7%, em nossa estimativa, a acessibilidade para compradores de imóveis. As mudanças no programa são fundamentais para melhorar as condições para o segmento de baixa renda e reforçar as expectativas de recuperação da margem a longo prazo. Vemos vários players listados registrando melhorias significativas nas margens sobre novas vendas, o que vemos como o principal gatilho para as ações, e devemos continuar a ver isso nos próximos resultados”, aponta o Bradesco BBI.

Na visão do mercado, os programas sociais atrelados à construção civil detêm um tamanho muito elevado para não apresentarem continuidade, bem como a sua função social.

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Ainda tem ocorrido uma estabilização nos custos, principalmente em relação ao aço – fator que mais impactou os resultados do 2T22.

“As ações das construtoras e incorporadoras apresentaram forte depreciação desde o início da pandemia, porém, com as medidas anunciadas e as projeções ao cenário político, fornecem projeções positivas. Além disso, fatores como a desaceleração das taxas de juros ao mercado, e mesmo aos níveis inflacionários, forneceram outros componentes na geração de valor ao setor”, destacam os analistas da Levante.

Apesar de os níveis de juros e inflação ainda estarem altos, o 2T22 forneceu uma perspectiva de que esse ciclo de alta deve ser superado em algum momento do segundo trimestre de 2023. Associam-se, ainda, redução dos custos, com uma estabilização do INCC (Índice Nacional de Custo da Construção) no período.

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Os analistas destacam também que o Índice de Confiança do Empresário – fornecido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) – foi de 57,8 pontos em julho. Esse é 3,9 pontos acima da média histórica – quando esse indicador é superior a 50 pontos, temos um cenário de confiança no setor.

Tais indicadores foram sentidos nos resultados do 2T22, com uma maior promoção das construtoras e incorporadoras de baixa renda. “As companhias focadas em imóveis de alto padrão forneceram um cenário de maior sensibilidade, com taxas de juros não beneficiadas pelos programas governamentais”, aponta a Levante.

A avaliação vai em linha com as teleconferências pós-balanços das companhias, com as empresas voltadas à baixa renda Direcional (DIRR3), Cury (CURY3) e MRV ([ativo=MVE3]) destacando pressão menor de custos e mudanças no Casa Verde e Amarela, o que gera ânimo para o setor, ainda que com cautela.

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Ricardo Ribeiro, CEO da Direcional (DIRR3), reconheceu em teleconferência com analistas de mercado, que nos últimos dois anos o principal tema do setor foi a inflação. Mas ressaltou que finalmente há sinais positivos com relação ao custo de insumos.

Ribeiro atribui a queda das commodities e o acomodamento do câmbio os pontos que levaram a retração atual de custos no setor. No entanto, preferiu ser cauteloso quanto à consolidação dessa tendência no segundo semestre: “Otimismo maior seria inadequado e precipitado”.

Fábio Cury, CEO da Cury, também disse a analistas que o segundo semestre indica estabilização a redução nos preços dos insumos. O executivo fez questão de dizer, no entanto, que “é cedo para falar” sobre o horizonte. Ele teme novo desarranjo na cadeia produtiva nos próximos meses por conta das incertezas.

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Mas existe outra preocupação de Fábio Cury apresentada aos analistas: a instabilidade provocada pela eleição. Por isso, a empresa concentrou a maioria dos lançamentos no primeiro semestre do ano.

A MRV, que teve as margens fortemente atingidas pela demora de repasse do aumento de custos, afirma já estar se recuperando com os novos lançamentos. Todos os empreendimentos estão saindo agora com o orçamento atualizado e proteção contra a inflação.

Já o programa habitacional Casa Verde e Amarela cria perspectiva positiva. A Direcional crê que as alterações no programa serão sentidas somente a partir desse mês. Ribeiro sinalizou que a partir do ano que vem a empresa deve diminuir o ritmo de lançamentos que, segundo o executivo, foi alto nos últimos dois anos. “A gente deve chegar ao final de 2022 num patamar de lançamentos, que olhando para 2023 não deve crescer tanto”, disse.

Fábio Cury considerou “excelentes” as alterações recentes da Caixa no programa. Ele vê as novas medidas capazes de mover seus clientes à compra de imóvel.

A MRV prevê a captura integral das mudanças no Casa Verde e Amarela a partir do 4T22. A construtora confia no programa para ajudar no processo de recuperação de margens da companhia.

A empresa avalia que os principais insumos da construção devem permanecer em queda ou estáveis. Mas colocou mais um item na conta da inflação, que atingiu a empresa. Trata-se do dissídio dos trabalhadores. “Veio pesado”, disse Eduardo Fischer, codiretor-presidente da MRV, a analistas de mercado.

Na avaliação do Itaú BBA, Direcional e Cury apresentaram os melhores resultados do 2T22 no segmento de construção, com faturamento recorde e mantendo margens em níveis saudáveis, indicando uma tendência positiva para os próximos trimestres.

Para os analistas, as empresas de baixa renda conseguiram sustentar a margem bruta, enquanto o faturamento foi apoiado por um volume saudável de lançamentos e vendas no trimestre. Os impactos dos recentes reajustes no programa Casa Verde e Amarela marcam um potencial ponto de inflexão para o setor, na avaliação deles.

Já as construtoras voltadas à população de média renda apresentaram resultados pouco animadores no trimestre, com a compressão da margem bruta sendo um ponto comum entre as empresas que cobrem. As companhias ainda relataram algumas derrapagens orçamentárias, apesar da redução nos preços das matérias-primas. Em uma base relativa, a Eztec (EZTC3) apresentou resultados amenos, seguindo desaceleração do faturamento e margens pressionadas.

Visão distinta

Por outro lado, em meados do agosto, o Goldman Sachs iniciou a cobertura das construtoras brasileiras com recomendação neutra para Direcional e de venda para  MRV, destacando que a visão é fora do consenso. Já para a Cyrela (CYRE3), de renda média/alta, tem recomendação de compra, enquanto para EzTec a recomendação é neutra.

“Embora a maioria [das ações] esteja atualmente sendo negociada com descontos tanto no valor contábil quanto no NAV [valor presente líquido, em português], acreditamos que a seleção de ações é necessária devido aos diversos desafios enfrentados pela setor. Em particular, destacamos altas taxas e custos de desenvolvimento em meio a diferentes
modelos de negócios que vão desde peças puras de construção residencial, como Cyrela e Direcional, para construtoras residenciais com exposição de desenvolvedor comercial, como EzTec (com foco em escritórios corporativos brasileiros) e MRV (com foco em imóveis multifamiliares nos EUA).

“Dada a perspectiva desafiadora, acreditamos que os balanços devem ser a chave diferenciadora entre as ações de construtoras. Ou seja, qual empresa será fortemente posicionado para lidar com os riscos de cauda e estar pronto para o próximo ciclo”, avaliam os analistas.

Os analistas do Goldman veem a Cyrela registrando desafios de curto prazo, mas fortemente posicionados para o próximo ciclo. A recomendação é de compra para os ativos, com preço-alvo de R$ 18 por ação, vendo a Cyrela como mais forte, com a fraqueza da demanda de curto prazo sendo compensada pela maior solidez de margens.

“Acreditamos que as vendas da Cyrela possam experimentar um declínio no curto prazo devido a um aumento nas taxas de financiamento, mas acreditamos que as quedas serão menores do que as anteriores, com um foco em apartamentos maiores, que tiveram menor crescimento de estoque, o posicionamento da Cyrela no segmento de renda média/alta menos afetado pela inflação e o foco da empresa em São Paulo, que tem visto melhor crescimento do emprego em relação a outros estados do Brasil”, avaliam os analistas.

Para a MRV, com recomendação neutra e preço-alvo de R$ 10, as principais preocupações são com a alta alavancagem (relação de cerca de 36% entre a dívida líquida e o lucro) e um extenso pipeline de desenvolvimento tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, este último dependente de vendas não recorrentes.

“Além disso, achamos a MRV mais vulnerável a quaisquer aumentos nos custos de construção, dadas as margens já baixas. Por outro lado, acreditamos que a Cyrela está fortemente posicionada, com uma alavancagem já baixa que pode ser menor com base nas receitas e despesas residenciais contratuais”, avaliam.

Para a Direcional, o preço-alvo é de R$ 13 por ação. Os analistas veem a companhia enfrentando melhor demanda de curto prazo do que Cyrela e EzTec, enquanto as margens brutas melhoraram, mas veem o valuation mais esticado.

Um outro ponto a ser levado em consideração é sobre o financiamento dos bancos para o setor. De acordo com análise do BBI voltada para os balanços do segundo trimestre de 2022 dos bancos, o mercado hipotecário está mais apertado e mais caro na base anual em relação ao boom de crédito de 2020-2021  – provavelmente resultando em um redução nas originações, mas ainda não o suficiente para se tornar um gargalo significativo para as construtoras.

Reportagem do Estadão destaca que, mesmo com a demanda aquecida por financiamentos imobiliários, os bancos têm olhado com cautela o ambiente da economia brasileira e não descartam a possibilidade de elevar as taxas dos empréstimos para a faixa dos dois dígitos – algo que não acontece desde o fim de 2017, de acordo com dados do Banco Central. A taxa atual já é próxima dessa marca, com 9,8% ao ano na média, enquanto 12 meses atrás era 7,5%.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.