Desânimo com variante delta ou otimismo com vacinação: o que deve predominar para Bolsa e câmbio?

Analistas avaliam que circulação da cepa mais contagiosa deve levar a altas pontuais de casos e mortes, mas que tendência de alta na Bolsa não se inverteu

Ricardo Bomfim

(Getty Images)

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SÃO PAULO – O Ibovespa, assim como os índices acionários internacionais, tem registrado uma alternância entre dias de alta e de baixa devido a, entre outros fatores, diferentes interpretações sobre o mesmo fato: a disseminação da variante delta do coronavírus em diversos países da Ásia e da Europa.

Na segunda-feira (19), por exemplo, o mundo todo viveu um “sell-off” em ações e outros ativos de risco diante das preocupações de que medidas de restrição à circulação de pessoas voltassem a ser utilizadas devido ao avanço da variante da Covid-19. No dia, o Ibovespa caiu 1,24%, chegando a 124.395 pontos e distanciando-se da sua máxima, atingida no dia 7 de julho quando a Bolsa fechou a 130.776 pontos.

Esse cenário de preocupações com o coronavírus fez o VIX, também conhecido como “índice do medo” por medir a volatilidade das opções no mercado americano, registrar forte alta de 26,7% naquele dia, chegando a saltar mais de 30% pela manhã.

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No entanto, para Roberto Attuch, CEO da Ohmresearch, essa preocupação com a variante delta do coronavírus foi exagerada. “O mercado está muito nervoso com o crescimento e explodiu [na segunda-feira]. Acho esse temor um pouco exagerado, porque o avanço da vacinação deve reduzir a incidência de casos principalmente entre os mais jovens. Na Holanda, por exemplo, só 6% de quem pega o Covid agora é vacinado com as duas doses”, explica.

E ele não está sozinho nessa avaliação. Segundo a equipe de análise da Levante Ideias de Investimento, o mês de julho é tradicionalmente mais fraco no mercado em termos de volume de negociação devido ao período de férias hemisfério Norte. Com menos liquidez, movimentos de preços para cima ou para baixo tendem a ser amplificados, pois basta uma ordem maior para derrubar ou alavancar o valor de um papel.

“Por isso, a preocupação com a volta dos casos de infecção pela variante Delta do coronavírus está provocando um forte movimento de queda no início dos negócios”, argumentam. Ou seja, quando os investidores voltarem das férias e a liquidez aumentar pode ser que essas notícias não tenham tanto impacto no mercado como tiveram no início da semana.

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Um forte indício de que essa explicação possa estar correta é que nos três pregões seguintes ao sell-off as bolsas em Wall Street subiram, sendo acompanhadas de perto pelo nosso benchmark da Bolsa brasileira, o Ibovespa. Com a recuperação, os principais índices acionários americanos já até ultrapassaram seus níveis de fechamento de antes da segunda-feira.

O nosso benchmark de ações, por sua vez, subiu 1,41% em três dias, e mesmo com a baixa desta sexta-feira (23), segue acima do nível de fechamento da segunda.

João Beck, economista e sócio da BRA, diz que sem ainda uma população totalmente imunizada, e com uma cepa mais contagiosa circulando, o Brasil pode ter que lidar com altas pontuais de novos casos, como estamos vendo em alguns países.

Por outro lado, ele considera movimentos como o segunda-feira realizações pontuais de lucros, que podem levar a quedas até maiores sem comprometer a tendência principal de alta.

“No mais, o que ditará também os mercado nesta e na próxima semana no Brasil são os resultados do segundo trimestre das empresas. A expectativa é de forte alta dos lucros para as empresas em geral seguindo a esteira da melhora da mobilidade de economia após a segunda onda de Covid no país”, defende.

Dólar

Em relação ao câmbio, Beck diz que diante de mais sinalizações de aumento de juros nos EUA e aversão a risco por conta de notícias de desaquecimento da atividade, estamos diante de um cenário de valorização de curto prazo do dólar.

Para Bruno Komura, estrategista de renda variável da Ouro Preto Investimentos, a variante delta, com seu espalhamento rápido, causa alguma preocupação e acaba valorizando as moedas dos países mais desenvolvidos.

Entretanto, ele lembra que não há nenhum tipo de evidência ou estudo mostrando que as vacinas não são eficazes contra a variante delta. “Acho que conforme as regiões do mundo vão se vacinando fica mais fácil de conter. O mercado tem potencial para voltar e os investidores vão tomar mais risco, algo que pode beneficiar o real.”

Komura vê o dólar acima de R$ 5,20 como um patamar muito estressado e espera que o real volte a ganhar força dado o aumento na taxa de vacinação, que vai permitir a reabertura das atividades e retomada da economia. “Para o fim do ano seria bem factível estacionar perto dos R$ 5,00 apesar das incertezas no âmbito fiscal. Em 2022, as eleições devem causar mais volatilidade, então não deve ficar muito abaixo disso”, prevê.

Leonardo Santana, analista da Top Gain, acredita que por mais que o mercado tenha otimismo sobre a reabertura econômica, ainda há um certo alerta, que se reflete principalmente no câmbio. “Nesse momento acabamos de dar um pullback depois daquela queda forte até abaixo de R$ 5,00 e voltamos para os R$ 5,30, sendo que veio intervenção do Banco Central e ele voltou a cair. O dólar não consegue seguir nessa tendência de queda no curto prazo”.

Apesar do dólar estar no meio do caminho entre retomar os R$ 5,30 e cair abaixo de R$ 5,00, o analista enxerga que já se percebe que não há uma tendência tão vendedora como anteriormente. “Temos como previsão para o final do ano um dólar entre R$ 5,30 e R$ 5,50”, prevê.

Santana ressalta que o longo prazo também não deve trazer muita apreciação para o real, pois em 2022 teremos eleições e o mercado “fica com um pé atrás” com a possibilidade do Brasil ter novamente um partido de esquerda no poder.

Projeções para o Ibovespa

Enquanto o mercado entrava em pânico, o Santander estabelecia um novo preço-alvo para o Ibovespa, elevando de 135 mil para 145 mil pontos a expectativa para o benchmark no fim do ano.

De acordo com a Reuters, entre os argumentos do banco para a previsão, estão as expectativas de melhoria da atividade econômica do país, com o progresso da vacinação e reabertura do comércio e dos serviços. Os riscos, por outro lado, incluiriam a interrupção da campanha de vacinação e justamente as novas variantes que afetem a eficácia das vacinas, assim como atraso na aprovação de reformas fiscais e depreciação do câmbio.

No dia 1º de julho, o Itaú BBA elevou suas projeções para o Ibovespa ao fim de 2021, de 135 mil para 152 mil pontos. Os estrategistas Marcelo Sá e Matheus Marques escrevem que, mesmo com a performance positiva do benchmark da Bolsa nos últimos meses, com ganhos de 6,5% no ano, o Ibovespa continua negociando a múltiplos abaixo da média histórica e com grande desconto em relação aos pares emergentes.

Jennie Li, estrategista de ações da XP, disse que a corretora segue com projeção de que o Ibovespa vai encerrar 2022 aos 145 mil pontos. Sobre a variante delta, ela afirma que a cepa é um risco para a recuperação econômica global, mas é mais perigosa para países em que a vacinação é mais lenta. “Estados Unidos e Europa estão com índices mais avançados de imunização, então a chance de lockdown é menor.”

Para a estrategista, estamos em um momento muito diferente de 2020, pois a vacinação está avançando globalmente e a população aprendeu a conviver com a pandemia. “Nesse primeiro trimestre, quando tivemos mais restrições de mobilidade, a economia continuou resiliente”, lembra.

Brasil

Especificamente sobre o Brasil, em relatório do início da semana, os analistas do Morgan Stanley calculam que com 55% da população brasileira protegida contra o coronavírus – 44% por terem sido infectados, ainda que o tema seja alvo de controvérsia já que há casos de reinfecção, e 11% por estarem totalmente vacinados até aquele momento, sendo que na última quinta eram cerca de 17% – faltariam 15 pontos percentuais para o país atingir a chamada “imunidade de rebanho”.

Apesar do caminho até os 70% de imunização ser longo, os analistas ressaltam que o caminho trilhado pode já ser o bastante para reduzir a taxa de transmissão da doença.

“Se nossa hipótese estiver correta, o processo de reabertura da economia brasileira pode ser menos nebuloso do que os investidores acreditam atualmente, o que deve ajudar no crescimento econômico no segundo semestre de 2021 e em 2022”, aponta o banco americano.

Também recentemente a equipe de análise do UBS fez um levantamento entrevistando 150 investidores e 50 donos de empresas no Brasil com ao menos US$ 1 milhão em investimentos (para os investidores) ou US$ 1 milhão em receita anual (para os empresários) entre os dias 23 de junho e 9 de julho.

A pesquisa mostrou que 74% dos entrevistados estão otimistas com as perspectivas para a economia brasileira, contra 64% no primeiro trimestre. Os pessimistas caíram de 22% para 17% e os neutros recuaram de 14% para 9%.

Dentre as maiores fontes para esse otimismo a vacinação contra a Covid-19 foi a mais citada, com 68% de menções, enquanto o impacto das exportações de commodities foram citados por 56% e um maior crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2021 foi mencionado por 53%. Fora isso, a confiança na expansão do próprio negócio foi atrelada por 76% ao avanço da vacinação.

O Morgan Stanley ressalta que a variante delta foi detectada no Brasil em abril e ainda assim continuou representando entre 1% e 3% do total de novos casos registrados. Além disso, a média móvel de sete dias de novas infecções por todas as cepas da Covid-19 caiu perceptivelmente nos últimos 50 dias para abaixo de 40 mil após ter batido perto de 80 mil no final de março.

“Nós acreditamos que o recente declínio em novos casos de coronavírus provavelmente prenuncia o fim do pior cenário da pandemia para o país. Nós temos observado uma redução nas entradas em UTIs, mortes e novas infecções em todas as faixas etárias pelos últimos quatro meses.”

Tudo isso leva a equipe do banco a crer que as ações de empresas brasileiras ligadas ao ciclo econômico estão na metade de um processo de serem precificadas segundo um cenário mais construtivo para o crescimento da economia e dos lucros corporativos no segundo semestre deste ano e ao longo de 2022 depois de terem refletido uma visão “excessivamente pessimista” em 2020 e no começo de 2021.

“Procuramos por ações de bancos de varejo ou empresas expostas ao ciclo doméstico atrativamente precificadas no universo da nossa cobertura”, escrevem os analistas.

A equipe do banco diz enxergar ainda muita alavancagem operacional nas companhias cíclicas domésticas e nas instituições financeiras voltadas ao varejo no atual ciclo econômico. “Por exemplo, o consenso inflacionário atual ajustado sobre as estimativas de lucros em moeda local ainda estão 30% abaixo (para as ações cíclicas domésticas) e 11% abaixo (para os bancos de varejo) de seus níveis pré-pandemia.”

Dentro dessa realidade, o Morgan Stanley lista as 4 ações que parecem mais atrativas por estarem na metade inferior da tela de preço para valor contábil (zscore), com as estimativas atuais de ganhos de consenso futuro abaixo do nível pré-Covid e por possuem uma recomendação de compra pelos analistas fundamentalistas do banco: são elas CCR, Itau, Banco do Brasil e Banrisul.

Banco do Brasil (BBAS3)

Usando um modelo de valuation do BB que é essencialmente uma função da diferença entre o ROE – obtido por meio da divisão do lucro líquido pelo patrimônio líquido – e o custo do capital próprio, além do período em que a administração consegue gerar retornos acima desse custo do capital, o horizonte projetado para o BB é de: uma taxa de desconto de 10,7% e um ROE de 14% no longo prazo.

São citados como possíveis fatores que podem impactar positivamente o preço das ações do BB: o avanço das reformas do governo, taxas de juros sustentavelmente mais baixas, ganhos de eficiência, resiliência dos empréstimos inadimplentes e exposição mais alta ao crédito consignado.

Por outro lado, constituem riscos para a performance uma recessão com impacto do desemprego na inadimplência e no crescimento dos empréstimos, aumentos de impostos, maior disrupção provocada pelas fintechs, volatilidade cambial, inflação, déficit fiscal, exposição mais alta a empréstimos no agronegócio, restrições de capital e interferência governamental.

Banrisul (BRSR6)

Usando os mesmos critérios de avaliação do caso do Banco do Brasil, o horizonte para o Banrisul é de uma taxa de desconto de 12,4% e um ROE de longo prazo de 13%.

Os fatores que podem destravar mais valor para as ações do banco são iguais e nos riscos a única diferença em relação ao Banco do Brasil é que o Banrisul não corre o perigo de sofrer uma interferência governamental, mas está exposto a uma possível deterioração ainda maior das finanças do estado do Rio Grande do Sul.

CCR (CCRO3)

Para a concessionária de rodovias, a avaliação do preço justo das ações segue o clássico modelo de fluxo de caixa descontado e é assumido um custo de capital de 13,8%. Também são incorporados no valuation R$ 1,20 por ação em novos projetos.

Os fatores que podem destravar valor nas ações da companhia são: sucesso maior que o esperado nos esforços para conter a pandemia, aumento do tráfego, potencial fusão ou aquisição com altas sinergias, vitórias em novos leilões de concessões e rebalanceamento dos contratos atuais de concessão.

Já os riscos são um impacto maior que o esperado do coronavírus, deterioração dos fundamentos econômicos brasileiros, novas denúncias de corrupção e/ou multas contra a empresa, mudanças regulatórias ou disputas com o governo e transações com partes relacionadas.

Itaú (ITUB4)

Para o maior banco privado do Brasil, a análise é igual à dos outros bancos e o horizonte obtido é de taxa de desconto de 9,8% e ROE de longo prazo de 19%.

Os fatores que podem trazer surpresas positivas para a performance da instituição são os mesmos de BB e Banrisul, porém não se espera maior exposição ao crédito consignado.

Do lado dos riscos também é a mesma análise, com a diferença de que o Itaú não é nem exposto à interferência do governo nem às finanças de qualquer estado.

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Ricardo Bomfim

Repórter do InfoMoney, faz a cobertura do mercado de ações nacional e internacional, economia e investimentos.