De Eletrobras (ELET3) à crise em distribuidoras: a visão dos analistas após a semana turbulenta das elétricas

Críticas à privatização da Eletrobras impactaram ações, mas analistas veem reversão do processo como difícil; governo também é desafiado com crise na Light

Lara Rizério

(Divulgação/Eletrobras)

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Os últimos dias têm sido conturbados para o mercado em geral e também para as ações das elétricas, em meio a declarações do governo e rumores de medidas que possam afetar o setor como um todo.

Na terça-feira, as ações da Eletrobras (ELET3;ELET6) caíram mais de 3% após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticar novamente a privatização da elétrica durante café da manhã com a chamada “mídia independente e alternativa” e, mais do que isso, apontar que a Advocacia-Geral da União (AGU) pode contestar as cláusulas “leoninas” do contrato de privatização na Justiça, de forma a rever os termos e efeitos da desestatização da empresa.

Ele chamou o o processo de privatização de “errático”, “lesa-pátria” e “quase que uma bandidagem”, feita para evitar que o governo federal não voltasse a ter maioria na empresa estatal. “O governo tem 40% das ações [da Eletrobras] e só pode participar na direção [da Eletrobras] como se tivesse 10%. Se amanhã o governo tiver interesse de comprar as ações, as ações para o governo valem três vezes mais do que o valor normal para outro candidato. Ou seja, foi feito quase que uma bandidagem para que o governo não volte a adquirir maioria na Eletrobras. Nós, inclusive, possivelmente o advogado-geral da União vai entrar na Justiça para que a gente possa rever esse contrato leonino contra o governo”, afirmou.

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No dia seguinte, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse que “concorda” com as críticas do presidente Lula às cláusulas impostas pela privatização da Eletrobras, mas disse que, como ministro de Estado, tem que respeitar a nova “natureza” da empresa.

No caso da Eletrobras, o Credit Suisse apontou ver mais barulho do que fatos. “Reiteramos nossa visão de que, com o estatuto social existente para a Eletrobras, cada acionista tem apenas 10% de direito de voto, independentemente de sua participação na empresa. Além disso, há dois limites de poison pill [mecanismo de proteção contra aquisição hostil] definidos (30% e 50%) com cálculo de preço de oferta específica caso algum acionista decida adicionar participações que ultrapassem os limites apresentados”, aponta.

De acordo com a Lei nº 6.404/76 (Lei das S.A.), nenhum direito ou cláusula estatutária que proteja os acionistas pode ser alterado sem o devido processo de votação. Assim, mesmo uma possível decisão contra os termos da lei de privatização da Eletrobras não seria facilmente implementada.

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Adicionalmente, o pagamento da outorga referente aos novos contratos da Eletrobras já ocorreu, novos contratos foram assinados e consequentemente, não é provável, na visão dos analistas, alterar as consequências da lei. Mesmo que o governo consiga uma decisão judicial que anule a limitação do direito de voto (o que seria contra o texto do estatuto), ainda não tem maioria para derrubar a regra da poison pill.

“De qualquer forma, durante a entrevista, o ministro [Alexandre Silveira] parece concordar que, neste ponto, a nova natureza da empresa precisa ser respeitada, já que ela não é mais uma concessionária estatal. Dito isso, vemos sua opinião como mais alinhada com uma abordagem favorável ao mercado em comparação com declarações anteriores do governo federal”, aponta o Credit.

Para a Genial Investimentos, as últimas declarações do governo que têm gerado volatilidade para os ativos da Eletrobras podem gerar um ponto de compra para as ações. Os analistas da casa veem a reversão da privatização como extremamente improvável.

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A casa também menciona que, nos termos atuais inseridos no estatuto da empresa, a eventual reestatização da empresa se daria em condições que seriam muito favoráveis se considerarmos os preços de tela da ELET3 e a “pílula de veneno” inseridas em seu estatuto, que assegura um prêmio de 200% em relação a maior cotação dos últimos 504 dias de negociação caso algum acionista ou grupo de acionistas alcancem mais de 50% de participação na mesma. Ou seja: o preço a ser pago deveria ser de mais de R$100/ação, implicando em uma valorização muito expressiva em relação aos preços atuais.

“Apesar dos desafios e da volatilidade, seguimos confiante no case de turnaround [virada] da empresa e que já deve começar a demonstrar resultados do recente programa de demissão voluntária tocada pela empresa”, aponta.

Mudanças nas concessões?

Além de Eletrobras, outra notícia, desta vez na última quinta, abalou o setor, especialmente o segmento de distribuição.

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A Agência iNFRA informou que o governo avaliaria uma Medida Provisória (MP) para solucionar os problemas das distribuidoras, podendo tratar da relicitação das concessões que estão para vencer e permitir a recuperação judicial das empresas de energia, hoje proibida por lei.

O envio de uma MP ao Congresso seria devido à urgência do assunto e pela exigência de alteração legal para permitir que, caso a situação financeira das empresas piore, possa ser decretada recuperação judicial para distribuidoras. Isso em um contexto em que a Amazonas Energia e a Light (LIGT3) encontram-se em dificuldades financeiras e possuem perdas muito elevadas de energia e alta inadimplência. A Enel-RJ, que atua em região também com desafios, é outra com problemas de perdas elevadas de energia.

No caso da Light, o problema envolve ainda a renovação da concessão, que vence em junho de 2026, e a dificuldade de rolagem de dívidas no curto prazo. As distribuidoras têm de se manifestar 36 meses antes do término da concessão se querem renovar ou não os ativos, enquanto o poder concedente tem 18 meses para decidir sobre o pedido recebido da concessionária. A MP poderia abranger novas regras para a renovação da concessão por mais 30 anos.

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Segundo a agência, a tendência seria que a concessão fosse relicitada, de forma onerosa. Esse tratamento seria o mesmo para todas as concessões de distribuição vincendas.

O Credit ressalta que, desde o ano passado, o mercado tem se preocupado com possíveis novos termos para a renovação da concessão dos contratos de distribuidoras.

Os contratos atuais permitem a renovação, desde que o Ministério de Minas e Energia (MME) veja vantagens e concorde com os termos, e desde que a operadora atual atenda aos requisitos (regulatórios e financeiros). Em 2015 e 2020, os contratos das distribuidoras foram renovados com metas regulatórias mais rígidas e alteração do repasse de inflação de IGP para IPCA.

O fato de algumas unidades delas não estarem funcionando conforme as necessidades e não conseguirem cumprir com a estabilidade financeira não justifica, na visão do banco, a alteração do status quo para bons operadores. “Uma solução específica para tais casos pode ser desenhada desde que o poder concedente, no caso o MME, esteja envolvido”, avalia.

Assim, mais uma vez, são necessárias mais informações e, com isso, o Credit mantém a sua visão de que a volatilidade deve ser grande para as companhias.

No universo das elétricas, o banco vê Alupar (ALUP11), CPFL (CPFE3) e Engie (EGIE3) como bons nomes para aguardar as orientações do MME para o setor.

Em nota emitida na tarde quinta-feira, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) informou que realiza o acompanhamento contínuo das condições técnicas e econômico-financeiras de todas as distribuidoras de energia elétrica.

No caso da Light, a agência apontou que o que se verifica até o momento a empresa tem atendido os critérios de eficiência na gestão econômico-financeiro, além de permanecer adimplente com as obrigações intrasetoriais. “Por fim, cabe esclarecer que, nos termos do art. 18 da Lei nº 12.767/2012, não se aplicam às concessionárias de serviços públicos de energia elétrica os regimes de recuperação judicial e extrajudicial, salvo posteriormente à extinção da concessão”, apontou.

Os analistas do Credit acreditam que o fluxo de notícias relacionadas às unidades da Eletrobras e de distribuidoras não está refletindo todos os fatores e a legislação, normas e marcos regulatórios existentes.

“Consequentemente, vemos as ações negociando com descontos maiores do que o usual, principalmente no caso de empresas altamente expostas ao segmento de distribuição, como Energisa (ENGI11) e Equatorial (EQTL3), operando atualmente a uma Taxa Interna de Retorno (TIR) real de 11,5%, em um cenário onde já tínhamos no nosso modelo 50% de chance de não haver renovação”, aponta o banco. Considerando os grandes investimentos necessários para este segmento, o Credit acredita que o ruído traz riscos desnecessários para o setor que podem impactar esta curva de investimento.

O Bradesco BBI destacou que uma solução para a renovação da concessão ainda está em estágio inicial de discussão e não há uma solução abrangente iminente, citando fontes de mercado.

“De fato, o Ministério de Minas e Energia precisa tratar ainda este ano da questão sobre as regras para a renovação das
concessões de distribuidoras, já que a primeira empresa a vencer é a Escelsa, da EDP Brasil (ENBR3), em 2025. Quaisquer que sejam as regras decididas para a Escelsa, presumivelmente, serão aplicadas a todas as outras distribuidoras (a maioria com concessão a expirar em 2027-2029)”, aponta.

A preocupação do mercado com essa questão sempre foi de que o governo pudesse exigir alguma forma de pagamento/título de concessão (para recolhimento para fins fiscais) ou uma redução nos retornos (para redução de tarifas). As condições a propor para as distribuidoras prorrogarem as concessões (que as empresas podem aceitar ou rejeitar) ainda não foram definidas, reforçam os analistas.

Para isso, o Ministério de Minas e Energia deverá abrir audiência pública, provavelmente no primeiro semestre de 2023, com algum tipo de de proposta.

“Já é amplamente sabido que o governo anterior, no final de seu mandato, enviou um ‘menu’ de condições potenciais ao
Tribunal de Contas da União (TCU) para renovar concessões”, aponta o banco. Os itens deste ‘menu’ (que nunca foi publicado) inclui, segundo pessoas que participaram das conversas direta e indiretamente ouvidas pelo BBI, ideias gerais como cortar o RAB (base de ativos regulatórios) ou reduzir o custo médio ponderado do capital (WACC), como forma de simbolizar a redução das tarifas do consumidor final (uma agenda importante para qualquer governo).

Embora esse movimento não faça sentido tecnicamente do ponto de vista regulatório, na visão dos analistas, a gestão anterior trabalhava para construir uma solução aceitável que ainda fornecesse incentivos para as empresas aceitar os prazos de prorrogação das concessões.

Para o banco, os pontos acima deverão ser analisados pelo novo governo e pelo Ministério de Minas e Energia, com a preocupação no radar do mercado de, por exemplo, tentarem reduzir ainda mais a rentabilidade das distribuidoras.

Mas na visão do BBI, a probabilidade de tal cenário é baixa. Primeiro, o poder de barganha do governo é limitado pela pura dificuldade operacional (ou mesmo impossibilidade) de leiloar tantas concessões de distribuidoras no período de 3-4
anos, mesmo que não sejam problemáticos.

“Além disso, o governo tem um problema urgente para resolver em relação às concessões problemáticas (ou seja, Amazonas Energia, Light e Enel RJ), que exigem atenção e deve ser a prioridade número 1 nesta área, tornando ainda menos crível a ameaça de relicitação, implicando a o governo terá que buscar uma solução consensual”, aponta.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.