De blue chip a micos: Como grandes empresas viram pó

A dinâmica do mercado nos mostra que nenhuma empresa é grande o suficiente para viver para sempre; saiba o que fazer para identificá-las

Thiago Salomão

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SÃO PAULO – No filme “De Volta Para o Futuro”, Marty McFly – personagem interpretado por Michael J. Fox – realiza uma viagem no tempo para 30 anos atrás, tomando um susto ao vivenciar as diferenças existentes entre as duas épocas. Uma das coisas mais chocantes é perceber que aquilo que era considerado essencial no passado muitas vezes nem existe mais no futuro.

Um pouco de esforço mental é suficiente para buscarmos alguns exemplos de produtos que já foram classificados como revolucionários ou indispensáveis e que, hoje, são mais facilmente encontrados em uma sala de museu. É o caso de máquinas de escrever, bipes, disquetes, gramofones… Na época em que todos usufruíam dessas “novidades”, era difícil encontrar quem previsse a extinção dos produtos.

Se essa percepção já é difícil no nosso cotidiano, imagina projetarmos isso para o mercado financeiro, no qual a oscilação repentina de preços vai em conformidade com a brusca mudança de humor dos investidores, que passam da euforia para o pânico em questão de minutos. Um exemplo é o que aconteceu na crise de 2008, em que grandes instituições financeiras e empresas emblemáticas dos Estados Unidos quebraram. Vale ressaltar o caso da General Motors, que, após mais de cem anos de história, entrou em concordata em 2009 e voltou ao mercado de ações 16 meses depois. O Brasil também não fica para trás: na mesma época, Sadia e Aracruz, então líderes de mercado nos segmentos de atuação, pagaram caro ao se aventurar no mundo dos derivativos cambiais, resultando em prejuízos bilionários por conta da disparada do dólar no final de 2008.

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Mas se no mercado financeiro as coisas são tão imprevisíveis assim, não existe uma forma de o investidor conseguir perceber que uma empresa até então tradicional corre o risco de deixar de existir? Existe, sim, mas ela exige atenção ao que está acontecendo, não só com a empresa em si, mas também com todos os fatores exógenos. É preciso também que o investidor exercite o desapego à perpetuidade: como nada dura para sempre, casar com uma ação até que a morte os separe pode custar muito caro.

Reavaliar é preciso
Para o investidor que tem uma carteira de ações com objetivo de longo prazo, uma boa dica é a reavaliação de cada empresa presente no portfólio pelo menos uma vez a cada três anos, aponta Clodoir Vieira, economista-chefe da corretora Souza Barros. Dessa forma, o detentor da ação poderá identificar o que mudou na dinâmica de negócios da companhia, do setor em que ela atua e no mercado em geral, podendo definir se é hora de retirar as ações do portfólio, mantê-las ou aumentar sua participação. “Não se pode morrer de amor por uma ação, uma hora ela pode parar de dar resultados, e o melhor a fazer é retirá-la da carteira”, explica Vieira.

Obviamente que esse tipo de estratégia merece algumas ressalvas – e por isso entra a importância de o investidor estar sempre ligado ao que está acontecendo com o setor de atuação da companhia. Até metade do ano passado, as ações do setor elétrico eram tidas como boas opções para investidores conservadores, tendo em vista a geração de caixa previsível que elas tinham e o bom histórico de distribuição de dividendos. Contudo, bastou uma Medida Provisória anunciada pelo governo em setembro determinando a redução das tarifas de energia para que as ações dessas empresas despencassem na Bovespa, perdendo o caráter previsível que as tornava tão especiais.

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No processo de reavaliação de portfólio, Vieira explica que é importante que o investidor encontre respostas para algumas questões básicas: a empresa está apresentando um crescimento operacional consistente? O endividamento dela está crescendo de uma maneira sustentável? O setor de atuação em que ela atua se mostra consistente para existir por muito mais tempo? E qual o posicionamento dela dentro desse setor, há vantagem competitiva duradoura em relação aos seus pares setoriais?

“No caso do resultado operacional, é interessante que a companhia e o setor estejam crescendo pelo menos na proporção do PIB (Produto Interno Bruto)”, afirma o economista. No caso do endividamento, a importância desse indicador deriva muito de cada setor, mas é importante estar atento a qualquer alteração mais drástica na dívida de uma empresa em relação aos seus pares, sobretudo se essa dívida veio de resultados financeiros, que foi exatamente o que culminou com a quebra da Sadia e da Aracruz.

De Telebras a Paranapanema
Há também o caso de empresas que ainda existem na Bolsa, mas que têm uma relevância quase nula se comparada com a de tempos atrás. Essa mudança fica nítida ao acompanhar a evolução do Ibovespa, o principal índice de ações da Bolsa brasileira. Ele é composto pelas ações mais negociadas no mercado e é revisado a cada quadrimestre pela BM&FBovespa.

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Se observarmos a primeira carteira teórica do Ibovespa a entrar em vigor, em 1968, apenas 6 das 27 ações que faziam parte do índice naquela época ainda permanecem por lá – Ambev (na época Antártica), Itaú Unibanco (na época Itaú América), Duratex, Lojas Americanas, Souza Cruz e Vale (na época Vale do Rio Doce). Boa parte das outras 21 ações não é mais negociada na BM&FBovespa, salvo algumas exceções, como é o caso da Alpargatas.

Um caso bastante emblemático é o da Telebras, que em 1997 respondia por mais de 50% da composição do Ibovespa. Na época, ela detinha o monopólio do mercado brasileiro de telecomunicações. Contudo, com a privatização do setor, a empresa foi cindida em 13 novas companhias. A separação deu origem a diversas “concorrentes” na Bolsa, como Telesp, Tele Norte Leste e Embratel, tirando o principal atrativo que ela tinha para os investidores, que era o monopólio, explica Vieira. Assim, ela aos poucos foi perdendo relevância no índice até deixar a carteira teórica em 1999. Atualmente as ações preferenciais da Telebras movimentam em média R$ 200 mil por dia na Bolsa, enquanto o giro financeiro médio de todas as ações negociadas normalmente ultrapassa a casa dos R$ 6 bilhões.

Já o caso da Paranapanema é diferente. A empresa já foi um dos maiores grupos empresariais do país, chegando a ter 73 companhias, mas em meados dos anos 90 ela se afundou em dívidas até ser vendida para um grupo de fundos de pensão de empresas estatais liderado pela Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil). Dessa forma, a empresa, que começou a década de 1990 com cerca de 25% de participação no Ibovespa, viu essa importância cair para menos de 1% no final de 1994, até finalmente ser retirada do índice no final de 1999.

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“É importante ter em mente que nada é pra sempre no mercado financeiro. O mercado está sempre mudando, e é preciso ficar esperto para se adaptar às mudanças e, quem sabe, se antecipar a elas”, conclui o economista da Souza Barros.

Esta reportagem foi sugestão do leitor Fábio Cruz. Quer sugerir uma pauta? Mande um e-mail para contato@revistainfomoney.com.br ou deixe comentários em nosso Facebook: facebook.com/InfoMoney.

Essa matéria foi publicada na edição 44 da revista InfoMoney, referente ao bimestre maio/junho de 2013. Para tornar-se um assinante da revista, clique aqui.

Thiago Salomão

Idealizador e apresentador do canal Stock Pickers