Efeitos no setor

CVC (CVCB3): salto de 25% na Bolsa após caso 123Milhas foi só “voo de galinha”? Analistas pregam cautela com ações

Reestruturações recentes, sequência de resultados negativos e pouca penetração no digital são fatores de cautela citados por especialistas

Por  Vitor Azevedo

Entre os pregões de terça e quarta, as ações ordinárias da CVC (CVCB3) acumularam uma alta de quase 25%, na esteira da notícia de que a sua concorrente, a 123 Milhas, abriu um processo de recuperação judicial (isso após cancelar uma série de viagens já marcadas de clientes).

A alta, em parte, pode ser explicada pela crença de que a companhia listada na Bolsa vai conseguir ganhar market share após a derrocada de duas das suas principais clientes – a Hurb, pouco tempo antes, também tinha apresentado problemas. Analistas, no entanto, ainda pregam cautela, o que também se reflete no desempenho no desempenho dos papéis nesta quinta-feira. No fim da manhã, os ativos caíam 5,47%, a R$ 2,59.

Mas há quem fale que o avanço mais forte dos papéis nessa quarta pode ter acontecido em parte por conta de um short squeeze, ou seja, por operadores que estavam vendidos a descoberto comprando ações para honrar seus empréstimos. Os papéis da companhia tinham, de acordo com o último XP Short Scout, um short interest de 11,9% do total de seus papéis negociados.

E o fato de uma fatia considerável das ações estarem vendidas, em grande parte, tem motivos em comum com  a justificativa que alguns especialistas usam para pregarem prudência.

“A CVC subiu forte ao final do pregão de terça e ontem estendeu os ganhos, impulsionada pelo anúncio do pedido de recuperação judicial da 123 Milhas. O mercado interpretou que a dificuldade da 123 Milhas abre espaço para a captura de market share pela empresa Entretanto, acredito que o movimento exige cautela”, diz Gabriel Costa, analista da Toro.

“Ela se encontra em uma situação também complexa e é preciso lembrar que há alguns meses ela precisou de um aumento de capital e renegociação de suas dívidas para se manter solvente”, acrescenta o especialista.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Cautela com CVC se dá em meio a reestruturações recentes

Cabe ressaltar que a companhia de turismo, em junho deste ano, levantou R$ 550 milhões em um follow on que diluiu acionistas e que foi realizado, majoritariamente, para melhorar a sua estrutura de capital. Antes disso, ela estava tendo problema para renegociar suas dívidas e rolá-las.

“Ontem mesmo a empresa anunciou ao mercado que uma oferta para a aquisição das debêntures pertencentes a 4ª e 5ª emissão, buscando desalavancar seu balanço. A alta é precipitada e reflete a especulação dos investidores ao redor do que pode acontecer”, completa Costa, mencionando o anúncio de compra de até R$ 75 milhões em títulos.

A CVC, antes da reestruturação de caixa, já havia passado por algo parecido do lado operacional.

Ela tem realizado desde 2021 um plano de corte de custos e buscado a integração de empresas que foram compradas durante a pandemia, com readequação de processos e fim de cargos duplicados.

Também em 2021, os executivos traçaram um plano para tentar avançar no digital, onde a CVC tem pouca penetração. A implementação de processos como o CRM (gestão de relacionamento com cliente, na sigla em inglês), por exemplo, foi feita apenas um ano atrás.

Continua no vermelho

No segundo trimestre de 2023, com parte da mudança operacional já aplicada e a pandemia já encerrada, a CVC, no entanto, voltou a ter prejuízo – algo que vem se estendendo de forma ininterrupta há quase dois anos.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

A última linha do balanço para o último período entre abril e junho foi negativa em R$ 167 milhões, com uma queima de caixa de R$ 64,4 milhões.

O resultado, para especialistas, elucida o fato de que, ao menos por enquanto, as mudanças aplicadas não foram sentidas no balanço.

Além do mais, há cerca de quatro meses, no meio das reestruturações, os diretores executivo (CEO) e financeiro (CFO) da empresa renunciaram aos seus cargos. Fabio Martinelli Godinho assumiu o cargo de presidente e Carlos Wollenweber foi eleito CFO.

“O mercado via o Leonel Andrade [ex-CEO] como uma figura de esperança, alguém que iria mudar a CVC. Porém, ele renunciou”, comenta Danielle Lopes, sócia e analista de ações da Nord Research.

Assim, a analista aponta uma sucessão de eventos que contribuiu para incerteza e, consequentemente, volatilidade das ações. “Primeiro, temos um histórico de prejuízos e, depois, sucessivas emissões. Eles fizeram em 2020, 2021, 2023. Irritaram bastante a base de acionistas, porque boa parte não quis participar de todas e foi diluída”, avalia.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Analistas divergem sobre ganho de share

O mau momento sustenta a dúvida na capacidade da empresa aproveitar a saída de seus concorrentes do mercado. Para expandir, é necessário gastar, o que demanda uma boa posição de caixa. Fora isso, a capacidade da CVC no mundo digital, onde passou a tentar galgar espaço recentemente, ainda não foi testada.

Neste cenário, analistas divergem entre o otimismo e o ceticismo sobre a capacidade da CVC de ganhar mercado com o enfraquecimento da 123Milhas.

“Acredito que é possível ver uma melhora operacional da CVC daqui pra frente. Acho que o pior já passou. Ela teve um aumento do prejuízo no terceiro trimestre, mas vem enxugando as despesas, focando mais no seu core, que está nos pacotes, fretamento, etc”, debate Vitorio Galindo, analista de investimentos da Quantzed. “Mas eu não acredito muito que ela irá aumentar seu market share por causa da crise do 123 Milhas”.

A CVC, para o especialista , compete em um nicho de público diferente das empresas afetadas recentemente, focada mais em consumidores mais velhos.

Para ele, o público da Hurb e do 123 Milhas é mais jovem e vai passar a comprar passagens nos sites das companhias aéreas e reservar hospedagem de forma direta – uma vez que adquirir pacotes completos sai mais caro.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Costa, da Toro, explica que ganhar demanda nem sempre é algo fácil e vai exigir esforços por parte da CVC. “Vimos, por exemplo, o mesmo movimento nas ações de Magazine Luiza MGLU3 após o pedido de recuperação judicial da Americanas AMER3, que saltaram 5,28% no dia que saiu a notícia da fraude. Entretanto, o que se teve na prática foi um excesso de otimismo, visto que na realidade os ganhos de mercado não aconteceram”, lembra.

Danielle Lopes, da Nord, afirma que apesar de acreditar que CVC oferecer uma marca antiga e de qualidade, desconfia da capacidade da companhia avançar por conta do seu track record (histórico).

“A tese do mercado agora é de que as pessoas vão conferir o tangível ao invés de comprar pacotes em um site no qual eles podem sofrer um golpe. Existe essa crise de identidade no setor de turismo. Mas tenho minhas dúvidas. Outras empresas, no passado, já deixaram o Brasil, caso da Avianca, e a CVC não necessariamente ganhou mercado”, indaga.

Fora isso, a especialista acredita que no curto prazo as pessoas que perderam dinheiro não voltarão a viajar, uma vez que foram lesadas e terão de se recuperar financeiramente. “A CVC até pode se beneficiar, mas pode demorar. Se aparecer algo positivo, vai ser daqui um ano, um ano e meio. Temos um delay. O mercado está otimista demais para algo que nem fez conta ainda e que não consegue tangibilizar”, menciona.

Por fim, José Eduardo Daronco, da Suno Research, tem uma posição um pouco mais otimista.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

“Inicialmente, devemos ver um cenário desafiador para hotéis e até companhias aéreas, dado que os consumidores provavelmente irão ou reagendar as viagens, ou até cancelá-las. Por outro lado, quando pensamos em algo mais longo, a CVC deve se beneficiar do caso. A competição pelos bilhetes aéreos tinha sido intensificada nos últimos anos, com players como 123 Milhas roubando market share da empresa. Como ela é mais confiável, a procura deve aumentar”, expõe.

Compartilhe