Correção ou bolha? Ações dos EUA cedem e renovam temor de queda prolongada

Valuations extremos, desaceleração do consumo e aumento de posições vendidas trazem de volta o ceticismo sobre o rali da bolsa americana

Paulo Barros

REUTERS/Brendan McDermid
REUTERS/Brendan McDermid

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O temor de que o rali das ações de tecnologia tenha ido longe demais voltou a dominar Wall Street nesta terça-feira (4). A correção que começou com a queda de Palantir e se espalhou por Nvidia, AMD e Amazon expôs a desconfiança de investidores diante de valuations que há meses desafiam a lógica dos fundamentos.

As ações da Palantir caíam 8,7% no início da tarde, mesmo com a empresa de análise de dados prevendo uma receita para o quarto trimestre acima das estimativas dos analistas. As ações deram um salto de quase 400% no último ano.

Os papéis das grandes empresas de tecnologia também tinham queda, com a Nvidia caindo 2,1%, a Alphabet perdendo 1,6% e a Microsoft recuando 1%. O setor de tecnologia da informação era o que mais pensava no S&P 500, com queda de 1,5%.

O Dow Jones Industrial Average caía 0,64%, para 47.035,36 pontos, enquanto o S&P 500 perdia 0,90%, a 6.790,53 pontos, e o Nasdaq Composite tinha queda de 1,22%, para 23.543,35 pontos.

O que desanimou o mercado?

Os balanços seguem robustos, mas o mercado deixou de premiar resultados fortes. E tudo piorou quando grandes bancos passaram a alertar sobre os preços estarem altos demais.

Segundo o Goldman Sachs, cerca de 70% das empresas do S&P 500 já divulgaram lucros, e 64% superaram as estimativas, um desempenho acima da média histórica. Ainda assim, as ações que bateram projeções subiram apenas 0,3% em média, bem abaixo do ganho típico de quase 1%. “O mercado deixou a barra mais alta sem avisar”, avaliou o estrategista Lee Coppersmith.

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O ponto mais sensível está nas empresas de inteligência artificial. As big techs aumentaram em US$ 50 a 60 bilhões suas projeções de investimento em IA apenas neste ano, elevando o capex previsto para 2026 a níveis inéditos: US$ 120 bilhões na Meta, US$ 122 bilhões na Alphabet, US$ 140 bilhões na Microsoft e US$ 161 bilhões na Amazon, segundo estimativas do Goldman. “A narrativa da IA segue forte, mas o desafio agora é saber se esses gastos vão gerar retorno de capital proporcional até 2026”, escreveu Coppersmith.

Essa escalada também preocupa o mercado de crédito, onde o financiamento de projetos de IA substituiu as fusões e aquisições como principal fonte de emissão de dívida corporativa. Empresas de tecnologia, mídia e utilities já respondem por quase 30% de toda a emissão em dólares em 2025, o que reforça a dependência de alavancagem para sustentar o ciclo de investimento.

Economia e Fed não ajudam

O pano de fundo de política monetária ajuda a explicar parte da virada de humor. Na véspera, a gestora Ibiuna destacou em sua carta mensal que, embora o Federal Reserve tenha reduzido os juros em outubro, “a mudança de tom deixou incertos os próximos passos do comitê”. O shutdown do governo, que já dura 35 dias, limita a disponibilidade de dados econômicos e contribui para a postura mais cautelosa do banco central. Segundo a gestora, o ciclo de cortes de juros segue em curso, mas em ritmo mais prudente.

Enquanto isso, surgem sinais de desgaste no consumo americano. Companhias de varejo e alimentação relatam orçamentos mais apertados e queda no fluxo de clientes, especialmente entre consumidores de renda média e jovens adultos. O contraste vem do consumo digital, que permanece mais resiliente entre clientes de maior renda, um retrato de um mercado cada vez mais desigual.

O que esperar agora?

No campo técnico, analistas como Rich Privorotsky, do Goldman Sachs, notam uma combinação de sinais técnicos negativos, combinados com queda das reservas bancárias abaixo de US$ 3 trilhões, fraqueza do consumo e piora do crédito privado. “Há muita coisa que não vem fazendo sentido há algum tempo”, afirmou.

David Solomon, do Goldman Sachs, disse que é “provável vermos uma queda de 10% a 20% nas bolsas nos próximos 12 a 24 meses”. Ted Pick, do Morgan Stanley, chamou uma correção de dois dígitos de “parte saudável do ciclo”.

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A tensão ganhou novos contornos nesta terça com a revelação de novas apostas de Michael Burry, gestor que previu a crise de 2008. Documentos da Scion Asset Management mostram que ele comprou opções de venda contra Nvidia e Palantir, poucos antes de publicar no X a mensagem: “às vezes, vemos bolhas”.

Um indicador concorda com a análise. O P/L de Shiller, utilizado para reconhecer comportamento de bolhas, ultrapassou um nível crítico pela segunda vez na história.

Mas outros grandes investidores rejeitam os cenários mais apocalípticos. A CEO da Ark Invest, Cathie Wood, afirmou na semana passada que o mercado de IA pode passar por uma correção, mas negou a ideia de que o setor esteja em uma bolha. “Nós vamos chegar a um momento no próximo ano em que a conversa vai mudar de taxas de juros mais baixas para taxas em alta”, disse a investidora, à CNBC.

Paulo Barros

Jornalista, editor de Hard News no InfoMoney. Escreve principalmente sobre economia e investimentos, além de internacional (correspondente baseado em Lisboa)