Como seria se a Bolsa do Rio de Janeiro ainda existisse?

Mercado financeiro não estaria tão concentrado em São Paulo e taxas para o investimento em ações poderiam ser menores se a BVRJ não tivesse fechado as portas

Felipe Moreno

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SÃO PAULO – Muito tem se falado sobre a abertura de uma nova Bolsa no Brasil para concorrer com a BM&FBovespa (BVMF3). Algumas das maiores empresas desse segmento no mundo já não fazem a menor questão de esconder o interesse em conquistar parte do mercado brasileiro de intermediação de negócios com ações ou até mesmo outros produtos financeiros. Mas pouca gente se lembra que, há pouco mais de duas décadas, o Brasil tinha uma segunda Bolsa com porte e relevância suficientes para encarar a concorrência da BM&FBovespa: a BVRJ (Bolsa de Valores do Rio de Janeiro).

Até a década passada, o país tinha, na verdade, outras sete Bolsas além da Bovespa e da BVRJ: BVES (Bolsa de Valores do Extremo Sul), BVBSA (da Bahia-Sergipe- Alagoas), BOVMESB (Minas Gerais-Espírito Santo-Brasília), BVPR (do Paraná), BVPP (de Pernambuco-Paraíba), BVRg (Bolsa de Valores Regional) e BVSt (de Santos). Bastante tradicional, a BVRJ foi, por décadas, o principal ambiente de negociações brasileiro e se firmou como palco das grandes privatizações da década de 1990. Mas um escândalo, envolvendo o investidor Naji Nahas, em 1989, ajudou a Bovespa a conquistar a liderança de mercado e, posteriormente, a engolir todos os concorrentes.

Na época, a Bolsa carioca jê era experimentada em crises. Havia sobrevivido ao período do “encilhamento” na República Velha, à crise de 1929 e aos grandes “crashes” dos mercados acionários nas décadas de 60 e 70. Desta vez, no entanto, não houve tempo para a Bolsa se recuperar dos erros operacionais e da crise de imagem com o escândalo Nahas. O plano Collor, que confiscou a poupança dos brasileiros no início dos anos 90, funcionou como o golpe fatal. Ao bloquear o resgate dos depósitos bancários de milhões de pessoas, o pacote governamental secou de vez a liquidez da Bolsa carioca, que chegou a passar dias sem negócios.

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Quando a economia brasileira começou a voltar à normalidade, a BVRJ já havia perdido o bonde da história. Em 1995, a Bovespa respondia por 85% do volume total de negócios com ações no Brasil – o restante era dividido entre todas as outras Bolsas. NA virada do milênio, a BVRJ padecia totalmente de liquidez, não chegando a movimentar nem R$ 10 milhões por dia, enquanto a Bovespa negociava mais de R$ 500 milhões. Com a credibilidade abalada e pouca liquidez, a BVRJ desistiu do mercado de ações no início dos anos 2000 e passou a negociar apenas títulos públicos, até ser engolida pela BM&F em 2002 por meio de uma fusão. Sob nova direção, a BVRJ acabou se transformando apenas em um centro de convenções.

Mas o que aconteceria se as duas Bolsas ainda estivessem funcionando? Em primeiro lugar, o mercado financeiro não estaria tão concentrado nas imediações da avenida Faria Lima, em São Paulo. Hoje o bairro do Itaim abriga a maior parte dos bancos de investimento, das gestoras de fundos e das corretoras do Brasil. Mas já houve um tempo em que uma parcela importante dessas empresas estava localizada na região central do Rio de Janeiro. A migração dos negócios em Bolsa para o pregão paulista teve, sem dúvida, sua parcela de responsabilidade nessa mudança geográfica.

Agora imagine que a BVRJ tivesse tido fôlego financeiro para continuar a investir em tecnologia e fosse até hoje um rival de peso para a BM&FBovespa. Talvez os preços cobrados dos investidores para a negociação de ações e para o registro e liquidação das operações fossem mais baixos. As taxas cobradas pela BM&FBovespa estão, segundo analistas, entre as mais altas do mundo – o que só parece possível em um ambiente monopolista. Ainda que se mostrassem dispostas a evitar uma guerra de preços, somente a possibilidade de haver migração de investidores ou empresas de capital aberto de uma praça para outra já daria maior poder de barganha aos clientes.

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Se as duas Bolsas ainda fossem rivais, a BVRJ poderia também servir de plataforma para o desembarque de alguma grande Bolsa estrangeira no Brasil. Quando ainda operava, a BVRJ tinha capacidade de competir com a Bovespa em igualdade de condições porque atuava tanto no mercado de negociação de ações como também se responsabilizava pela liquidação das operações, com a CLC (Companhia de Liquidação e Custódia), posteriormente comprada pela Bovespa. Hoje a falta de uma “clearing” que tenha estrutura para finalizar as transações fechadas é um dos grandes entraves para a vinda das maiores Bolsas dos EUA para o Brasil.

A BM&FBovespa já entendeu o valor da CBLC (Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia), responsável por registrar as operações realizadas no pregão e por fazer a transferência de dinheiro e dos ativos entre os participantes do mercado, e vem implementando um remanejamento na sua política de preços. A estratégia inclui o aumento das taxas de registro e liquidação de operações e a redução das taxas de negociação de forma que uma nova Bolsa que entre no Brasil sem uma “clearing” passe a fazer pouco sentido do ponto de vista econômica – ou então, ainda que seja criada, não tenha um impacto significativo sobre a rentabilidade da contendedora.

A própria CVM (Comissão de Valores Mobiliários) montou um painel para avaliar a possibilidade de que duas Bolsas coexistirem no Brasil e, de acordo com analistas que participaram desse estudo, chegou-se à conclusão que o país não suportaria a divisão, com a morte de uma delas no futuro. O motivo: o volume é muito baixo e as aberturas de capital são muito poucas para justificar esse desmembramento. Mesmo que tivesse sobrevivido, portanto, a BVRJ não teria vida fácil nos dias de hoje.

Naji Nahas, o homem responsável pela queda da BVRJ
Se a perda de credibilidade da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro pudesse ser imputada a alguém, entraria na conta do libanês Naji Nahas, que veio morar no Brasil no final da década de 60 e depois se naturalizou. Em meados da década de 1980, o investidor começou a fazer megamovimentações na bolsa carioca, principalmente envolvendo ações da Petrobras – empresa da qual ele era o maior investidor pessoa física. Para se ter uma idéia de quão importante era Nahas para a BVRJ, uma única operação dele em abril de 1988 respondeu por 60% de todo o volume naquele mês.

Nahas tomava dinheiro emprestado para movimentar suas ações, ganhando na arbitragem do crédito e da hiperinflação – algo que ele diz que era comum na época. De acordo com informações da CVM, o libanês chegou a ter mais de 100 laranjas que compravam e vendiam ações para o próprio investidor com o objetivo de inflar a cotação dos papéis. Em 1989, porém, a Bolsa decidiu proibir os bancos de conceder esse tipo de empréstimo, e o megainvestidor ficou inadimplente, o que criou um efeito bola de neve na Bolsa e a fez despencar.

Nahas teve a prisão preventiva decretada e foi multado em cerca de R$ 10 milhões pela CVM por conta do esquema. Em 1997, ele foi condenado a cumprir prisão por 24 anos e 8 meses pela 25ª Vara Federal do Rio de Janeiro, mas recorreu e ganhou o direito de ficar em liberdade. Em 2007, a Terceira Turma do Tribunal Regional da 2ª Região declarou a inexistência de qualquer crime e inocentou o especulador. Ele, então, resolveu processar a BM&FBovespa – agora dona de BVRJ -, pedindo R$ 10 bilhões por “danos morais”.

Essa matéria foi publicada na edição 47 da revista InfoMoney, referente ao bimestre novembro/dezembro de 2013. Para tornar-se um assinante da revista, clique aqui.

Nota de esclarecimento
Na edição 48 da revista InfoMoney foi publicada uma carta da assessoria de imprensa de Naji Nahas sobre esta matéria. Segue a íntegra do comunicado:

“A reportagem trouxe acusações e levantou suspeitas sobre Naki Nahas sem fundamentação.

O episódio envolvendo a BVRJ ocorreu em 1989, mas ela deixou de negociar ações apenas em 2000, mais de uma década depois, portante, não faz sentido responsabilizar Nahas pela perda de credibilidade daquela bolsa. Além disso, a justiça o inocentou dos crimes que foram imputados a ele na época. Também não procede a informação de que Nahas teria usado 100 laranjas que compravam e vendiam ações para o próprio investidor com o objetivo de inflar a cotação do papéis.

Ao contrário do que já foi publicado por diversos veículos de comunicação, Nahas não manipulou ou elevou artificialmente os preços de ações de forma ilícita. Em artigo publicado no Valor Econômico em 05/06/2007, o ex-ministro Delfim Netto afirmou que o fato ocorrido há mais de 20 anos estigmatizou, injustamente, um operador que era muito avançado para o seu tempo no Brasil, com nahas sendo comprometido numa nebulosa operação que estaria elevando artificialmente as cotações de ‘blue chips’, comprando e vendendo tais ações ao mesmo tempo. Tal crime era impossível e a prova mais cabal disso é que menos de 100 depois as cotações voltaram (sem Naji Nahas) aos níveis anteriores.

O episódio envolvendo a Bolsa do Rio é um daqueles casos em que uma pessoa é escolhida como vilã e passa a carregar essa marca, independente de, mais tarde, os fatos provarem o contrário.”