Como cortar gastos e melhorar o planejamento financeiro para sobreviver à pandemia

Salários de funcionários do setor privado podem ser cortados em até 70%. Você consegue cortar seus gastos junto?

Paula Zogbi

(gettyimages)

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SÃO PAULO – O governo Bolsonaro publicou no início de abril a Medida Provisória que autoriza o corte de jornada e de salário do trabalhador em 25%, 50% ou 70%. O mesmo texto também prevê suspensão do contrato e indica o pagamento de auxílio aos trabalhadores que tiverem renda reduzida – mas que não compensa necessariamente o total que tiver sido cortado do salário.

Qualquer funcionário CLT de empresa privada está sujeito a uma queda temporária na renda, a não ser que receba até um salário mínimo (caso em que a compensação do governo cobrirá toda a redução).

Em nenhum desses casos o corte salarial chega efetivamente a 70%, graças à compensação do governo – mas pode ficar muito próximo a isso. Como o seguro-desemprego é usado para a base de cálculo do auxílio do governo, e tendo ele um limite, acaba que o trabalhador com maiores salários sofre as maiores reduções pelas regras impostas.

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Quem ganha R$ 4 mil por mês, por exemplo, pode acabar com um salário temporário de R$ 3.453,26 se houver redução de 25%, já com a compensação do governo; R$ 2.906,52 no caso de corte de 50% ou R$ 2.469,12 para uma redução de 70%. Um salário de R$ 10 mil pode ser transformado temporariamente em uma remuneração de R$ 4.269,12 em caso de redução de 70%.

O InfoMoney conversou com professores e planejadores financeiros para ajudar um trabalhador afetado – ou com receio de ser enquadrado nessa regra – a cortar gastos para compensar essa potencial queda na renda.

Refaça suas contas

Letícia Camargo, planejadora financeira CFP, lembra que outros aspectos da rotina mudaram totalmente em decorrência da quarentena. “A primeira coisa que você precisa fazer é calcular meticulosamente suas novas receitas e suas novas despesas no período de isolamento”, diz.

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“Você possivelmente não gasta mais com cinema, não gasta mais com transporte, mas sua conta de luz pode ter aumentado”, exemplifica. “Para que você precisa de um plano de dados enorme no celular se está o dia inteiro no Wifi?”

Segundo a mais recente Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com dados de 2017 e 2018, transporte foi o segundo maior gasto dos brasileiros no período, correspondendo a 18,1% na média. Esse provavelmente é um gasto facilmente cortado mediante o cenário de quarentena.

Myrian Lund, professora dos cursos de MBA da FGV, forneceu ao InfoMoney a versão simplificada da planilha de gastos mensais mais comum para um lar brasileiro. “Monte uma planilha com absolutamente todos os gastos que você vai ter nos próximos 12 meses para selecionar o que é passível de postergação, negociação e cancelamento”.

A partir da avaliação desses itens, ela diz, é possível identificar os que serão mais facilmente dispensados. “Tudo está contribuindo para você ter menos gastos: o ideal é não beber, para não baixar a imunidade, por exemplo”, diz. “O brasileiro nunca fez esse exercício de avaliar as finanças, essa é uma oportunidade, é até interessante”.

  Valores mensais
Receita Total  
Investimentos  
Despesa Total  
1.Moradia
2.Alimentação/Limpeza
3.Transporte
4.Saúde
5.Educação/Filhos
6.Despesas pessoais
7.Lazer
8.Despesas parentes
9.Animais de estimação
10.Bancos e prestações
Saldo  Fluxo de Caixa do mês  

Reserva de emergência é para isso

Feitas as contas, não necessariamente será imprescindível cortar itens do orçamento ou contrair novas dívidas. “Se a pessoa já estava fazendo uma reserva de emergência, o que é o ideal, ela pode usar parte desse dinheiro. É o que aconteceria se todos seguissem a cartilha”, diz Leticia.

“Muitas pessoas que economizam e fazem a reserva ficam com pena de usar e acabam se endividando”, diz Marisa Dornelles, planejadora financeira pela Planejar. “Esse é o momento de calcular por quanto tempo essa reserva pode durar e usar de forma equilibrada.”

Quem tem investimentos com liquidez, como CDBs, Tesouro Selic ou até poupança, deve incluir esse dinheiro na planilha, para uso consciente. Vale destacar que, por não haver certeza sobre quando a crise deve terminar, sempre é importante calcular menos que o total para uso nesses três meses iniciais em que as medidas do governo anti-crise estão em prática.

Também não vale usar reserva de emergência para gastos totalmente supérfluos. “É fácil se desfazer daquilo que a pessoa paga e nem está usufruindo. Não vai ser um problema se desfazer desse gasto”, diz a Letícia. “Só com isso, quem já é organizado financeiramente consegue reduzir os gastos como precisa e não precisa tomar decisões sem pensar: não precisa se mudar para um apartamento menor e mais barato sem saber por quanto tempo viveremos essa situação.”

Não essenciais vão primeiro

Depois do excesso, os gastos não essenciais são os primeiros que devem deixar a rotina de quem quer economizar. “De repente você tira a TV a cabo, tenta economizar na conta de luz”, lista Marisa. “As pessoas não têm consumo consciente em relação a compras de supermercado, por exemplo”.

As especialistas citam outros gastos que não são totalmente dispensáveis, mas podem ser evitados, como compras pela internet (incluindo delivery) e tarifas bancárias (hora de ligar para o banco e avisar que não quer nenhuma tarifa atrelada à sua conta). “Tire tudo o que você tiver no débito automático”, enfatiza a professora Myrian.

“Você pode estar pensando em ajudar o comércio local, fazer doações, mas não adianta fazer isso se não tiver como arcar com as próprias despesas. É igual no avião: em caso de despressurização, primeiro você coloca a sua máscara, e só depois ajuda quem precisa”, compara Letícia.

Negocie tudo

Myrian diz que é possível derrubar os gastos em 70% e defende que os credores tendem a compreender com maior facilidade os motivos dos devedores. A negociação, segundo as especialistas, é uma ciência que deve ser estudada com afinco agora – e posta em prática.

“Os bancos estão postergando pagamentos, por exemplo, a Caixa já está permitindo pausar por dois meses a parcela do financiamento imobiliário; muitas escolas estão diminuindo temporariamente as mensalidades”, exemplifica Marisa.

Conforme a POF, habitação é o maior gasto do brasileiro, representando 36,6% do orçamento familiar na média nacional e chegando a 39% na região Sudeste. Esse é, portanto, um item que deverá ser avaliado se houver necessidade de enxugar os custos bruscamente – ainda que não seja possível cortá-lo por completo.

“Se você fez as contas e descobriu que precisa de 30% de desconto no seu aluguel, ligue para a imobiliária ou para o proprietário e peça 50% de desconto. É assim que se negocia, o brasileiro não sabe fazer isso”, aponta Myrian.

“Se você não tiver condições de pagar o condomínio, neste momento ninguém vai poder entrar na justiça contra você”, completa. “Lembre-se apenas que você vai ter que pagar isso futuramente.”

O mesmo vale para todos os gastos essenciais. “Se você está fazendo terapia online, por exemplo, tente negociar um valor temporário. O mesmo vale se tiver uma microempresa com contador”, diz.

Atenção às entrelinhas

Quando a negociação for com o banco, é importante redobrar a atenção. “Se você solicitar o parcelamento da fatura do cartão de crédito online, a taxa vai ser de 8% ao mês, é um absurdo”, alerta a professora da FGV: “Não faça nada no automático”.

Ela aconselha que o cliente consulte seu score de crédito antes de ligar. Uma boa pontuação é a partir de 600 pontos. “Se for adimplente, você precisa ligar para o banco e dizer que não aceita a taxa padrão: quem paga em dia consegue uma taxa de 2%, 3% no máximo”.

O adiamento de dívidas por até seis meses, anunciado pelos bancos como uma das medidas para atenuar os efeitos da crise, também deve ser muito bem estudado antes de assinar o contrato. “Os bancos estão jogando as taxas lá para cima com medo da inadimplência”, lembra a especialista.

Caso não haja conversa que faça o gerente oferecer uma boa taxa, o jeito é deixar de pagar e esperar para fazer uma negociação no futuro. “Melhor sujar seu nome e depois conseguir uma negociação ganha-ganha com a instituição. Nunca faça uma dívida com taxas que não pode pagar”.

Considere fazer uma renda extra

Especialmente quem for afetado pela regra que reduz o salário também deve conseguir mais tempo livre durante a pandemia, já que ela está atrelada a uma redução na jornada.

Nesses casos, é interessante buscar formas de conseguir renda extra remotamente. “Se você sabe inglês, por exemplo, pode buscar plataformas para dar aulas”, diz a planejadora Marisa Dornelles. O mesmo vale, segundo ela, para todas as áreas: dar aulas do que se sabe online ou mesmo vender produtos pela internet pode ser uma saída para não precisar se endividar mais.

Paula Zogbi

Analista de conteúdo da Rico Investimentos, ex-editora de finanças do InfoMoney