Com vacina próxima, Wall Street tem movimento de rotação de ações, mas analistas seguem vendo techs como atrativas

Ações de valor ganham espaço na carteira dos investidores, mas analistas destacam que ainda há espaço para alta de papéis de tecnologia

Lara Rizério

(Shutterstock)

SÃO PAULO – Nas últimas semanas, muito tem se falado da rotação de portfolio de ações da chamada “nova economia” para a “velha economia”. Com isso, os investidores estariam saindo de ações de “crescimento”- empresas em rápida expansão com potencial não realizado – para ativos de valor – papéis de empresas com receita estável e alto rendimento de dividendos – e cíclicos.

O movimento não é diferente nos EUA, acontecendo em especial no mês de novembro, quando se concentrou a maior parte das boas notícias sobre as vacinas contra o coronavírus, aumentando a esperança de que o mundo pudesse começar a normalizar suas atividades já em 2021.

Com isso, papéis de “techs” passam a registrar uma alta menos expressiva; o setor teve um forte rali durante a pandemia por conta das medidas mais restritivas de mobilidade. Enquanto isso, com forte queda no acumulado de 2020, bancos, petroleiras e aéreas registram uma alta mais consistente no mês.

A avaliação é de que, com a vacina e um crescimento econômico global mais forte, as ações de valor, mais sensíveis ao desempenho da atividade, passariam a ter um desempenho mais positivo. Mas, além disso, também beneficiaria alguns mercados internacionais, que possuem mais participação em seus índices ​​em ações de valor na comparação com os EUA.

Entre os exemplos, enquanto o S&P500 avançava 9,41% em novembro até a tarde desta segunda-feira (23), papéis ligados ao setor de petróleo e energia, como a Devon Energy (maior empresa independente do setor de petróleo e gás natural dos EUA) e a Diamondback Energy (que atua na exploração de hidrocarbonetos) registravam ganhos acima de 40% no mesmo período. Contudo, vale destacar, os papéis ainda registram baixa superior a 48% e 57% , respectivamente, no acumulado do ano.

Por outro lado, na Nasdaq, enquanto o índice registrava ainda ganhos ainda mais fortes no acumulado do mês, de 7,72%, papéis como da companhia de videoconferências Zoom, que possibilitou reuniões de negócios em época de home-office ,registravam baixa de 4,62% no período (e queda de 18,14% nos últimos trinta pregões). Em 2020, contudo, os ganhos ainda são de 546%.

“Estamos à beira de um rali sustentado em valor”, avaliaram os estrategistas do JPMorgan, liderados por Davide Silvestrini e Marko Kolanovicl em relatório recente. Eles expressam confiança de que “esta rotação tem espaço para continuar por muito mais tempo, devido ao desempenho inferior de ações de valor registrado nos últimos anos”.

O desempenho abaixo do setor de valor dos EUA é histórico, conforme levantamento feito pelo site americano especializado em investimentos Barron’s. O fundo negociado em bolsa iShares Russell 1000 Growth, que conta as ações de crescimento no índice Russell 1000 (as 1.000 principais empresas dos EUA, classificadas por valor de mercado), subiu 28% este ano, contra uma queda de 5% para o ETF iShares Russell 1000 Value, de ações de valor. Desde o final de 2016, o índice Russell 1000 Growth superou o índice Russell 1000 Value em quase 100 pontos percentuais.

Assim, há oportunidade das ações de valor diminuírem a diferença em relação às techs – mas riscos para o cenário, incluindo contratempos inesperados com relação à efetividade e distribuição da vacina e uma recuperação mais fraca do que o previsto na atividade econômica.

Vale ressaltar que, com a alta dos casos da Covid nos EUA e na Europa Ocidental, as perspectivas econômicas de curto prazo pioraram o que, por algumas sessões, têm impactado novamente as ações de crescimento, o que aumenta a preocupação de que este seja apenas um “falso alvorecer” do investimento em valor dos últimos anos.

Jim Paulsen, estrategista-chefe de investimentos do Leuthold Group, contudo, afirma estar bem otimista com as ações de valor. Ele argumenta que a economia e os lucros possuem uma perspectiva promissora em 2021 por causa do efeito defasado do estímulo monetário e fiscal deste ano nos EUA, bem como do corte de custos corporativos que se seguiu ao início da pandemia nos EUA.

As empresas reduziram fortemente os custos em meio à pandemia, observa ele. “O objetivo era sobreviver e elas cortaram os custos com mais força do que nunca”, diz ele. “Quando a demanda voltar, os lucros voltarão muito mais rápido porque as empresas reduziram drasticamente de tamanho”, avalia.

Dividindo protagonismo

Apesar dos estrategistas destacarem as ações de valor com uma perspectiva positiva, os papéis de ações que brilharam em 2020, ainda que não na reta final, caso de techs, também contam com boas projeções de ganhos. Desta vez, contudo, dividindo o protagonismo.

“Algumas mudanças aceleradas durante a pandemia vieram para ficar”, ressalta Fernando Ferreira, estrategista-chefe da XP Investimentos, destacando o uso de ferramentas online para realizar compras, por exemplo. “O que pode haver é uma recuperação maior desses setores mais tradicionais que ficaram para trás, mas as empresas de tecnologia também vão continuar registrando bons desempenhos”, avalia.

Na mesma linha, os estrategistas do Credit Suisse, com a equipe de analistas liderada por Jonathan Golub, têm posição overweight (exposição acima da média do mercado) para o setor de tecnologia, finanças e ações de saúde, ao mesmo tempo que se mantém neutro em segmentos cíclicos, mais dependentes do momento da economia.

O Credit aponta que o índice S&P 500 pode subir outros 12% até o fim de 2021 com a volta à normalidade após a pandemia de Covid-19, podendo atingir o nível de 4.050 pontos até o final do próximo ano. “Quando olhamos para 2022, o vírus será uma memória desbotada, a economia robusta, mas em desaceleração, a curva de juros mais inclinada e a volatilidade mais baixa”, disseram.

No caso de techs, os estrategistas avaliam que os fundamentos continuam interessantes, principalmente lastreado por um nível de vendas mais forte, margens mais altas, fluxo de caixa robusto, baixa alavancagem.

Apesar da continuidade do ânimo com outro setor, um outro fator que é levado em conta para as techs é o aumento da volatilidade nas ações do setor com a vitória de Joe Biden nas eleições dos EUA. Contudo, esse temor diminuiu com o fato de que não se confirmou a “onda azul” no Senado, ou seja, não houve uma predominância do Partido Democrata na casa legislativa, o que facilitaria a aprovação de medidas de regulação das techs (veja mais clicando aqui).

Antes da eleição americana, a Verde Asset havia reduzido o tamanho da posição nas empresas, também apontando que elas deveriam estar no foco do governo em termos regulatórios, conforme apontou  Daniel Campion, gestor de ações globais da gestora, referindo-se a Facebook (FBOK34), Apple (AAPL34), Amazon (AMZO34) e e Google (GOGL34). Apesar disso, ele ressaltou que o setor ainda tem potencial de alta bastante interessante em um horizonte de médio e longo prazo.

A recuperação econômica, afirma ele, tem sido na forma de uma letra “K”, com as empresas do meio digital em momento completamente distinto daquelas que ainda sofrem com o distanciamento social, como de viagens e lazer.

Pelos cálculos da Verde, o lucro esperado para as empresas de tecnologia com ações no S&P 500 deve cair cerca de 4% em 2020. Para as demais empresas de caráter mais cíclico, o tombo deve ser mais próximo de 40%. Já para 2021, a expectativa é que a diferença seja menor, com os setores que ficaram para trás. Veja mais clicando aqui. 

Outros segmentos estão atrativos? 

Para os outros setores, os estrategistas do Credit Suisse ressaltam que o momentum positivo para as ações cíclicas deve continuar no curto prazo. Contudo, cabe lembrar que a maior parte da recuperação econômica já aconteceu e a tendência é de alguma moderação daqui para frente. “Apesar de esperarmos uma forte recuperação, o cenário para três anos não parece tão animador”, avaliam os estrategistas.

Para o setor financeiro, os bancos devem se beneficiar de uma volta de crédito, alta nos valores de transações, em um cenário em que os valuations estão baratos e as estimativas para o setor parecem bastante conservadoras.

Já os segmentos não-cíclicos (menos dependentes do momento de alta e baixa da economia), com exceção ao setor de saúde (que tem projeção de alta no lucro), devem ficar um pouco para trás em um cenário de retomada econômica.

Golub e equipe, contudo, destacam que, apesar de estarem otimistas, avaliam que existem uma série de riscos. Os principais seriam um excesso de otimismo do mercado, dificuldades na produção e distribuição da vacina, possíveis shutdowns que poderiam atrapalhar a temporada de festas e dificuldades políticas para novos estímulos para a economia americana (um bom exemplo disso já foi registrado durante o conflito da última semana entre Federal Reserve e Tesouro dos EUA sobre a extensão dos programas de estímulos, veja mais clicando aqui).

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.