Cheque especial: bancos não serão tão impactados com limite de juros, mas intervenção preocupa

Decisão de limitar juros é vista como marginalmente negativa para bancos, mas que elimina um risco para o setor; porém, tom regulatório não foi bem visto

Lara Rizério

Publicidade

SÃO PAULO – A decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) da noite da última quarta-feira (27) de mudar as regras do cheque especial com a intenção de reduzir taxas praticamente pela metade, a 150% ao ano, geraram um pouco de pressão para as ações do setor bancário. Os papéis do Itaú Unibanco (ITUB4), Banco do Brasil (BBAS3), Bradesco (BBDC3;BBDC4) e Santander Brasil (SANB11) chegaram a registrar baixa de mais de 1%, mas amenizaram as quedas durante o pregão desta quinta.

Porém, mais do que o impacto nos bancos, uma preocupação ganhou espaço no mercado foi a intervenção governamental, reduzindo os juros ao distribuir o custo desta modalidade para todos os clientes.

Duas medidas são destacadas na resolução: i) o limite de 8% nos juros cobrados na modalidade; e ii) a permissão aos bancos para cobrarem tarifas pelo saldo pré-aprovado não utilizado do cheque, de 0,25% ao mês no que exceder R$ 500, autorizado a partir de 1 de junho de 2020. Assim, para quem tem um limite menor que de R$ 500 por mês, não serão cobradas as tarifas. Ambas as medidas apenas afetam pessoas físicas.

Masterclass

As Ações mais Promissoras da Bolsa

Baixe uma lista de 10 ações de Small Caps que, na opinião dos especialistas, possuem potencial de valorização para os próximos meses e anos, e assista a uma aula gratuita

E-mail inválido!

Ao informar os dados, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

De acordo com o Credit Suisse, o impacto final para os bancos deve ser bem mais limitado do que as notícias podem sugerir, uma vez que as instituições financeiras devem ter a capacidade de compensar o impacto através da taxa para o cliente acessar o limite pré-aprovado. Além disso, há a possibilidade de reduzir o capital alocado, caso necessário.

Dados do BC apontam que as taxas atualmente são de 12,4 bilhões, mas o saldo não é significativo, sendo de R$ 26 bilhões, ou 0,8% do crédito do Sistema Financeiro Nacional. Enquanto isso, todos os limites somados totalizam R$ 350 bilhões – a tarifa incidirá sobre este valor maior, ainda que não seja usado.

“O cenário onde os bancos podem cobrar tarifa dos clientes com um limite de credito pré-aprovado deixa nosso mercado mais alinhado com as práticas internacionais”, afirmam Marcelo Telles, Otavio Tanganelli e Alonso Garcia.

Continua depois da publicidade

A nova resolução visa corrigir distorções no produto que, no cenário atual, tende a sobrecarregar os indivíduos de baixa renda. Embora seja simplesmente uma linha de conveniência para indivíduos de alta renda, o produto acaba sendo usado principalmente por clientes de renda mais baixa, que pagam uma alta taxa de juros de forma a compensar o custo de alocação de capital para os limites de crédito pré-aprovados para toda a base de clientes dos bancos.

A possibilidade de permitir que os bancos cobrem taxas é fundamental para solucionar esse desequilíbrio (e de acordo com a maioria dos padrões internacionais), pois coloca parte do ônus para indivíduos com limites de crédito pré-aprovados mais altos, destacam os analistas do Credit.

Conforme ressalta a XP, contudo, a cobrança de tarifas é algo complexo. A equipe de análise destaca que a possibilidade de cobrança de tarifas no limite não utilizado do cheque especial deve agregar receitas de serviços aos bancos, que já estavam pedindo para ter tal possibilidade.

“Porém, a cobrança de tarifas deteriora ainda mais a experiência dos clientes, principalmente por pensarmos que a cobrança de tarifa sob saldo não utilizado seja mais elástica do que a cobrança de juros sob saldo utilizado. Em um cenário já competitivo, com fintechs e novos entrantes cada vez mais agressivos, não acreditamos que essa seja uma boa medida para os bancos”, afirma a XP.

Para os analistas do Credit, o impacto para o sistema bancário será entre R$ 2 bilhões e R$ 6 bilhões, algo equivalente a 1% e 3% do lucro líquido esperado para 2020 dos quatro maiores bancos que eles possuem recomendação (Itaú, Bradesco, Santander e BB).

O Itaú BBA, por sua vez, avaliou em relatório a clientes que a medida é “levemente negativa para os bancos, dada a possível redução de lucros, que pode ser parcialmente compensada com uma melhor alocação de capital”.

“A receita de crédito deve diminuir, mas ser parcialmente compensada por um aumento nas tarifas”, escreveu Marcos Assumpção, em relatório a clientes, acrescentando que a previsão é de que os ganhos possam cair cerca de 3% para os grandes bancos.

De acordo com o analista, o impacto no ROE [retorno sobre o patrimônio líquido, ou lucro líquido sobre o patrimônio líquido] será minimizado por uma alocação eficiente de capital, devendo haver uma redução do ROE médio esperado para 2020 em 9 pontos-base.

Vantagens e desvantagens

Mesmo com a expectativa de redução dos lucros, um ponto positivo visto pelo Credit do anúncio do CMN para os bancos é a eliminação de um dos últimos potenciais riscos regulatórios para o setor – e que mesmo assim não deve ter um impacto tão grande quanto chegou a ser sugerido.

Os analistas lembram que a possibilidade de alguma medida nesta linha já havia sendo ventilada há algum tempo, o que provavelmente contribuiu para a performance um pouco pior dos papéis do setor nas últimas semanas.

A XP, por sua vez, avalia que a resolução no geral é um sinal negativo para os bancos, principalmente pelo tom do regulador de intervir diretamente no crédito.

“A inadimplência acima de 90 dias do cheque especial para pessoas físicas é de 15,6%, a maior dentro do Sistema Financeiro Nacional, acima mesmo da inadimplência de renegociação de dívidas. É um crédito ‘clean’, sem garantias”, aponta.

Além disso, o Banco Central ainda publicou outras duas resoluções que são vistos como negativas para o setor. São elas: i) portabilidade de crédito, o que não é bom para os grandes bancos, que concentram mais de 80% do crédito do mercado; e ii) possibilidade das cooperativas de captarem poupança para o financiamento do setor imobiliário, o que deve aumentar a competição no segmento.

Em nota, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) criticou a decisão do BC de adotar o limite para a taxa de juros do cheque especial.

“A Febraban considera positivas iniciativas para buscar maior eficiência e permitir a redução dos subsídios cruzados no sistema de crédito. Preocupa, entretanto, a adoção de limites oficiais e tabelamentos de preços de qualquer espécie. Medidas para eliminar custos e burocracia e estimular a concorrência são sempre mais adequadas aos interesses do mercado e dos consumidores”, disse a federação, em nota.

Já o diretor executivo de Estudos e Pesquisas Econômicas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel José Ribeiro de Oliveira, afirmou considerar positiva a limitação dos juros, mas acredita que o ideal era que a tarifa não fosse criada.

“Esse é o lado negativo – se criou uma tarifa. Poderia muito bem baixar a taxa, sem criar essa tarifa. De qualquer forma, do ponto de vista de taxas de juros, a medida é boa. A taxa média do cheque especial estava em 305% ao ano, mas alguns bancos cobram mais de 600% ao ano”, disse ele à Agência Brasil.

Quer investir melhor o seu dinheiro? Clique aqui e abra a sua conta na XP Investimentos

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.