Brisanet (BRIT3), Unifique (FIQE3) e Desktop (DESK3): o que esperar dos ISPs após perdas de até 85% desde o IPO?

Investidores questionam se os provedores regionais de banda larga serão capazes de continuar crescendo após leva de aquisições

Mitchel Diniz

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Os provedores de serviços de internet (ISPs, na sigla em inglês) que lançaram ações na Bolsa durante a pandemia estão prestes a completar dois anos de listagem. Mas a performance dos ativos ao longo desse tempo não inspira motivos para comemorações. Brisanet (BRIT3), Unifique (FIQE3) e Desktop (DESK3) valem, hoje, menos da metade de quando estrearam na B3 e continuam sendo papéis de baixa liquidez.

O desempenho reflete os desafios de um negócio bastante pulverizado no país. Apesar do seu potencial de consolidação e crescimento, as companhias vêm sentindo o impacto dos juros altos da economia.

Estima-se que haja mais de 10 mil ISPs no Brasil. As poucas empresas que se listaram na Bolsa vieram de uma primeira onda de fusões e aquisições de pequenos operadores regionais, buscando o capital de acionistas para viabilizar sua expansão.

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Brisanet, Unifique e Desktop fizeram suas ofertas públicas de ações em julho de 2021, com poucos dias de diferença. À época, o Banco Central já tinha começado a subir juros, mas a taxa Selic estava em 4,25%. “O investidor via necessidade de aportar em renda variável e os ISPs eram uma maneira de alocar recursos nesse setor”, diz Érico Nikaido, sócio da Ártica, escritório independente de assessoria financeira.

No ano dos IPOs dos ISPs, as prestadoras de pequeno porte tinham em torno de 47% do market share de banda larga do país. Ao final de 2022, a fatia havia passado de 51%. A proporção vem se mantendo: de acordo com o último dado disponível da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), essas empresas somaram 23,6 milhões de conexões em março, mais da metade dos  45,7 milhões de acessos à banda larga fixa registrados no período.

Os ISPs se beneficiaram com a substituição da chamada rede legada, de cabos coaxiais e metálicos, para a fibra óptica. Essas empresas se expandiram, sobretudo, em regiões interioranas onde as grandes operadoras não chegavam ou simplesmente não tinham interesse de estar, por questões estratégicas.

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Os provedores regionais preencheram esse gargalo oferecendo serviço de qualidade e contando com alguns diferenciais competitivos. As “big telcos” precisam arcar com os custos das redes legadas enquanto modernizam suas infraestruturas. Os ISPs, por sua vez, já implementaram suas redes com a tecnologia mais rápida, a fibra óptica.

Assim, o trio de provedores chegou a B3 com receitas fortes e margens mais altas que as das grandes empresas do setor. “Um dos principais desafios das ‘big telcos’ é repassar a inflação para o preço ao consumidor e conseguir crescer mais as suas receitas. Os ISPs, por sua vez, não têm essa base de acessos legados, que são ‘detratores’ do faturamento”, afirma Marco Nardini, analista da XP que acompanha o setor de telecomunicações.

Mas por que as ações caíram tanto?

Dos três provedores regionais, a Brisanet foi a que mais perdeu valor de mercado desde o IPO. Até o fechamento da última terça-feira (23), as ações recuaram 84,54%, de acordo com levantamento da TradeMap, feito a pedido do InfoMoney. Desktop recuou 58,94% desde sua estreia na Bolsa e a Unifique, por sua vez, acumula perdas de 56,81%.

Nardini explica que o cenário macroeconômico desafiador foi estopim para uma rotação nas carteiras dos investidores. Eles abandonaram posições em empresas que levam mais tempo para dar retorno sobre o investimento, como é o caso dos ISPs.  “Também houve uma mudança significativa, de desaceleração do crescimento orgânico dessas empresas, por conta do macro e de uma competição mais acirrada em todas as regiões”, explica.

“Tem um ceticismo do investidor sobre a perpetuidade do mercado de fibra óptica, que já é bastante penetrado e ainda vai passar por uma consolidação”, complementa.

Matheus Nascimento, analista da Levante Corp, avalia que a estrutura dessas empresas reflete um maior nível de risco ao investidor, que acaba optando por Telefônica Brasil/ Vivo (VIVT3) e TIM (TIMS3) para se posicionar no setor, por serem empresas com histórico de robustez. “Isso é importante em um cenário de  juros altos, no qual os investidores, sejam institucionais ou pessoa física, levam em conta a menor assimetria entre risco e retorno para incluir empresas em seus portfólios”, afirma.

Os pequenos provedores de internet também precisam de capital intensivo para concretizar sua tese de expansão. Não à toa, os investimentos dessas empresas crescem de forma muito mais acelerada do que os das grandes operadoras, que conseguem captar recursos a custos menores.

“Em termos percentuais, nos últimos três meses, o percentual médio de capex evoluiu em mais de 100% de um trimestre para o outro. Para se ter uma base de comparação, Vivo e TIM, possuem algo na casa de 65%”, diz Nascimento.

Margens mais comprimidas

Em vez de investir numa rede própria, a TIM utiliza a infraestrutura das parceiras I-Systems e V.tal, da qual a Oi (OIBR3;OIBR4) é sócia. Alberto Griselli, CEO da operadora, declarou recentemente que a companhia deve continuar crescendo em banda fixa de acordo com uma estratégia “asset light”. Ele avalia que há um excesso de provedores no Brasil e disse que a TIM, por enquanto, não tem planos de ser uma consolidadora do setor.

Christian Gebara, CEO da Telefônica Brasil/ Vivo, por sua vez, disse que a empresa não descartaria uma oportunidade de aquisição. Porém, avalia que existe uma sobreposição de redes dado a grande quantidade de players no mercado.

“Se você me perguntar se faz sentido ter tanta rede, eu te diria que não”, disse Gebara, em entrevista ao jornal Valor Econômico, após a divulgação dos resultados da Vivo no primeiro trimestre de 2023. Ao final do último mês de março, a fibra óptica da companhia passava por 24,4 milhões de domicílios. A Vivo quer ampliar esse número para 29 milhões até o final do ano que vem.

“A grandes empresas aproveitam uma rede que já existe. A qualidade não é a ideal, mas o custo de expansão é muito menor do que o de um ISP, que entra em um mercado novo”, explica Nikaido, da Ártica.

As margens elevadas dos provedores regionais, que chamavam a atenção dos investidores inicialmente, ficaram mais comprimidas, à medida que as empresas realizavam novas aquisições. Unifique e Desktop fizeram diversas compras de pequeno e médio porte com os recursos captados na Bolsa.

“O destaque para crescimento via M&A é Desktop, que praticamente consolidou o mercado do interior de São Paulo, com quase 1 milhão de acessos em fibra óptica no Estado”, diz Nardini. Segundo o analista, embora também tenha sido afetada pela desaceleração do mercado, a empresa conseguiu se consolidar dentro de uma região que já tem uma certa competitividade das “big telcos”.

A Unifique, que atua em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, cresceu sua base fazendo aquisições menores, mas tem enfrentado desaceleração de crescimento orgânico. “Mas no qualitativo a gente gosta do papel. A Unifique tem um perfil mais premium na região onde atua, tem as maiores margens entre os ISPs e o maior ARPU [receita média por usuário]”, afirma Nardini.

A Brisanet não fez nenhum M&A desde o IPO, mas entrou em dois blocos no leilão da frequência 5G – na região Nordeste, onde a empresa atua, e no Centro-Oeste. “Tem um risco de execução para a companhia. Nos próximos dois, três anos, ela vai ter de investir mais de R$ 2 bilhões em 5G. Ela já é uma companhia alavancada, precisa levantar capital e o mercado está difícil, tanto o de dívida quanto o de equity. No atual patamar de preço da ação, é complicado para se fazer qualquer aumento de capital”, explica o analista da XP.

A Unifique também adquiriu uma frequência no leilão 5G em um consórcio com a Copel e vai operá-la nos Estados onde já atua. Mas enquanto a Brisanet sinaliza querer estar presente no mercado de rede móvel, para competir de igual para igual com as “big telcos”, a Unifique vê o 5G como complementaridade da sua rede de banda larga.

“O 5G não vai substituir o acesso de fibra, será uma complementaridade. A fibra sempre vai existir, vai continuar acelerando mesmo com a penetração do 5G. São tecnologias que andam em conjunto”, diz Nardini.

O que esperar dos ISPs na Bolsa?

Para Nascimento, da Levante Corp, um cenário de juros mais baixos pode tornar as provedoras regionais tão atrativas quanto as gigantes do setor. O ritmo de crescimento de market share das empresas continua robusto, sobretudo na fibra óptica, e o movimento de consolidação poderá levar as companhias além das regiões onde já atuam.

“Este ritmo deve aquecer ainda mais. Considerando um cenário de juros que favoreça o ambiente de negócios no Brasil, o setor deverá ser positivamente impactado”, afirma o analista.

“Destacamos nossa preferência pela Unifique, que reúne características operacionais e de estrutura de capital/endividamento que convergem em upside na cotação dos papéis.”

Em termos de indicador EV/Ebitda, que relaciona o valor da companhia e sua geração de caixa, a ação da Unifique é a mais descontada, explica Nardini. “Ela negocia um pouco mais de 3 vezes o EV/Ebitda para 2023, enquanto Brisanet e Desktop negociam um pouco mais de 4 vezes”, diz o analista. Segundo ele, os múltiplos são semelhantes aos das “big telcos”.

“Os ISPs entraram no mercado para serem empresas de maior crescimento, negociando com prêmio em relação às grandes, mas estão negociando em patamares iguais, mesmo com as receitas crescendo de forma mais forte”, diz Nardini.

Mitchel Diniz

Repórter de Mercados