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Se as moedas virtuais são tão boas, por que tantos governos estão com a pulga atrás da orelha?

Se as pessoas usam bitcoins, em vez da moeda estatal, o governo não consegue “tributá-las“ nem dar um “calote“ através do “imposto“ inflacionário
Por  Bruno Meyerhof Salama -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Se as moedas virtuais são tão boas, por que tantos governos estão com a pulga atrás da orelha? O governo chinês está empreendendo uma cruzada contra o bitcoin. Na Índia a situação não é muito diferente. Há outros exemplos. Por quê?

Os potenciais benefícios das criptomoedas são reais. Os governos mundo afora estão cheios de dívidas. Muitas delas dificilmente serão pagas. O Brasil não é um caso isolado. A Europa tem um problema previdenciário seríssimo. Governos prometeram mundos e fundos. Mas suas populações estão envelhecendo. E, ao mesmo tempo, a fertilidade está caindo. A conta não vai fechar.

O que faz um governo quando não tem dinheiro para pagar? Vende o almoço de amanhã pra pagar a janta de hoje. Alguns governos conseguem jogar esse jogo por décadas. Por isso, o esquema é tão atrativo.

Para os governos que conseguem emitir dívida na sua própria moeda, o jogo é ainda mais interessante. Se ou quando faltarem investidores dispostos a manter em carteira os títulos da dívida pública até o seu vencimento, esses governos que tomam dívida na sua própria moeda podem apelar para mecanismos criativos para “monetizar” a dívida.

Para “monetizar” a dívida pública, o segredo é dar atributos de liquidez e certeza que equiparam os títulos do governo a instrumentos monetários. Por exemplo, governos fazem isso com os fundos de Money Market. O segredo sempre é achar meios para induzir as pessoas a usarem títulos públicos como “dinheiro”.

Mas chega uma hora que os credores perdem a confiança e param de rolar a dívida. E aí?

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Aí os governos podem emitir dinheiro diretamente. Podem financiar seu endividamento com impressão monetária. É um calote de tipo diferente. O truque é a inflação. Hoje, você tem $100 na carteira. Com esse dinheiro, compra dez pacotes de bolacha. Se o preço do pacote de bolacha dobrar, você continuará tendo $100 na carteira. Mas seu poder de compra cairá pela metade.

E se você tiver um título de dívida do governo, em vez de uma nota (ou depósito) de $100? Nos países desenvolvidos, a dívida do governo não está indexada. Então a inflação funciona, resolve o problema do Tesouro.

Mas nos demais (como no Brasil), pode haver indexação. Então o título do governo pagará inflação do período + x%. Como calotear esta dívida? É só passar uma lei mudando a regra de correção dos títulos. Ou fazer um empréstimo compulsório. Ou congelar depósitos. Ou fazer uma tablita. Sempre haverá um economista astuto e um advogado bom de conversa para embrulhar o peixe. E não é só no Brasil!

É aqui que a mágica das criptos começa a funcionar. Se as pessoas usam bitcoins, em vez da moeda estatal, o governo não consegue “tributá-las” nem dar um “calote” através do “imposto” inflacionário. Os truques estatais não funcionam com o bitcoin.

Esse é então o primeiro motivo pelo qual ter criptomoedas pode ser boa ideia: trata-se de um seguro contra a insolvência dos governos. Desde que o mundo é mundo, os governos quebram periodicamente (especialmente depois de perderem uma guerra – mais sobre o tema, abaixo). Ter uma cripto (especialmente uma cripto do tipo bitcoin), assim como ter ouro físico, é um seguro contra a insolvência estatal.

Mas as vantagens das criptos não existem apenas para momentos de catástrofe ou crise. As criptos têm vantagens também em tempos de normalidade. Elas, em princípio, são mais seguras e baratas que outras formas de pagamento.

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As operações com criptos não podem ser desfeitas. O usuário não corre risco de ter seu cartão de crédito clonado. As operações são liquidadas imediatamente no blockchain. Não há cobrança de taxas. E é possível implementar esquemas de smart contracts que azeitam melhor a colaboração humana. Uma maravilha!

Há mais: hoje são mais de 2 bilhões de pessoas com a acesso à internet ou aos smartphones. E o número só cresce. As vantagens das criptomoedas são então extensíveis a todo esse mar de gente! E é possível incluir – bancarizar, trazer para o século 21 – um contingente ainda maior de pessoas. Não é ótimo?

Na visão dos governos, pode não ser. São quatro principais desafios: política monetária, tributação, câmbio e risco sistêmico.

  1. 1 – Política monetária. Sem uma moeda nacional, em situações de crise o governo não consegue financiar sua dívida via impressão monetária. Imagine-se um ministro da fazenda de um país em que falta dinheiro para tudo. Se a coisa a apertar muito, só tem um jeito: botar a turma da casa da moeda para trabalhar… Mas se as poupanças das pessoas estão em bitcoin, essa velha técnica não funciona!

Em caso de guerra, a impossibilidade de recurso à impressão monetária pode ter uma dimensão dramática. Historicamente, governos em guerra precisaram imprimir dinheiro porque nunca é possível aumentar a tributação rápido demais em muito pouco tempo. É bom semear a paz pelo mundo. Mas da ótica dos estados nacionais, a impressão monetária sempre foi vista como uma dimensão da soberania nacional para fazer face à agressão externa.

  1. 2 -Tributação. Os governos modernos são brutamontes gastadores. Você pode achar isso bom – afinal, o estado de bem estar social custa caro porém entrega saúde, educação, transporte… Bem, no Brasil não é bem assim. Na comparação internacional, nosso estado gasta muito, e gasta muito mal. Mas deixemos este “detalhe” brasileiro de lado. O fato é que o governos de bem estar social custam caro.

Pois bem: como pagar a conta? Uma parte pode eventualmente ser jogada no colo das gerações futuras via endividamento estatal. Mas o grosso tem que vir da tributação de hoje. É aqui que as criptomoedas põem os governantes de cabelos em pé. As criptomoedas podem dificultar a tributação estatal. Principalmente, porque podem ser usadas para lavar dinheiro.

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Há quem diga que esse tipo de problema pode ser remediado com medidas como aquelas adotadas recentemente pela Receita Federal do Brasil. Mundo afora, a Libra, do Facebook, quando passar a funcionar, terá que facilitar o rastreamento da identidade dos detentores de Libras. Será que vai funcionar? Pode ser. O tempo dirá. Mas o fato é que governos são animais famintos pelos recursos das pessoas. É difícil segurá-los.

  1. 3 – Câmbio. O câmbio, depois dos juros básicos, é o principal preço numa economia. Valorizá-lo, desvalorizá-lo, revalorizá-lo, este é o ganha pão de boa parte dos economistas de governo pelo mundo. (Uma piada diz que o câmbio foi inventado para humilhar os economistas, porque controlá-lo e prever suas flutuações é tão difícil). Mas o fato é que a execução de todas essas desafiadoras atividades fica mais fácil na medida em que a moeda estatal seja usada por todos. E se ela não for?

Repare que no Brasil temos controles de câmbio. Não é mais a loucura do tempo dos militares, época em que até para comprar dólares para ir para Bariloche com a família nas férias o cidadão brasileiro precisava fazer das tripas coração para comprar a moeda racionada… E todo mundo acabava num doleiro. As coisas mudaram. Mas ainda existem controles e entraves diversos. O governo vai abrir mão deles?

  1. 4 – Risco sistêmico. Este problema é mais sutil e a análise depende do tipo de criptomoeda. Pensemos na Libra (no caso do bitcoin a análise seria bem diferente). Trata-se de uma stablecoin gerenciada pelo Facebook. Pelo que foi anunciado, a Libra funcionará com lastro integral. Ou seja, o Facebook criará uma Libra apenas quando receber a moeda estatal correspondente. Muito que bem.

Mas o problema é que a liquidação das operações com Libras terá que ser feita através de digital wallets. Será que essas digital wallets vão funcionar como bancos? Será que elas vão resolver dar crédito baseado no floating dos depósitos recebidos? Se isso acontecer, o foco de risco sistêmico que hoje está nos bancos vai simplesmente migrar para as digital wallets. E se as digital wallets quebrarem: quem irá socorrê-las? O Sétimo de Cavalaria?

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Sobre os autores:

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Bruno Meyerhof Salama – Lecturer em UC Berkeley Law School nas disciplinas de Law and Economics, Law and Technology e Law and Development. Professor Associado da FGV Direito SP. Advogado admitido pela OAB e pelo New York State Bar. Integrou o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional indicado pela ANBIMA. Doutor em direito pela Universidade da Califórnia em Berkeley, mestre em economia pela FGV, bacharel em direito pela USP.

Leonidas Zelmanovitz – Senior fellow na fundação educacional Liberty Fund, nos Estados Unidos. Fundador e ex-CEO da Mercurio D.T.V.M. S.A. Formado em direito pela Universidade Federal de Porto Alegre, mestre e doutor em economia pela Universidad Rey Juan Carlos em Madri. Autor de The Ontology and Function of Money: The Philosophical Fundamentals of Monetary Institutions (Lexington Books, 2016).

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são de responsabilidade do autor e nãp necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores.

Bruno Meyerhof Salama Lecturer em UC Berkeley Law School nas disciplinas de Law and Economics, Law and Technology e Law and Development. Advogado no Brasil e nos Estados Unidos. Integrou o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional. Doutor em direito por UC Berkeley, mestre em economia pela FGV e bacharel em direito pela USP

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