Biden toma posse como presidente dos EUA: o que esperar do novo governo americano

Com diversos projetos focados em meio ambiente e imigração, Biden assume com um grande desafio de reerguer o país e combater a pandemia

Rodrigo Tolotti

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SÃO PAULO – Após uma das eleições mais conturbadas da história americana, o democrata Joe Biden toma posse nesta quarta-feira (20) como o 46º presidente dos Estados Unidos – com Kamala Harris como a primeira mulher vice -, mas já com grandes desafios para enfrentar.

Isso porque ele já assume o comando da maior economia do mundo no meio de uma crise e terá de encontrar soluções não só para combater a pandemia do coronavírus, mas também para reerguer o país o mais rápido possível.

Biden já conseguiu uma importante vitória no Congresso com a retomada do controle do Senado pelos democratas, que agora são maioria nas duas Casas do Congresso. Mesmo assim, o novo presidente não deve ter vida tão fácil, já que propostas mais arrojadas não devem ter garantia de aprovação conforme deputados e senadores mais centristas do próprio partido também lutarão por interesses de seus estados.

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E nesse cenário, o democrata também já olha para muitos outros desafios que terá que enfrentar, como a questão das relações internacionais dos EUA após quatro anos de políticas nacionalistas que afastaram o país de outras nações.

Ao mesmo tempo, Biden terá que lidar com uma China cada vez mais forte e que se tornou uma grande rival americana. O novo presidente deve manter uma política rígida contra o país asiático, mas também já apontou uma tentativa de amenizar os efeitos negativos da guerra comercial criada por Donald Trump.

O democrata ainda tem outras bandeiras que devem ser fortes em seu mandato, como questões ambientais e de imigração, o que aumenta ainda mais a expectativa de que o novo governo deverá gastar mais que seu antecessor, como já mostra o primeiro grande plano anunciado.

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O primeiro grande projeto

Antes mesmo de assumir, Biden já anunciou seu primeiro pacote de estímulos, que não só indica o interesse dele em combater de forma mais forte a pandemia, mas também confirma alguns indícios do que podemos esperar para seu governo.

Na última quarta-feira foi divulgado o chamado “Plano de Resgate Americano”, que prevê um gasto de US$ 1,9 trilhão como grande foco em ajudar famílias e empresas impactadas pela crise, além de um plano de vacinação para reerguer a economia rapidamente. Biden já prometeu a aplicação de 100 milhões de doses da vacina contra Covid-19 nos 100 primeiros dias de seu mandato.

O pacote inclui US$ 415 bilhões em combate direto à pandemia e distribuição de vacinas, cerca de US$ 1 trilhão em auxílio às famílias e mais cerca de US$ 440 bilhões para pequenas empresas e comunidades atingidas pela crise do coronavírus.

Biden sugere o pagamento de US$ 1.400 adicionais para os americanos, valor bem acima dos US$ 600 aprovados em dezembro. Ele também fala em aumentar o benefício do seguro-desemprego de US$ 300 para US$ 400 e estendê-lo até o final de setembro, além de elevar o salário mínimo federal para US$ 15 por hora.

O plano também contém a prorrogação das moratórias de despejo e execução hipotecária para quem está sem pagar até o fim de setembro. Há ainda US$ 50 bilhões para testes de Covid-19 e US$ 20 bilhões para um programa nacional de vacinação em parceria com governos estaduais e locais.

Com este pacote, Biden já demonstra a intenção de realizar grandes gastos para reativar a economia americana, o que já era esperado, mas também levantou a questão das dificuldades que ele irá enfrentar, já que analistas acreditam que um plano desse tamanho não será aprovado no Congresso.

Segundo a equipe da XP Investimentos, alguns pontos do projeto, como os recursos para vacinação, devem ser aprovados com facilidade. Por outro lado, outras questões devem enfrentar maior resistência entre parlamentares.

“É provável que o governo Biden tenha que negociar um valor menor para os cheques de US$ 1.400 e mudar a regulação em torno do benefício para que menos cidadãos se qualifiquem para recebê-lo. Em especial, o aumento do salário mínimo é a questão que deve enfrentar maior resistência. Em vista disso, o projeto deve ser negociado e moderado para ser aprovado”, avaliam.

Além disso, para ser aprovado por despacho regular, como aponta a equipe do novo governo, serão necessários 60 votos no Senado, o que exige que pelo menos 10 republicanos aprovem o projeto. Isso é bastante improvável de acontecer já que até mesmo Trump tentou elevar o pagamento de auxílio aos afetados pela pandemia e não conseguiu apoio no Congresso.

Propostas e desafios iniciais

Capitólio, sede do Congresso dos EUA (Robert Alexander/Getty Images)

Além do fato de que Biden não terá vida fácil para aprovar qualquer proposta que fizer ao Congresso, mesmo tendo maioria democrata na Câmara e no Senado, o novo presidente pode ter seu início de mandato atrapalhado pelo andamento do processo de impeachment contra Donald Trump.

Isso porque, diferente do Brasil, a maioria dos indicados para seu gabinete (com funções semelhantes a de ministros) precisam ser aprovados pelo Senado. Com a Casa ainda precisando analisar o impeachment do republicano, Biden pode ter que esperar alguns dias, ou até mais de uma semana, para ter sua equipe e poder começar a andar com suas propostas.

Para o médio e longo prazo, Biden tem um foco grande em projetos de meio ambiente e saúde e, com uma postura bastante diferente do que Trump chegou a apontar durante a campanha, tem propostas mais moderadas e não deve seguir ideais mais radicais de alguns integrantes do seu partido.

Uma de suas propostas mais conhecidas é a de aumento de impostos, o que preocupa alguns analistas, apesar de não ser um fator que tenha pesado no mercado até agora. Especialistas apontam que, mesmo sendo prejudicial para as empresas, não há um risco de que o projeto eleve tanto a taxação, já que seria algo impopular no Congresso e provavelmente não teria aprovação.

Biden propõe elevar o imposto para empresas de 21% para 28%, revertendo uma medida de Trump, que cortou as taxas no início de seu governo. Ainda assim, o percentual seria inferior aos 35% praticados no governo de Barack Obama.

Além disso, o novo presidente defende uma taxa mínima sobre lucros estrangeiros de 21%, acima dos atuais 10,5%, e também pretende oferecer um incentivo fiscal de até 10% para certos investimentos na produção nacional.

Iniciativas em saúde e meio ambiente também estão entre as prioridades. O candidato tem um plano de investimentos verdes de US$ 2 trilhões ao longo de quatro anos, voltado principalmente para o incentivo à produção de energias renováveis. Ele também já prometeu que colocará os EUA de volta no Acordo de Paris.

Biden ainda quer retomar o programa de saúde pública, conhecido como Obamacare, com um custo que ainda não foi divulgado. O novo presidente ainda quer expandir a cobertura dos planos de saúde para os mais pobres e reduzir os custos dos americanos nessa área.

Sobre políticas de imigração, Biden quer focar em reverter diversas medidas tomadas por Trump, principalmente as que separaram famílias que entraram no país. Ele defende ainda a modernização do sistema de imigração e quer reafirmar o compromisso dos EUA com as pessoas que pedirem asilo e refúgio.

Na relação com outros países, o democrata já falou em acabar com as “guerras intermináveis” no Afeganistão e no Oriente Médio, além da retomada do acordo nuclear com o Irã se “o Teerã voltar a cumprir o pacto”.

E o Brasil?

Jair Bolsonaro e Donald Trump
(Foto: Alan Santos/PR)

Para os brasileiros, uma grande questão é como fica a relação dos EUA com o nosso país agora que Biden é presidente, já que ele tem uma visão política bastante diferente do presidente Jair Bolsonaro.

Mesmo assim, especialistas acreditam que não deve haver um impacto tão grande e nem dificuldades para o Brasil conversar e negociar com os americanos. Essa visão se dá principalmente pelo fato de Biden ser considerado um conciliador, o que diminui as chances de ações mais duras contra o país, mesmo com críticas públicas em relação às questões ambientais.

Para Thiago de Aragão, diretor de estratégia da Arko Advice, a relação entre os setores privados de ambos os países deve “seguir bastante sólida”. Em entrevista ao UM BRASIL, Aragão disse que as relações bilaterais ocorrem pelas vias governamental e empresarial.

“No âmbito privado, a relação entre os dois países é muito sólida. O nosso mercado financeiro é profundamente integrado ao americano. Temos indústrias americanas há muitas décadas no Brasil e empresas dos EUA que fazem parte do imaginário do brasileiro, como Apple, Microsoft, Amazon, Netflix, entre outras”, afirmou.

De acordo com ele, mesmo que Bolsonaro e Biden não compartilhem da mesma visão de mundo, dificilmente haverá um atrito entre os países, uma vez que o novo presidente deve dar mais atenção a outras partes do mundo no âmbito da política externa.

“No campo governamental, isso pode incomodar muita gente, mas o Brasil não é uma das dez ou 15 prioridades de Biden ou de qualquer outro presidente americano”, salienta.

Sobre as questões que devem pesar mais, Sol Azcune, analista política da XP Investimentos, afirmou ao InfoMoney após a eleição que Biden citou o Brasil no primeiro debate contra Trump, citando os problemas de desmatamento na Amazônia.

Durante o debate, Biden propôs que países se reúnam para fornecer US$ 20 bilhões para a preservação da Amazônia e disse que o Brasil enfrentará “consequências econômicas significativas”, caso o país não pare a destruição da floresta.

“Dado que o Brasil já está enfrentando uma pressão nesta questão ambiental, em especial da Europa, provavelmente devemos ver uma ampliação dessa pressão com Biden se unindo nessa pauta contra o Brasil”, avaliou Sol.

A analista ainda destacou que, mesmo durante o governo Trump, o Brasil não conseguiu tantos benefícios como aliado. “Então a tendência é que não seja um impacto muito significativo ou muito duradouro, e que a comunicação entre os países continue”, explicou.

Entre os temas que devem ser foco da nova relação entre Brasil e EUA, está um amplo acordo de livre comércio, algo que Bolsonaro tem dito buscar desde que assumiu o poder, em 2019. Apesar de os dois países não terem conseguido uma parceria como essa, em 2020 foi fechado um Acordo de Comércio e Cooperação Econômica (ATEC, na sigla em inglês) que prevê, entre outras medidas, a facilitação do comércio e o combate à corrupção.

A equipe de Biden

O novo presidente já anunciou os principais nomes que trabalharão em seu gabinete, sendo um dos mais diversos da história dos EUA, além de resgatar muitas pessoas que fizeram parte do governo de Barack Obama, no qual o próprio Biden foi vice-presidente.

Nos EUA são 15 cargos dos chamados secretários, que são equivalentes aos ministros no Brasil, e mais 8 com status de gabinete. Diferente daqui, para serem integrados ao governo eles precisam ser aprovados pelo Senado americano por maioria simples.

Existem ainda três vagas que não precisam ser aprovadas: chefe de gabinete, conselheiro de Segurança Nacional e representante especial da Presidência para o Clima, sendo este último um cargo recriado por Biden e que não existia desde 2011.

Biden indicou 9 homens e 9 mulheres para os cargos de secretários (ministros), reforçando sua campanha de aumentar a representatividade em seu governo.

Conheça a equipe de Biden e clique aqui para conhecer melhor cada integrante:

Cargo Indicado por Biden Perfil
Secretário de Estado Antony Blinken Diplomata, foi Secretário de Estado Adjunto de 2015 a 2017 e Assessor Adjunto de Segurança Nacional de 2013 a 2015 sob o presidente Barack Obama
Secretário do Tesouro Janet Yellen Primeira mulher a comandar o Federal Reserve e a segunda a liderar o conselho de assessores econômicos do presidente dos EUA (durante o governo de Bill Clinton)
Secretário de Defesa Gen. Lloyd Austin General quatro estrelas aposentado, serviu como 12º comandante do Comando Central dos EUA
Secretário de Justiça Merrick Garland Juiz federal e presidente da Corte de Apelações para o Circuito do Distrito de Colúmbia. Chegou a ser indicado por Obama para a Suprema Corte, mas o Senado não votou sua escolha por ser o fim do mandato do presidente.
Secretário do Interior Deb Haaland Deputada pelo estado do Novo México e membro da comunidade indígena Laguna Pueblo.
Secretário de Agricultura Tom Vilsack Foi o 40º governador do estado de Iowa e serviu como Secretário de Agricultura de Obama.
Secretário de Comércio Gina Raimondo Gestora de venture capital, é a governadora de Rhode Island desde 2015.
Secretário do Trabalho Marty Walsh Prefeito de Boston desde 2014 e foi membro da Câmara dos Representantes de Massachusetts.
Secretário de Saúde e Serviços Humanos Xavier Becerra Advogado e Procurador-Geral da Califórnia desde 2017. Foi membro da Câmara dos Representantes dos EUA representando Los Angeles.
Secretário de Habitação e Desenvolvimento Urbano Marcia Fudge Membro da Câmara dos Representantes dos EUA no 11º distrito congressional de Ohio desde 2008.
Secretário de Transportes Pete Buttigieg Ex-prefeito de South Bend, Indiana. É tenente da Reserva da Marinha dos EUA e trabalhou como consultor da McKinsey & Company. Foi pré-candidato à presidência em 2020.
Secretário de Energia Jennifer Granholm Governadora de Michigan de 2005 a 2011 e também já foi procuradora-geral de Michigan.
Secretário de Educação Miguel Cardona Comissário da Educação de Connecticut desde 2019.
Secretário de Assuntos de Veteranos Denis McDonough Ex-Chefe de Gabinete da Casa Branca de 2013 a 2017, durante o governo Obama.
Secretário de Segurança Interna Alejandro Mayorkas Nascido em Cuba, é advogado e atuou como Procurador dos EUA para o Distrito Central da Califórnia durante o governo de Bill Clinton.
Representante Comercial dos EUA Katherine Tai Advogada, atua como conselheira comercial do Comitê de Caminhos e Meios da Câmara dos EUA.
Diretor de Inteligência Nacional Avril Haines Advogada, foi a primeira mulher a ser vice-diretora da Agência Central de Inteligência (CIA). Também foi Conselheira Adjunta da Segurança Nacional de Obama.
Diretor da Agência Central de Inteligência americana (CIA) William Burns Diplomata, presidente do think tank Carnegie Endowment for International Peace desde 2014.
Administrador da Agência de Proteção Ambiental Michael Regan Ex-especialista de qualidade do ar da Agência de Proteção Ambiental e atual secretário do Departamento de Qualidade Ambiental da Carolina do Norte.
Chefe de Administração de Pequenos Negócios Isabel Guzman Diretora do escritório de Pequenos Negócios do gabinete do governo da Califórnia.
Diretor do Escritório de Gestão e Orçamento Neera Tanden Consultora política e presidente do Center for American Progress. Trabalhou nas campanhas presidenciais democratas de Michael Dukakis em 1988, Bill Clinton em 1992 e Barack Obama em 2008.
Embaixador na ONU Linda Thomas-Greenfield Diplomata, atuou como Secretária de Estado Adjunta para os Assuntos Africanos no Departamento de Estado de 2013 a 2017.
Presidente do Conselho de Consultores Econômicos Cecilia Rouse Economista e reitora da Escola de Relações Públicas e Internacionais de Princeton na Universidade de Princeton.
Chefe de Gabinete (*) Ron Klain Consultor político, ex-lobista, político e advogado. Foi chefe de gabinete dos vice-presidentes Al Gore e Joe Biden.
Conselheiro de Segurança Nacional (*) Jake Sullivan Foi assessor político sênior da campanha de Hillary Clinton em 2016. Trabalhou no governo Obama como assistente adjunto do presidente e conselheiro de segurança nacional do Vice Joe Biden.
Representante especial da Presidência para o Clima (*) John Kerry Foi senador por Massachusetts e Secretário de Estado do governo Obama. Foi candidato à presidência e acabou derrotado por George W. Bush em 2004.
Conselheiro Científico e Diretor do Escritório para Políticas Científicas e Tecnológicas (*) (**) Eric Lander Matemático, economista e biólogo. É professor de biologia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), membro do Whitehead Institute, e diretor do Broad Institute do MIT e Harvard.

(*) Cargos que não precisam de aprovação do Senado
(**) Biden elevou este cargo para status de gabinete pela primeira vez

Rodrigo Tolotti

Repórter de mercados do InfoMoney, escreve matérias sobre ações, câmbio, empresas, economia e política. Responsável pelo programa “Bloco Cripto” e outros assuntos relacionados à criptomoedas.