Bancos centrais e o Bitcoin estão mais próximos do que você pensa

É até possível que a adoção de BTC pelos bancos centrais de economias emergentes tenha o apoio dos EUA, diz ex-chefe da Genesis Trading

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* Por Noelle Acheson

Em meio à turbulência das últimas semanas, é fácil perder de vista o que é a nossa indústria: uma mistura de independência e inovação. Esses dois impulsionadores fundamentais de prosperidade e do progresso não são exclusivos das criptomoedas, mas apenas nesse mercado eles estão entrelaçados e incorporados em ativos líquidos.

Uma característica da inovação é a vasta gama de ativos que existem e continuam a surgir. Nem todos sobreviverão, mas aqueles que sobreviverem terão o potencial de impactar todo o espectro de influência econômica – de poupadores individuais a investidores profissionais, de comerciantes a instituições financeiras, de comunidades locais a bancos centrais.

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Bancos centrais? Sim. Embora ainda não tenhamos exemplos claros de bancos centrais adotando criptoativos, isso não está longe. E o dólar americano só tem a si mesmo para culpar.

É tragicamente irônico que, após um período de maior aumento na oferta de dinheiro dos Estados Unidos na história, as nações ao redor do mundo estejam sofrendo uma aguda escassez de dólares. Alguns dias atrás, Gana começou a pagar as importações de petróleo em ouro devido à falta da moeda norte-americana. No início deste mês, a agência de classificação de crédito Fitch rebaixou a classificação da Nigéria em grande parte devido à política do banco central de racionar a oferta de dólares, o que levou à escassez de combustível, suspensão de voos e aceleração da inflação.

No mês passado, surgiram relatos no Egito sobre uma escassez crônica de trigo devido à falta de dólares para pagar grandes embarques do grão em navios nos portos egípcios. Em meados deste ano, o Sri Lanka se viu incapaz de pagar pelo combustível, teve que fechar escolas e escritórios e priorizar alocações para contrapartes que pudessem pagar em dólares. No início deste ano, o racionamento da moeda americana pelos bancos quenianos levou à escassez de alimentos e ao aumento dos preços. A lista continua – a falta do dinheiro em todo o mundo está provocando fome, acelerando espirais de preços e, em alguns casos, derrubando governos.

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Grande parte disso é político. O Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) possui um sistema de linhas de swap que dispensa dólares a bancos centrais estrangeiros em caso de necessidade. Mas não para todos os bancos centrais – apenas Canadá, Inglaterra, Japão, União Europeia (UE) e Suíça têm acesso a linhas de swap permanentes. Em teoria, outros podem conseguir temporários em tempos de crise, mas mesmo no auge da pandemia do novo coronavírus, o Fed só forneceu linhas de swap para duas economias emergentes: Brasil e México.

A piora nos perfis de crédito dos possíveis tomadores de empréstimos em dólares é um fator dessa falta de generosidade, assim como a preocupação de que os empréstimos dos EUA possam ser usados ​​para pagar a dívida chinesa ou financiar importações da Rússia. E embora os EUA possam socorrer quando a implosão total é iminente, como aconteceu com o Sri Lanka no início deste ano, essa intervenção pode acarretar condições que muitas nações não conseguem cumprir.

Mesmo manter ativos líquidos em dólares como reservas não é mais o que costumava ser. A apreensão das reservas russas no início da guerra na Ucrânia mostrou aos bancos centrais que o “ativo seguro” do mundo não é tão seguro quanto todos pensavam (quanto à volatilidade dos preços, bem …)

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Agora, e se houvesse um ativo monetário resistente à apreensão que não estivesse sujeito às prioridades econômicas de terceiros e que pudesse ser vendido por dólares 24 horas por dia? Ah, espere, ele existe.

A atenção à ideia de bancos centrais mantendo Bitcoin (BTC) está crescendo. Em maio, a Alliance for Financial Inclusion, uma aliança liderada por bancos centrais, organizou uma conferência em El Salvador que reuniu banqueiros centrais e reguladores financeiros de 44 países para discutir o financiamento de pequenas empresas, inclusão financeira e BTC. A maioria era de países pequenos, mas não todos: representantes da Nigéria, Bangladesh, Paquistão e Egito estavam presentes; além da África e da Ásia, a cobertura incluiu nações do Oriente Médio, América Latina e pelo menos uma ex-república soviética.

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Até a academia está se envolvendo. Na semana passada, Matthew Ferranti, do departamento de economia da Universidade de Harvard, publicou um artigo sobre bancos centrais e Bitcoin. Tecnicamente, o documento é sobre o risco de sanções nas reservas do banco central e é um dos primeiros a focar no impacto das sanções antes que elas aconteçam, por meio de hedge e o efeito resultante na composição das reservas. Ferranti conclui que o cenário global em mudança justifica a inclusão das criptomoedas nesse mix e produz muitas fórmulas e números para respaldar isso.

Os bancos centrais parecem estar reavaliando suas alocações. Um relatório recente do World Gold Council revelou que as compras de ouro no terceiro trimestre aumentaram 18% no acumulado do ano, com os bancos centrais respondendo por um recorde trimestral de 400 toneladas (o recorde anterior era de 241 toneladas no terceiro trimestre de 2018). As compras do banco central no ano até o momento chegaram a 673 toneladas no final de setembro, maior do que qualquer outro total do ano desde 1967.

Mas não é segredo que até as reservas de ouro são vulneráveis. O prédio do Fed em Nova York contém a maior reserva monetária de ouro conhecida do mundo, grande parte da qual pertence a bancos centrais estrangeiros. O acesso às reservas de ouro, físicas ou em papel, não é 100% garantido. O Bitcoin, por outro lado, é um ativo ao portador que não é caro ou complicado de armazenar com segurança em território nacional, a poucos cliques de um mercado.

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É até possível que a adoção do BTC pelos bancos centrais de economias emergentes tenha o apoio dos EUA. A alternativa é o empréstimo dos EUA a países de alto risco, que acarreta um custo político interno; a expansão dos acordos de swap sem o dólar, como com a China; ou o colapso de algumas economias emergentes e de fronteira.

Eu costumava pensar que a adoção do Bitcoin pelos bancos centrais para suas reservas aconteceria em breve, dada a necessidade urgente em alguns bolsões da economia global – agora percebo que deixar os reguladores confortáveis ​​com a ideia, especialmente após o alto nível de incompreensão sobre o que o colpaso da FTX realmente é (ou seja, uma fraude), pode levar algum tempo. Mas está ficando cada vez mais claro para mim que isso vai acontecer, porque precisa acontecer.

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A dúvida e a desconfiança semeadas pelo recente drama cripto irão diminuir, e a necessidade desesperada de fortalecer a resiliência econômica – combinada com uma compreensão crescente da relativa simplicidade de um ativo que pode ser convertido em dólares ou qualquer outra moeda a qualquer momento – irá incentivar maior aceitação e experimentação.

Também é provável que vejamos um efeito dominó: onde um vai, os outros também irão. E com isso, o mundo testemunhará um ativo que começou primeiro no varejo, do zero, terminando como um suporte não apenas para os bancos centrais, mas também para a resiliência de nações inteiras.

* Noelle Acheson é ex-chefe de pesquisa do CoinDesk e da Genesis Trading. 

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