Azul quer ir às compras e ação salta 11%: quais sinergias e desafios de uma possível união com a Latam (e até com a Gol)?

Analistas do BBA fizeram análise com possíveis cenários de união das operações; analistas veem grandes sinergias com Latam, mas destacam desafios no Cade

Lara Rizério Priscila Yazbek

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SÃO PAULO – O noticiário sobre uma possível consolidação no setor aéreo após o fim do acordo de compartilhamento de voos entre a Azul (AZUL4) e a Latam Brasil segue no radar dos investidores.

Na noite de segunda-feira, a Azul divulgou nota em que afirma que a consolidação do setor é uma “tendência” no pós-pandemia e que está em “uma posição forte para conduzir um processo nesse sentido”. Segundo informações do jornal O Estado de S. Paulo, a Azul não queria o fim da parceria e vinha tentando ampliá-la. A companhia havia iniciado conversas para tentar comprar a operação da concorrente no Brasil, de acordo com fontes do mercado.

No dia seguinte, o grupo Latam foi a público reiterar algumas vezes que não pretende se desfazer de sua operação brasileira, conforme destacou o presidente da empresa no Brasil, Jerome Cadier. “Não há nenhuma intenção de separar a operação Brasil do grupo. A força da Latam está na complementaridade das operações (nos diferentes países). Separar não faz sentido econômico para o grupo”, disse o executivo a alguns veículos de comunicação, como o Estadão.

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Contudo, segundo informações do jornal Valor Econômico, a Azul segue em conversas com arrendadores de aviões para preparar um plano cujo objetivo é comprar a Latam Brasil. As tratativas com a rival, que tem sede no Chile, porém, não têm surtido efeito.

Mas a Azul tem uma estratégia: a Latam deve apresentar até julho seu plano de recuperação judicial à justiça em Nova York – a Azul poderia entrar nesse processo fazendo uma oferta para comprar a operação no Brasil, com apoio das empresas de leasing de aviões que estão no grupo de principais credores da empresa.

Enquanto as declarações do presidente da Latam e de analistas de mercado de algumas instituições, como Morgan Stanley, apontavam que uma fusão estaria mais longe de acontecer (veja mais clicando aqui), a disposição da Azul em uma consolidação animou os investidores. Na terça-feira, as ações AZUL4 subiram 4,11%, a R$ 42,01 e, nos EUA, os papéis negociados no mercado de balcão da Latam tiveram alta de 7,18%, a US$ 2,97. Contudo, a rival Gol (GOLL4) também teve ganhos, de 2,87%, a R$ 25,75.

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Além do dia mais positivo na véspera para as ações de aéreas no exterior, principalmente nos EUA, ter animado com os sinais de retomadas das operações por lá, as possibilidades de consolidação do setor aéreo seguem no radar do mercado. Com isso, AZUL4 tem novo dia de alta: o papel avançou 11,31%, a R$ 46,76, enquanto GOLL4 teve alta de 7,15%, a R$ 27,59, no mesmo horário.

Para os analistas do Itaú BBA, a notícia da Azul de que contratou assessores no final do primeiro trimestre para ajudá-la a explorar ativamente as oportunidades de consolidação de mercado pode indicar não somente a procura por fusão e aquisição com a Latam Brasil, mas também com a Gol.

“De qualquer forma, este tipo de transação faria sentido em termos de complementaridade da rede – mas nos perguntamos sobre a estrutura potencial de um negócio (considerando o alto endividamento da Azul) e quais critérios o Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] levaria em consideração ao analisar a operação”, apontam os analistas.

Em março deste ano, a Azul foi a empresa com a maior participação no mercado doméstico, com 40,7%, e, entre as companhias com maior porcentagem em participação, a única a apresentar crescimento com alta de 11,2%, de acordo com os recentes dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Na sequência está Gol (32,3%) e Latam (26,4%), que apresentaram retração na demanda na comparação com o mesmo mês de 2020, de 40,8% e 53%, respectivamente.

Para o BBA, ambos os cenários de fusão podem gerar uma ampla e relevante gama de sinergias. Olhando para uma possível fusão entre Azul e Latam, essas sinergias poderiam levar a um valor adicional entre R$ 5,60 e R$ 27,90 por ativo AZUL4 para os atuais acionistas, pressupondo uma operação baseada em ações.  Para Azul e Gol, as sinergias desbloqueariam um valor adicional entre R$ 3,60 e R$ 17,80 por ação.

Assumindo a economia decorrente de uma fusão, os analistas calcularam as sinergias como uma proporção das receitas combinadas da nova empresa entre 1% e 5%. Com base nessa faixa de sinergia, estimam que um negócio entre a Azul e a Latam resultaria em um valor incremental do valor de mercado mais dívidas (EV) entre R$ 2,5 bilhões e R$ 12,5 bilhões, enquanto uma fusão da Azul e Gol levaria a um incremento do EV de R$ 2 bilhões a R$ 10 bilhões.

Cabe ressaltar que as estimativas são tão diferentes uma vez que são levadas em conta essas diversas variáveis, apontam os analistas do BBA, além do ritmo de recuperação da demanda no futuro (esses cálculos são baseados nos números de 2019).

Sobre as estruturas das transações em potencial, os analistas ressaltam que a Azul encerrou o primeiro trimestre com uma posição de dívida líquida de R$ 15 bilhões e com liquidez imediata de R$ 3,3 bilhões, incluindo caixa, investimentos e recebíveis de curto prazo.

Desta forma, considerando o alto endividamento da Azul, o principal meio para a transação poderia ser uma operação baseada em ações, que seria o cenário-base do banco. “No entanto, acreditamos que a Azul também poderia alavancar pelo menos parte da transação hipotética”, avaliam.

Latam: menos dificuldades para aprovação no Cade, mas com desafios

Ao avaliar as rotas, o BBA aponta que, no período pré-pandemia, a sobreposição entre Azul-Latam era de 55%, contra 53% de Azul-Gol e os 90% de Gol-Latam. A partir do primeiro trimestre de 2021, as sobreposições foram de 6% para a Azul e Latam e 17% para a Azul e Gol – então faz sentido para a Azul considerar unir forças com qualquer uma das empresas.

Em relação às combinações potenciais Azul-Latam ou Azul-Gol, o BBA espera que o Cade considere principalmente a sobreposição de rotas (o principal critério usado em outras análises pela agência) em vez das participações de mercado totais das empresas, o que leva o banco a acreditar que qualquer uma das duas fusões podem ser aprovadas. No entanto, o órgão antitruste poderia ser mais inclinado a permitir que Azul e Latam unam forças para competir com a Gol em suas principais rotas do que permitir que Azul e Gol unam seus negócios e passem a competir com um player que está passando por um processo de recuperação judicial.

A Levante Ideias de investimentos também destaca que o processo de recuperação judicial da Latam mostra-se uma oportunidade propícia para a Azul, uma vez que tira certos poderes dos acionistas da Latam na decisão sobre uma eventual oferta de aquisição.

Nesse contexto, avaliam os analistas da Levante, a estratégia de se organizar com os arrendadores de aviões credores do grupo chileno mostra-se acertada, possuindo o apoio destes para avançar na compra do grupo, que se encontra fragilizado.

Para que a estratégia tenha sucesso, é necessário que a Azul obtenha um consenso com os credores da Latam que ajudaram a compor o programa DIP (“debtor in possession”) da companhia – ou seja, credores que possuem preferência quando a Latam Group começar a pagar suas dívidas da recuperação judicial. A Latam conseguiu um DIP de aproximadamente US$ 2,3 bilhões, financiado por grupos como a Oaktree Capital Management, Knighthead Capital, Qatar Airways, entre outros.

Cabe ressaltar que o acordo de codeshare entre Latam e Azul será oficialmente encerrado em 22 de agosto de 2021. Também não há, até o momento, proposta formal de aquisição, e nada deve ser oficializado até a Latam Group apresentar seu plano de recuperação aos credores.

André Castellini, sócio da Bain And Company, destaca que há uma forte tese de investimento para a aquisição da Latam pela Azul, mas a execução é complexa.

Ele ainda reforça que, indo além da Latam Brasil, comprar as operações da América Latina (exceto Argentina) provavelmente criaria um valor substancial para acionistas e colaboradores, investidores e partes interessadas da Azul. Caso a transação de venda envolvesse só as operações brasileiras, seriam deixadas para trás sinergias significativas na América do Sul e na rede internacional e que são complexas de executar. Por outro lado, sinergias no Brasil compensariam sinergias perdidas em outros países da região.

“A empresa tem uma cultura nova dentro do mercado brasileiro, mas com bom track record [histórico] no país”, avalia Castellini, destacando que há possibilidades de sinergia em termos de rede e receita, além de ganhos de eficiência, com redução de custos.  Para Castellini, a operação pode passar pelo Cade mediante um “remédio”, mas a negociação com a Justiça dos EUA será um desafio.

Cleveland Prates, ex-conselheiro do Cade e professor de economia da FGV, destaca, entre as possíveis complicações no Cade, que as duas empresas têm programa de fidelidade. Uma solução seria vender um desses programas e se desfazer de slots, ou horários de partidas e chegadas. A Azul também precisará comprovar que a operação vai gerar recursos suficientes pra cumprir os termos do acordo nos EUA e também no Brasil.

Na avaliação de Prates, uma operação de fusão com a Latam levaria a mais sinergias, mas não é simples de ser aprovada pelo órgão antitruste. Para o professor, dado o cenário de crise em meio à pandemia, a análise do processo deverá ser feita de forma ainda mais cuidadosa.

E em um cenário sem fusões e aquisições? 

Em um cenário de ausência de fusões e aquisições no setor, os analistas do BBA acreditam que a Gol e a Azul podem aumentar suas participações de mercado, levando em conta o fato de que a Latam já está diminuindo sua operação no Brasil.

De qualquer forma, eles mantêm recomendação market perform (desempenho em linha com a média do mercado) para a Azul, com preço-alvo de R$ 41, ou uma queda de 2,40% em relação ao fechamento da véspera.

“A Azul tem uma frota diversificada e de tamanho certo. Ela historicamente tem contribuído para que a Azul tenha um CASK (custo operacional assentos-quilômetros oferecidos) mais alto do que seus pares, mas também tem desempenhado um papel fundamental em ajudar a empresa a superar a pandemia e restaurar sua lucratividade, bem como uma posição única na maioria de suas rotas de operação (cerca de 70% em 2019 e de 80% em março de 2021) e uma ampla rede por meio de seus hubs. Nós acreditam que esses atributos não apenas desempenharam um papel crucial no fortalecimento da empresa contra as atuais incertezas no cenário, mas continuarão a ser as principais vantagens competitivas da Azul em um ambiente normalizado”, avaliam.

A projeção de uma recuperação gradual na receita unitária de passageiros (PRASK) – juntamente com um CASK mais baixo (mas ainda acima dos níveis de 2019) – apoia a expectativa dos analistas de recuperação de margem sequencial. A expectativa é de que as margens de rentabilidade da companhia se aproximem dos níveis pré-pandêmicos em 2023.

“Acreditamos que a queda do segmento corporativo, mais lucrativo, poderia ser parcialmente compensada pelo aumento do tráfego de lazer, ganhos de eficiência, efeitos de transformação da frota e dinâmica competitiva positiva (redução da capacidade da indústria, racionalidade tarifária e menor sobreposição de rede), especialmente devido ao potencial para atividades de fusões e aquisições”, afirma o banco.

Por outro lado, para os analistas, apesar das muitas medidas implementadas pela Azul devendo proteger sua liquidez e sua capacidade de enfrentar a crise até o momento, o cenário ainda incerto pela frente e sua recente queima de caixa os levam a acreditar que sua posição financeira deve continuar sendo monitorada, e não seria descartada a possibilidade de a empresa acessar o mercado de capitais em um futuro próximo – potencialmente, entre outras razões, para apoiar quaisquer fusões ou aquisições que estão sendo consideradas.

De acordo com compilação da Refinitiv, três casas possuem recomendação de compra para AZUL4, seis têm recomendação neutra e duas de venda, com um preço-alvo médio de R$ 38,42, valor 8,55% menor do registrado na véspera. Já para o ativo da Latam negociado nos EUA, as projeções são mais pessimistas: uma casa tem recomendação de manutenção, enquanto três recomendam venda, com preço-alvo médio de US$ 1,98, queda de 33,3% em relação ao fechamento da véspera.

Para a Gol (GOLL4), há duas recomendações de compra, oito de manutenção e duas de venda, com preço-alvo médio de R$ 23,89, 7,22% menor do que no fechamento da véspera. Assim, apesar do noticiário cada vez mais forte de consolidação, os analistas seguem cautelosos com o setor aéreo.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.