Aneel, ANP e Corsan: o que os últimos leilões de energia, petróleo e saneamento de 2022 indicaram para o mercado?

No apagar das luzes do ano, certames deram indicações importantes, tanto pela competitividade no caso da Aneel quanto pela falta de concorrentes para Corsan

Lara Rizério

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Os últimos dias do ano são marcados por uma desaceleração dos eventos e do próprio mercado, mas em 2022 também foram marcados por importantes leilões, de diferentes áreas, tanto do setor de petróleo, de energia e de saneamento, com impacto para diversas ações na Bolsa.

Na última sexta-feira (16), dois leilões aconteceram, um realizado pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o 1º ciclo da Oferta Permanente de Partilha da Produção (OPP), modalidade em que as áreas ficam à disposição do mercado e vêm a leilão após manifestação de interesse de uma petroleira.

No setor de energia, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) realizou na última sexta-feira um leilão de transmissão de energia com previsão de investimentos de R$ 3,5 bilhões até março de 2028, em nove estados. Já na última terça-feira (20) houve o leilão de privatização da empresa de saneamento do Rio Grande do Sul Corsan.

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Ainda que algumas empresas ganhadoras do leilão não estejam na Bolsa, os resultados dos leilões podem dar uma tendência sobre os setores, além de poder impactar companhias que, num primeiro momento, não aparecem como as vencedoras ou perdedoras. Confira abaixo:

Leilão de transmissão: Alupar é destaque com disciplina de capital

Seis empresas venceram o leilão de transmissão de número 2 de 2022 da Aneel. A agência contratou R$ 373,3 milhões em receita anual permitida (RAP), que remunera as transmissoras. O deságio médio foi de cerca de 38,2%, o que representa uma economia de R$ 5,8 bilhões aos consumidores ao longo do período de concessão, segundo a Aneel.

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Taesa (TAEE11), EDF, EDP Energias do Brasil (ENBR3), Cemig (CMIG4), Alupar (ALUP11) e Mercury foram as vencedoras nos seis blocos leiloados, como listado a seguir:

Lote I (MG/ES): Cemig, com RAP de R$ 16,995 milhões e deságio de 48%;

Lote 2 (RO): Energias do Brasil, com RAP de R$ 24,9 milhões e deságio de 45,1%;

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Lote 3 (MA/PA): Taesa, com RAP de R$ 91,3 milhões e deságio de 47,9%;

Lote 4 (RJ): Usina Termelétrica Norte Fluminense, com RAP de R$ 18,35 milhões e deságio de 50,7%;

Lote 5 (RS): Taesa, com RAP de R$ 152,2 milhões e deságio de 34,2% e

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Lote 6 (SP): Consórcio Olympus, formado por Alupar e Perfin, RAP de R$ 69,5 milhões e deságio de 15%.

O Credit Suisse aponta que, como esperado, houve disputa pelos novos blocos com a participação de muitas empresas (seis nomes diferentes em média concorrendo por bloco), o que resultou em descontos relevantes (sendo a média o deságio já mencionado de 38%).

A Taesa conquistou os maiores blocos, oferecendo 48% de desconto para o Bloco 3, com capex (investimento) estimado de R$ 1,1 bilhão (RAP final de R$ 91,4 milhões); e 34% de desconto para o Bloco 5, com capex de R$ 1,2 bilhão (RAP final de R$ 152,2 mm); EDP Energias do Brasil ganhou RAP de R$ 24,9 milhões (capex estimado de R$ 280 milhões); e a Alupar ganhou uma participação no bloco 6, com RAP de R$ 69,5 milhões (capex estimado de R$ 498 milhões).

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Os analistas do banco fizeram análises sobre o leilão usando premissas de caso base de 10% de desconto de capex, conclusão de projetos 12 meses antes do cronograma regulatório e alavancagem de 70% a um custo real de dívida de 7,5%. Assim, chegou em retornos atrativos para os blocos 5 e 6 (media de 11,4% para a Taxa Interna de Retorno, ou TIR, real), que foram releiloados, mas desafiadores para os novos blocos (media de 4,8% para a TIR real). A equipe de análise acredita que as empresas usaram premissas mais agressivas para obter retornos razoáveis.

Para o Credit, o resultado reflete o crescente apetite por maior exposição a transmissão, mais estável em um cenário macro ainda incerto. Ademais, acreditam também que as empresas deveriam ter usado premissas mais agressivas para projetos, mas enxergam as economias de capex improváveis (principalmente impactadas pelos preços das commodities, câmbio desfavorável e escassez de mão de obra especializada) e altas taxas de juros provavelmente pressionando o custo da divida.

Por outro lado, apontam que as empresas de transmissão têm historicamente entregado desempenho significativo em relação às premissas regulatórias, beneficiando-se de ganhos de escala na assinatura de novos contratos de construção e dívidas de bancos de desenvolvimento (como BNDES, BASA, etc.) .

O banco também destaca a sólida disciplina de capital demonstrada pela Alupar ,conseguindo blocos com altos retornos estimados e enxerga a empresa negociando a cerca de 10% a TIR real, nível que considera atrativo.

O Itaú BBA destacou que a competição foi maior para as novas linhas (lotes 1 a 4) e foi menor para as linhas existentes que foram leiloadas (lotes 5 e 6).

Assumindo no caso base um custo de capital próprio de 7% (em termos reais) e desconto de 15% ante o investimento definido pela Aneel, os analistas do banco veem retornos ruins na maioria dos casos, mesmo com algumas suposições agressivas.

O BBA ressalta também que a Taesa ganhou os maiores lotes. O leilão do Lote 3 viu competição muito acirrada, com oito players dando lances e a companhia saindo vencedora com lance de R$ 91,4 milhões. Quanto ao Lote 5, que é uma linha já existente, a Taesa ofereceu lance de R$ 152,2 milhões (desconto de 34%). O capex estimado para este projeto é de R$ 290 milhões e há uma indenização total de R$ 886 milhões a ser paga à Enel (os analistas assumiram uma alavancagem de
50% para pagar a indenização). “Nesse caso, estimamos um VPL [Valor Presente Líquido] ligeiramente positivo de R$ 67 milhões, mas a maioria dos cenários que executamos aponta para retornos de apenas um dígito”, avaliam os analistas.

Quanto aos demais lotes, também veem pouco espaço para criação significativa de VPL, exceto para o lote 6. Cemig, EDP e Alupar (através do Consórcio Olympus) também ganharam lotes (lotes 1, 2 e 6, respectivamente), mas com compromissos de capex muito menores. “Estimamos VPLs negativos para Cemig e EDP na maioria dos cenários que gerimos, dadas as licitações agressivas, enquanto prevemos retornos atrativos para o Consórcio Olympus (Alupar + Perfin), dada a menor concorrência e menores descontos para o lote 6”, conclui.

O Bradesco BBI também fez uma breve menção à fabricantes de equipamentos elétricos WEG (WEGE3). A companhia não participou do leilão, mas poderia se beneficiar  ao fechar negócios para abastecer os vencedores e reforçar sua carteira de pedidos de geração, transmissão e distribuição (GTD).

Petrobras vencedora de leilão da ANP

Já com relação ao leilão da ANP, em pouco mais de uma hora, a primeira e única rodada garantiu a venda de quatro blocos – Água Marinha, Norte de Brava, Bumerangue e Sudoeste de Sagitário – das 11 áreas ofertadas, tendo novamente a Petrobras como principal vencedora do leilão.

A Petrobras venceu Água Marinha, Norte de Brava e Sudoeste de Sagitário. No bloco Água Marinha, a TotalEnergies, juntamente com Petronas e Qatar Petróleo, superou a proposta da Petrobras com a Shell, oferecendo um percentual de 42,40%, contra a proposta de 39,50% da brasileira com a petroleira estrangeira. No entanto, exercendo seu direito de preferência, a Petrobras optou por ingressar no consórcio vencedor, assumindo a posição de operadora no lugar da petroleira francesa.

Após a decisão, o consórcio Água Marinha passou a ser formado pela Petrobras (30%), TotalEnergies (30%), Petronas (20%) e Qatar Petróleo (20%).

Em entrevista, o diretor-geral da ANP, Rodolfo Saboia, disse que o bônus total arrecadado de R$ 916,252 milhões representou 72% do máximo que poderia ter sido obtido com a venda das 11 áreas. O executivo destacou ainda que o resultado reforçou o sucesso do modelo de oferta permanente, já que Norte da Brava, Sudoeste de Sagitário e Bumerangue já haviam sido ofertados anteriormente na 6ª rodada sem sucesso.

No entanto, de acordo com Julio César Moreira, diretor-executivo de E&P do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), mudanças nos principais aspectos da lei das Estatais aprovadas pela Câmara dos Deputados na semana passada podem ter afastado alguns potenciais licitantes no leilão. Assim, apenas 72% do bônus de assinatura estimado foi garantido pelo governo.

“A Petrobras continuou a usar sua posição de pioneira no desenvolvimento do pré-sal para escolher novas áreas de exploração, enquanto o interesse pode ter sido mais fraco devido às possíveis mudanças no ambiente político/governamental do Brasil. Todas as empresas que se inscreveram no leilão, além da Chevron, participaram de licitações pelos ativos, que incluíram empresas estrangeiras como Shell, Equinor, Ecopetrol e Total”, apontou o Bradesco BBI.

O Credit Suisse, por sua vez, aponta que a participação da Petrobras esta em linha com a estratégia da empresa de focar em águas profundas e ultraprofundas, especialmente no pré-sal, e no fim irão pagar R$ 729 milhões (0,2% do valor de mercado) em bônus de assinatura pela Norte de Brava (100%), Sudoeste de Sagitário (60%) e Agua Marinha (30%).

Os analistas ressaltam a mudança de modelo de leilão do pré-sal, considerando que essa foi a primeira vez que um ciclo de Oferta Permanente ofereceu ativos em regime de partilha. “Essa rodada foi a mais bem-sucedida entre os leiloes de Oferta Permanente (governo recebeu um total de R$ 916 milhões), reforçando o interesse pela região. A visão é de que os lances do leilão foram surpreendentemente competitivos”, avalia o banco que, contudo, tem visão cautelosa para a Petrobras, de olho nos riscos políticos.

Corsan: os motivos da baixa procura

Já o consórcio liderado pela Aegea venceu na véspera o leilão de privatização da companhia gaúcha de saneamento Corsan com uma oferta única de cerca de R$ 4,15 bilhões, o que representa ágio de 1,15% em relação ao mínimo estabelecido no edital.

Além da Aegea, o consórcio que arrematou a Corsan é formado pelas gestoras de ativos Perfin e Kinea. A Aegea, criada em 2010, é uma das maiores empresas de saneamento do país e possui uma série de concessões na área no país, que incluem parte dos ativos que formavam a estatal fluminense de água e esgoto Cedae. A companhia tem entre os principais sócios a holding Itaúsa (ITSA4).

O governo do Rio Grande do Sul chegou a divulgar prospecto para venda do controle da companhia via oferta pública inicial de ações (IPO), mas mudou a modelagem da desestatização em meados deste ano.

A Genial Investimentos, apesar de achar que o evento vá ser positivo para a população gaúcha, teme que o cenário de baixa competição pelo ativo seja visto como pouco inspirador para tomada de decisão da privatização de outras estatais de saneamento por parte dos seus controladores.

“Em nossa leitura, um leilão com alto grau de competitividade poderia aguçar o interesse dos respectivos governadores das empresas de saneamento com capital aberto em bolsa – Sanepar (SAPR11), Sabesp (SBSP3) e Copasa (CSMG3) – em privatizar as suas operações tendo em vista o valor potencial a ser gerado”, aponta.

Entretanto, avalia ser importante mencionar que esse evento por si só não significa o fim do processo de privatizações do setor, afinal de contas, outros métodos podem ser empregados: “citamos a privatização via diluição do controle estatal via venda de parte das suas ações e eventual desinvestimento completo em um segundo momento em condições mais interessantes, como no caso da BR Distribuidora [atual Vibra Energia VBBR3], por exemplo.”

Além disso, os analistas atribuem o baixo interesse pelo ativo ao fluxo de notícias relacionado ao governo de transição, que vem reafirmando o seu interesse em alterar o atual Marco Regulatório, trazendo grande incerteza sobre o futuro da indústria.

“Sendo assim, o fim dessa incerteza deverá fazer com que os agentes precifiquem as futuras oportunidades sob premissas mais sólidas sejam elas quais forem”, aponta. A equipe de análise da Genial também aponta ser importante mencionar que as estatais de saneamento negociam a múltiplos extremamente depreciados e mesmo um leilão com baixa procura alcançou níveis de avaliação que trazem oportunidades de ganhos em caso de privatização.

O governo gaúcho, por sua vez, atribuiu a baixa competição à judicialização do processo de privatização da Corsan. “É importante que se diga que talvez a judicialização…possa ter afastado outros investidores, mas, de qualquer forma, o importante é que o negócio se realizou”, disse o governador do Rio Grande do Sul, Ranolfo Vieira Júnior.

Anteriormente, um mandado de segurança impetrado pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgoto do Estado suspendeu o processo. Mas, nas vésperas da data do leilão, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Lelio Bentes Corrêa, autorizou a continuidade do processo de privatização, após pedido da Procuradoria-Geral do Rio Grande do Sul.

O BBI também citou a WEG como uma empresa que pode se beneficiar com a venda da Corsan, por meio de novos pedidos de motores elétricos para bombas d’água e de tintas especiais.

(com informações de Estadão Conteúdo e Reuters)

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.