Sabesp (SBSP3), Copasa (CSMG3) e Sanepar (SAPR11): possíveis mudanças no Marco do Saneamento seriam retrocesso, dizem analistas

Alterações propostas por equipe de transição devem afastar investimentos privados do setor e criar inseguranças jurídicas

Vitor Azevedo

(Crédito: Mario Tama/Getty Images)

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Vem ganhando força no noticiário político nos últimos dias a narrativa de que a equipe de transição do governo eleito, liderado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pretende fazer mudanças no Marco do Saneamento. Entre as principais alterações sugeridas pelos integrantes do grupo de Cidades, composto atualmente pelo deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) e pelo ex-governador de São Paulo Márcio França (PSB), está a revogação de decretos regulatórios envolvendo o setor.

Um desses decretos impede, por exemplo, que estatais e municípios fechem contratos no setor de saneamento sem licitações. Esses acordos foram predominantes nas últimas décadas e geraram uma série de relações nas quais as companhias públicas de saneamento não tinham condições financeiras de investir no desenvolvimento de infraestruturas para oferecer os serviços de saneamento básico e de fornecimento de água para a população.

A transformação em questão, estipulada em 2020, junto das metas impostas pelo Marco (de chegar até 2033 com 99% da população brasileira com acesso à água potável e 90% com acesso a saneamento), vem pressionando as companhias estatais a acharem formas de capitalização – o que inclui processos de privatização.

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De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), em 2009, apenas 85% da população brasileira tinha acesso à água e 52% a saneamento básico.

Por conta da imposição, governadores já sinalizaram por exemplo, a intenção de privatizar a Sabesp (SBSP3), a Copasa  (CSMG3) e a Sanepar (SAPR11), mas analistas já ficam de olho em possíveis mudanças caso haja alterações no setor.

Sabesp, Copasa e Sanepar mais longe da privatização

“Se tivermos a mudança no Marco do Saneamento, será ruim, um passo para trás. Foi uma iniciativa que atraiu investimentos privados, inclusive do exterior. Essa participação do privado, porém, não parece ser de interesse do novo governo, que quer um aumento da participação do estado e das estatais”, explica Anderson Meneses, CEO e fundador da Alkin Research. “As companhias estatais não têm nível de investimento, não têm dinheiro, e dificilmente conseguirão bater a meta”.

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A alteração apresentada pela equipe de transição retira a pressão das estatais a respeito dos possíveis processos de capitalização, uma vez que essas companhias continuarão podendo assinar contratos sem a contrapartida financeira.

“A mudança em questão depende da aprovação do Congresso e imagino que ela pode ser bloqueada. Por enquanto, trata-se de especulação. Por mais que tenha essa ideia do Governo de avançar com a força estatal e frear a iniciativa privada, há o contraditório de que teremos, com isso, o impacto social. A população não conseguiria ser atendida”, acrescenta Meneses.

O Itaú BBA, em relatório, vai no mesmo sentido. “Desde a aprovação da nova Lei de Saneamento em 2020, as concessões em vigor devem ser leiloadas quando os contratos expirarem. Esta foi uma mudança fundamental para o setor de saneamento, abrindo o mercado para investimentos privados. No passado, as estatais conseguiam renovar esses contratos por 30 anos, mesmo quando a população era mal atendida nos serviços oferecidos”, comenta a equipe de analistas chefiada por Marcelo Sá.

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Outras alterações no Marco de Saneamento

A equipe de transição, ainda de acordo com o BBA, discute também a imposição de uma cláusula que impede a manutenção dos contratos antigos no caso de estatais serem privatizadas, impondo uma renegociação ou uma substituição.

Isso, para os especialistas, torna desinteressante movimentações do tipo para empresas como a Sabesp, a Sanepar e a Copasa. A revisão dos contratos de licitação em vigor afastaria investidores ou, ao menos, derrubaria o preço das companhias consideravelmente.

Por fim, os especialistas também chamam a atenção para a questão de que a equipe de transição quer tirar a regulamentação do setor de saneamento para da Agência Nacional das Águas e Saneamento Básico (ANA) e transferi-la para o Ministério das Cidades, o que traria insegurança jurídica e afastaria investimentos privados.

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“O setor deve ser regulado por uma agência reguladora independente que faça cumprir as obrigações previstas em lei, aplicando penalidades às empresas/municípios que não as cumprirem”, diz o BBA. “A agência reguladora ANA é vital para criar um ambiente favorável para investimentos, principalmente porque os poderes concedentes no setor de saneamento são descentralizados”, defendem os especialistas do Bradesco BBI, chefiados por Francisco Navarrete.

Os analistas defendem que, em nenhum lugar do mundo, um setor de infraestrutura floresce sem um regulador técnico, que tem o papel de criar arcabouços para tornar investimentos no setor viáveis. A transferência da regulamentação para o Ministério das Cidades colocaria as normas como “atendendo o governo em andamento”.

Contraponto: Mudança pode ser positiva

Apesar de trazer possíveis avanços no âmbito social, há analistas de mercado que veem o Marco de Saneamento trazendo impactos negativos para as estatais. É o caso de João Daronco, analista da Suno Research, por exemplo.

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“Do meu ponto de vista, o Marco do Saneamento é interessante por abrir novos mercados, mas há contrapontos. As companhias precisarão, por exemplo, realizar mais investimentos, destinando boa parte da sua geração de caixa para isso, e provavelmente diminuirão seus dividendos”, defende.

Além disso, de acordo com ele, a nova regulamentação obriga as empresas estatais a cobrirem novas áreas, incluindo regiões com baixa densidade demográfica, que apresentam menor rentabilidade.

“É muito mais rentável oferecer serviço de água e saneamento em cidades populosas, com as redes sendo menores e atendendo mais pessoas”, contextualiza. “Para concluir, o Marco de Saneamento pode ser um payout e ainda resultar em menor rentabilidade”.