Americanas (AMER3) decidiu chamar crise de fraude após documentos apresentados, diz CEO da varejista

"A fraude da Americanas é uma fraude de resultados", comentou Leonardo Pereira na CPI da Americanas

Equipe InfoMoney

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O atual diretor-presidente da Americanas (AMER3), Leonardo Coelho, disse nesta terça-feira, 13, na CPI da Americanas, que acontece na Câmara dos Deputados, que neste dia a companhia decidiu chamar a crise de fraude, em virtude dos documentos apresentados pelos seus administradores judiciais.

“A fraude da Americanas é uma fraude de resultados”, comentou.

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Ao mostrar documentos, submetidos à CPI, ele mostrou que a companhia inflava seus resultados, mas como eles não apareciam no caixa, tinham de ser descontados de alguma forma: daí o uso de contratos fraudados de verbas de publicidade serem abatidos da “conta fornecedores”.

Os documentos exibidos por ele na CPI, e que não haviam sido divulgados ao mercado, também apontam suposta modificação da redação de documentos contábeis por bancos incluindo Itaú Unibanco (ITUB4) e Santander Brasil (SANB11) e pelas auditorias PwC e KPMG após pedidos de diretores da Americanas.

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Coelho ainda disse que os indícios recolhidos até então não revelam participação do Conselho de Administração ou dos acionistas de referência da companhia.

PwC e KPMG disseram que não podem comentar por motivo de sigilo. O Itaú Unibanco afirmou que é “leviano” atribuir a terceiros a responsabilidade pela “fraude”. O Santander Brasil afirmou que a única e exclusiva responsável é a Americanas.

Em fato relevante, a Americanas afirmou pela manhã que suas demonstrações vinham sendo fraudadas pela diretoria anterior da empresa. Foi a primeira vez que a companhia usou o termo fraude desde a revelação do caso, em janeiro, que levou a varejista à recuperação judicial. Até então, o tema era tratado oficialmente como “inconsistências contábeis”.

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“Essas evidências trazidas hoje… não mais permitem tratar como inconsistências contábeis”, disse Coelho, que chegou à Americanas em fevereiro, mais de um mês após o rombo ser divulgado.

As novas conclusões vieram de um relatório de assessores jurídicos, apresentados na véspera ao Conselho de Administração da Americanas, com informações de um comitê independente que está investigando o caso. O comitê em si, no entanto, não finalizou sua investigação e não apresentou uma conclusão, de acordo com Coelho.

Detalhes do relatório apresentados por Coelho nesta terça-feira revelam como uma suposta fraude contábil foi arquitetada pela companhia.

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Um dos documentos divulgados é um suposto e-mail interno entre diretores da empresa com a demonstração de resultados de 2021. Esse balanço estaria com o título de “versão interna” e mostrava, entre outras coisas, um prejuízo operacional pelo Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) de R$ 733 milhões para o ano.

No entanto, o que teria sido divulgado ao mercado foi uma outra demonstração, denominada de “versão conselho”, com Ebitda positivo em R$ 2,9 bilhões. Esse foi, de fato, o Ebitda ajustado divulgado pela companhia na ocasião.

Coelho afirmou que mais de 30 funcionários ainda na empresa estariam relacionados com a fraude, e que eles estão sendo demitidos nos últimos dois dias. A Americanas apontou que o relatório indica a participação do ex-presidente Miguel Gutierrez e de outros seis executivos de alto escalão. A assessoria de Gutierrez não respondeu a pedido de comentário até a publicação desta reportagem.

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CONTRATOS DE PUBLICIDADE

A Americanas afirmou que a suposta fraude funcionava por meio da falsificação de contratos de verba de propaganda cooperada e instrumentos similares. Esses contratos, comuns no varejo, são fechados entre as varejistas e os fornecedores. Na prática, é como se fornecedores pagassem um valor extra, uma bonificação, para que seus produtos tenham publicidade pela varejista — caso essa exposição se reverta efetivamente em vendas.

Coelho mostrou aos deputados um suposto e-mail de fevereiro de 2020 no qual um funcionário da Americanas pede a inclusão contábil de um desses contratos. Esse acordo estaria como sendo de 2019, mas, na verdade, fora criado em fevereiro de 2020, disse o executivo, citando os documentos.

O atual presidente da Americanas afirmou que não há indícios da participação de fornecedores, que podem ter tido suas assinaturas forjadas, conforme o relatório.

Segundo a Americanas, esses contratos falsos, ao longo do tempo, somaram R$ 21,7 bilhões até o terceiro trimestre do ano passado. O executivo disse que as primeiras evidências remetem a 2016, mas não há certeza se esse foi o início da fraude.

Para compensar essa receita inexistente no caixa, Coelho afirmou, citando o relatório, que a Americanas passou a fechar contratos de risco sacado com os bancos — quando uma empresa contrata um banco para realizar a antecipação de recebíveis a fornecedor.

“Pode-se criar lucro a partir de uma planilha, só que você não cria caixa a partir de uma planilha… é preciso de uma linha de caixa, de um empréstimo bancário”, disse ele.

A Americanas não divulgava corretamente no balanço as operações de risco sacado, segundo ele, o que não permitia ao mercado saber o tamanho da dívida da companhia. Além disso, os juros dessas operações eram pagos, mas também usados para reduzir os passivos, afirmou.

AUDITORIAS E BANCOS

Coelho também afirmou que os documentos mostram um suposto envolvimento de bancos e auditorias, informações que não se tinha até então publicamente.

Em um dos e-mails exibidos por ele, a KPMG teria modificado trecho de um relatório de 2017 sobre a B2W – empresa de comércio eletrônico que se fundiu com a Lojas Americanas em 2021 para formar a Americanas – após pedido da varejista.

Um documento inicial da empresa de auditoria sobre a B2W continha o trecho “recomendações para atenção do Conselho de Administração (deficiências significativas)”, segundo apresentado por Coelho. Essa frase teria sido substituída por “recomendações que merecem atenção da Administração”.

A KPMG disse que “por motivos de cláusulas de sigilo e regras da profissão, está impedida de se manifestar sobre casos envolvendo clientes ou ex-clientes da firma”.

Outra citada é a PwC. Um email de 2016 supostamente mostraria a empresa modificando os termos de uma carta de representação sobre a ausência de conhecimento acerca de operações de risco sacado da Lojas Americanas. O termo “risco sacado” e outros sinônimos teriam sido retirados do trecho.

Coelho destacou, porém, que falta maior contexto no caso da PwC para entender essa comunicação por completo.

A PwC afirmou que “não comenta temas de clientes por questões de confidencialidade e regras de sigilo profissional.”

O Itaú e o Santander Brasil também foram citados por Coelho, que exibiu supostas trocas de mensagens no qual os bancos privados teriam modificado a redação de cartas de circularização — documento usado para auditoria — após contato com diretores companhia, também retirando termos ligados ao risco sacado.

O Itaú disse que até 2017 as cartas de circularização traziam o saldo integral das operações de risco sacado, mas a partir de 2018, após discussões de mercado, foi restringida para refletir apenas as operações contratadas diretamente pela Americanas. O banco afirmou, porém, que foi adicionado o parágrafo que alertava para a realização de operações de antecipação de recebíveis emitidos contra a Americanas.

Além disso, o Itaú acrescentou que “a elaboração das demonstrações financeiras é responsabilidade exclusiva da companhia e de seus administradores” e que é “leviano” atribuir a terceiros a responsabilidade pela “fraude”.

O Santander Brasil afirmou que o fato relevante desta terça-feira “comprova taxativamente que a única e exclusiva responsabilidade pelas ‘inconsistências contábeis’ é da Americanas, por intermédio da sua antiga diretoria”.

O banco também disse que as cartas de circularização são apenas uma entre muitas fontes de auditoria e que sempre informou integralmente todos os saldos das operações da companhia em sistema do Banco Central.

(com Estadão Conteúdo e Reuters)