Aéreas: com combustível e dólar em alta, inflação ameaça retomada do setor

Companhias como Azul (AZUL4) e Gol (GOLL4) têm cada vez menos espaço para repassar custos e preservar margens, dizem analistas

Mitchel Diniz

Airplane flying

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Os números ainda não são os mesmos de antes da pandemia, mas o tráfego de passageiros e a oferta de assentos nas companhias aéreas brasileiras retomaram o fôlego, aos poucos, ao longo do primeiro semestre deste ano. A demanda por viagens, assim como outros serviços relacionados à mobilidade, estava represada por conta da pandemia, afirmam os economistas. Agora, com menos exigências para voar e mais destinos abertos aos turistas, os resultados operacionais do setor aéreo têm vindo positivos.

Em maio, a Gol (GOLL4) apresentou um crescimento de 97,1% na demanda por voos, em relação a um ano antes. O número de passageiros transportados saltou 91%, para 2,02 milhões. As decolagens mais que dobraram entre os dois períodos (com alta de 130,9%). Contando apenas os voos internacionais, a companhia alcançou taxa de ocupação de 90,6%, transportando 70 mil passageiros e com 459 decolagens.

No mesmo mês, a Azul (AZUL4) informou que o tráfego de passageiros consolidado (RPKs) aumentou 74,0% em relação a maio de 2021. Nos voos internacionais, a alta foi de 339,9%, com uma oferta de voos (ASK) 152,6% maior. A taxa de ocupação das aeronaves subiu para 77,3%.

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Os custos das companhias, porém, continuam aumentando. Por enquanto, as empresas estão conseguindo repassar essa pressão para as tarifas ao consumidor. Mas até quando as aéreas vão conseguir manter suas margens? Será que a escalada de preços vai impactar a demanda e prejudicar o ritmo de retomada dessas companhias?

Vilão da inflação?

Em maio, as passagens aéreas ficaram 18,33% mais caras e puxaram o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA), que avançou 0,47% no mês, em comparação com abril. Analistas esperavam que os preços diminuíssem em junho, mas não foi o que aconteceu. No IPCA-15, prévia da inflação do mês, o preço dos bilhetes subiu mais 11,36% – no acumulado de 12 meses, a alta é de 123%, ou seja, mais que dobrou de valor.

“O item de passagens aéreas vinha apresentando deflação ao longo de 2020 e até o início de 2022, na variação 12 meses. O que vemos agora é um realinhamento de preços dentro da cesta do consumidor”, afirma Mirella Hirakawa, economista da AZ Quest. Ela explica que as recentes medidas de transferência de renda, como a antecipação do FGTS, direcionam mais recursos para itens de serviços. “Em 2020, o impacto da transferência de renda foi mais voltado ao consumo de bens”, explica.

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Vale lembrar que retomada do turismo até fez com que a CVC (CVCB3) aprovasse uma oferta subsequente de ações para suportar o crescimento de suas operações, com o aumento da procura por viagens de lazer e corporativas. A empresa movimentou R$ 402,8 milhões com o follow on.

Custos cada vez mais altos

De acordo com a Associação Brasileira de Empresas Aéreas (Abear), o querosene de aviação (QAV) é o item de maior peso para o setor, respondendo por mais de um terço dos custos das companhias. Cálculos da entidade, com base em preços da Petrobras, mostra que o combustível ficou 64,3% mais caro entre 1º de janeiro e 1º de junho deste ano. Ainda segundo a Abear, o custo do QAV no Brasil é 40% superior à média global.

A Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata, na sigla em inglês), por sua vez, estima que o querosene de aviação tem sido negociado por um valor 40% mais caro que o do petróleo tipo brent. A capacidade global para o refino desse combustível é baixa e a invasão da Ucrânia pela Rússia, que já dura mais de quatro meses, piorou esse cenário.

Dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) mostram que, em 2021, o Brasil produziu 93% do QAV consumido internamente e importou apenas 7% do volume. “Portanto, não faz sentido a parcela produzida no Brasil ser precificada pelos mesmos critérios do insumo importado”, diz em nota a Abear.

Outro agravante é o dólar, que voltou a ser negociado acima de R$ 5, sendo que metade dos custos das aéreas está atrelado à moeda. Além do combustível, as companhias também pagam em divisa estrangeira pelo arrendamento das aeronaves.

“As aéreas vão precisar repassar esses custos para tarifa e a capacidade dos passageiros de pagar mais caro vai depender do nível de renda da população que utiliza avião”, afirma Renato Hallgren, analista do BB Investimentos.

Bruno Komura, da equipe de análise da Ouro Preto Investimentos, avalia que a capacidade das aéreas de repassar custo está diminuindo. “Ainda que as companhias repassem os custos para não prejudicar margens, se isso ocorre de forma integral em um cenário econômico desfavorável, com certeza elas vão sofrer”, afirma.

Lucas Laghi, analista de transportes e bens de capital da XP, acredita que as aéreas podem lidar com uma estabilização de demanda agora na segunda metade do ano, justamente porque o repasse dos custos ao consumidor está chegando no limite.

“Se começa a impactar o poder de compra da população, diminui o apetite por voos e impacta o setor como um todo”, afirma.

Salvação corporativa

Se a demanda do passageiro de turismo tende a arrefecer em um cenário de inflação e juros elevados, o setor de viagens corporativas, que vem se recuperando desde o início do ano, teria capacidade de sustentar tarifas maiores, afirma Hallgren, do BB Investimentos. A Associação de Agências de Viagens Corporativas (Abracorp) acredita que o faturamento do segmento deve crescer 20% em 2022 na comparação com 2019, antes da pandemia.

Em maio último, as viagens corporativas atingiram R$ 1,12 bilhão, avançando 25% em relação a abril. Do total, R$ 755,4 milhões vieram de serviços aéreos. O faturamento tem sido puxado justamente pelo encarecimento das passagens aéreas, mas o número de viagens, segundo a Abracorp, continua 35% abaixo do de 2019.

“A pandemia não é mais a preocupação do mercado corporativo. Agora, é o peso da inflação sobre o custo dos combustíveis e sobre as passagens aéreas”, afirma Gervásio Tanabe, presidente executivo da Abracorp. Ele não descarta o risco de que a inflação possa estrangular essa demanda que vem se recuperando ao longo do ano. Mas tende a acreditar mais em uma estabilização de preços das tarifas no segundo semestre, que, historicamente, costuma ser mais positivo que o primeiro para as viagens corporativas.

“A economia começa a rodar com a pandemia arrefecendo, o que é natural após dois anos de estagnação”, diz Tanabe. Ainda que a guerra na Ucrânia seja um dos principais pontos de preocupação, o presidente da Abracorp acredita que a alta das commodities também tem chances de aquecer o mercado interno, dada a posição global do Brasil como produtor de matérias primas.

Na Bolsa, aéreas seguem em baixa

No acumulado do ano, os papéis da Azul (AZUL4) e Gol (GOLL4) acumulam queda de mais de 40%. Mesmo com a melhora operacional das companhias nos últimos meses, os papéis operam próximos das mínimas no ano.

“Isso acontece porque o investidor está sempre antecipando potenciais situações econômicas. Hoje, a principal discussão é se a alta dos juros pelo Federal Reserve, nos Estados Unidos, vai gerar recessão na economia global ou não. E o transporte aéreo é um dos primeiros a sentir o impacto de uma recessão”, explica Renato Hallgren.

Por enquanto, Bruno Komura, da Ouro Preto Investimentos, acredita que o setor “tende a melhorar no segundo semestre com a retomada de voos internacionais”. Lucas Laghi, da XP, também acredita que as receitas do setor devem continuar em ritmo de retomada no segundo semestre, mas com o desafio de manter a rentabilidade.

“As aéreas vão precisar manter margens e retomar números de antes da pandemia, mas o cenário de câmbio e petróleo também vai ser um grande desafio”, conclui.

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Mitchel Diniz

Repórter de Mercados