Acordo da Opep+ foi histórico, mas por que analistas seguem céticos com o mercado de petróleo?

Dúvidas sobre como será a participação de cada país para corte de produção e visão de que acordo será insuficiente limitam ânimo do mercado

Lara Rizério

Plataforma de Petróleo

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SÃO PAULO – Histórico, mas insuficiente. Essa foi a avaliação de analistas de mercado para o acordo feito pelos integrantes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo e mais outros grandes produtores (Opep+) para cortar a produção de petróleo em em 9,7 milhões de barris ao dia (mbpd) a partir de 1º de maio, por dois meses. A partir de julho de 2020, o nível de cortes será reduzido para 7,6 mbpd até o final do ano, e depois passará a 5,6 mbpd, vigentes até o final de 2022.

Enquanto isso, países fora da Opep+ decidiram, após negociações que se prolongaram por cerca de 4 dias, cortar em 5 milhões de barris por dia a produção, ainda que as cotas para cada país e o tempo para os cortes permaneçam incertos. O corte destacado pela mídia internacional seria de 2 milhões de barris para os EUA e 1 milhão para o Canadá (apesar de ser negado). O Brasil, possivelmente, cortaria 700 mil barris de sua produção.

Fora essa questão, ainda restam muitas dúvidas se o acordo será suficiente para se evitar uma situação de aumento exacerbado dos estoques de petróleo no mundo em vista da queda de demanda global de 20% a 30% como fruto da pandemia do COVID-19, que efetivamente paralisou o transporte aéreo e boa parte do terrestre no mundo. “A deterioração de condições econômicas também é fonte de preocupações”, avalia a equipe da XP Investimentos.

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Além disso, vale ficar atento a alguns sinais diversos após o acordo. A Saudi Aramco fez um drástico corte nos preços após o acordo para os clientes asiáticos, em meio a uma forte queda na demanda causada pela pandemia. Por outro lado, a estatal de petróleo saudita elevou todos os seus preços para os EUA. Na semana passada, o presidente americano, Donald Trump, ameaçou elevar tarifas sobre importações de petróleo, numa tentativa de persuadir sauditas e russos a cortarem sua produção.

Por outro lado, mesmo com a queda da produção, a crise dos estoques continua. O excesso de petróleo deixa até o principal centro de comércio da commodity no Oriente Médio sem espaço para armazenar os barris indesejados.

Porém, as autoridades envolvidas no acordo têm afirmado que os cortes podem ser acima dos 10 milhões reportados. “Tendo participado das negociações, para dizer de forma moderada, o número que a OPEP+ está considerando cortar é de 20 milhões de barris por dia, não os 10 milhões que geralmente estão sendo relatados”, escreveu Donald Trump no Twitter, destacando: “Obrigado a todos que trabalharam comigo para recuperar essa grande indústria, principalmente a Rússia e a Arábia Saudita”.

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Já o príncipe Abdulaziz bin Salman, ministro de Energia da Arábia Saudita, disse nesta segunda-feira (13) que os cortes efetivos na oferta de petróleo devem somar cerca de 19,5 milhões de barris por dia. Isso leva em consideração o acordo do grupo, o comprometimento de outros países do G20 e compras de petróleo para reservar estratégicas.

O príncipe disse ainda que os sauditas podem reduzir sua produção abaixo de sua cota atual de 8,5 milhões de bpd caso isso seja necessário para o mercado e se os cortes forem realizados de maneira coletiva com outros países, em base proporcional.

O próximo encontro da Opep+ para decidir sobre a política de produção será em junho, por meio de teleconferência.

Desta forma, entre tantas sinalizações (e que mostram que as tomadas de decisões para amenizar a forte queda dos preços do petróleo ainda não chegaram ao fim), o petróleo tem uma sessão de volatilidade. O petróleo WTI, negociado nos EUA, chegou a subir mais de 8% durante a manhã, praticamente zerou os ganhos mas, durante a tarde, voltou a registrar alta, ainda que mais modesta.

Conforme destaca o Bradesco BBI, as notícias sobre o mercado são positivas e devem ajudar a evitar um colapso adicional nos preços do petróleo, mas não se espera uma recuperação estrutural nos preços do petróleo até o primeiro trimestre de 2021. Ou seja, não espere “prosperidade”, apontam os analistas do banco.

“Os cortes devem ajudar a reduzir a volatilidade no curto prazo, mas os preços do petróleo devem permanecer deprimidos em relação aos níveis históricos recentes. Em nossa opinião, os cortes aprovados devem ser bons o suficiente para impedir que os preços do petróleo caiam ainda mais e ajudar a evitar a ampla destruição (e demissões) da indústria de petróleo e gás em vários países. Por outro lado, não vemos os preços do petróleo se valorizando significativamente no curto e no médio prazo”, avaliam.

Ao inserirem os cortes propostos no modelo de oferta e demanda (que inclui um pico de 3 meses de impacto do Covid-19 na demanda, que seria afetada em 25 milhões de barris por dia), os analistas do banco destacam o preço do brent ficaria em uma média de US$ 32 o barril em 2020 (em linha com a cotação atual) e de US$ 43 o barril em 2021, com o ponto de inflexão ocorrendo a partir do primeiro trimestre.

Em relatório, o Credit Suisse também ressalta que o ritmo de recuperação da demanda será inquestionavelmente o maior catalisador para os preços do petróleo.

“Permanece a incerteza quanto à rapidez com que a demanda retornará após as políticas de isolamento social serem flexibilizadas, além do impacto estrutural adverso para a demanda que provavelmente acontecerão por mudanças comportamentais pós-pandêmicas”, avaliam, também prevendo que a demanda deva retornar ao crescimento anual só no ano que vem.

Os mais fortes e o grau de confiança no acordo

Segundo o Bradesco BBI, quem ganhou mais com o acordo do fim de semana foram os EUA, que saem mais fortes do conflito que durou um pouco mais de um mês.

Vale destacar que a crise do setor de petróleo foi deflagrada a partir de 8 de março, após um desacordo entre a Arábia Saudita e a Rússia, interrompendo temporariamente uma parceria de mais de quatro anos que ajudou a reequilibrar os preços do petróleo. A Rússia não quis ceder a uma iniciativa liderada pelos sauditas para obrigá-la a se juntar ao cartel nos cortes de produção. A ideia de Moscou era pressionar os produtores de gás de xisto dos EUA, que elevaram a sua produção enquanto os países que formavam a Opep+ reduziam a sua produção. Sem o acordo, russos e sauditas começaram uma verdadeira guerra de preços, levando ao pior trimestre da história para a commodity, com queda de mais de 60%, baixa intensificada com a queda da demanda por conta do coronavírus.

Para o Bradesco BBI, embora as empresas de petróleo dos EUA provavelmente cortassem a produção de qualquer maneira (devido às suas condições financeiras), o presidente americano conseguiu mostrar sua influência sobre os conflitos internacionais, pressionando o acordo da OPEP+ a acontecer.

Como resultado, os preços devem ser mais contidos, provavelmente evitando o colapso da indústria de xisto dos EUA e mantendo as demissões mais controladas. Do ponto de vista da Arábia Saudita, o país conseguiu manter sua aliança militar com os EUA e conseguiu fazer com que vários outros países participassem dos cortes, algo que o Reino estava perseguindo por um tempo.

“A Rússia, para nós, parece ter obtido o resultado menos favorável: acabou tendo que cortar a produção de qualquer maneira e, até agora, nada recebeu em troca de uma nova reunião nas negociações”, avalia o Bradesco BBI.

Ao falar sobre a Rússia, o Credit Suisse questiona se o país realmente cortará a produção em 2,5 milhões de barris por dia, destacando que esse será um teste significativo sobre a coordenação dos países produtores.

Os analistas do banco suíço apontam que a coordenação tem sido forte entre os países que compõem Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), que reúne os seis estados do Golfo Pérsico: Omã, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Qatar, Bahrein e Kuwait. Contudo, o novo acordo atribui menos de 38% dos cortes ao CCG.

Eles ainda questionam: o mercado deve confiar em um acordo de mais longo prazo para corte de produção somente um mês após uma guerra de preços e uma negociação difícil que apenas pareceu chegar a uma conclusão após considerável pressão política dos EUA?

Todas essas questões levam a um movimento de cautela dos analistas para o setor de petróleo. O Bradesco BBI elevou o preço-alvo para as ações preferenciais da Petrobras (PETR4) de R$ 16 para R$ 18,50, um potencial de valorização de cerca de 10% em relação à sessão de quinta-feira, mas manteve recomendação neutra para os ativos. A elevação do preço-alvo ocorreu principalmente para incorporar um dólar mais alto (de R$ 4,80 antes estimativa de R$ 4,35).

Assim, o corte de produção foi bem-vindo, indicando que o pior foi evitado. Porém, ele não foi tão disruptivo para o setor, que deve seguir sofrendo com os preços baixos, alta nos estoques e queda de demanda por conta do coronavírus. Desta forma, os grandes catalisadores para o petróleo seguirão sendo a expectativa por novas reduções na produção (caso essas não se mostram suficientes), ritmo do avanço do coronavírus no mundo e se o acordo (agora boa parte dependendo de países fora da Opep) será cumprido à risca.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.