Ações do Carrefour fecham em baixa de 5,35% em meio a protestos após assassinato de homem negro em supermercado

Depois da pouca reação na sexta-feira, queda das ações é expressiva na sessão

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Após uma sexta-feira em que fecharam em leve alta, as ações do Carrefour Brasil (CRFB3) registraram expressiva queda nesta segunda-feira (23), em baixa que chegou a ser de cerca de 7,06%, destoando do dia de alta do Ibovespa. Os papéis CRFB3 fecharam em baixa de 5,35%, a R$ 19,30, enquanto o benchmark da bolsa fechou em forte alta de 1,27%, a 107.387 pontos. O volume negociado das ações CRFB3 foi de R$ 454 milhões, ante a média diária de R$ 125 milhões dos últimos 21 pregões.

O movimento ocorre após uma série de protestos durante o fim de semana após o soldador João Alberto Silveira Freitas, negro de 40 anos, ser espancado e morto por seguranças terceirizados em uma das lojas do supermercado Carrefour em Porto Alegre (RS) na última quinta-feira (19). Ele foi enterrado neste sábado.

Um grupo de manifestantes atacou e incendiou uma loja em São Paulo após a 17ª Marcha da Consciência Negra, que pediu justiça pela morte.

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Segundo a Brigada Militar do Rio Grande do Sul, o espancamento teria ocorrido após João Alberto ter se desentendido com uma funcionária do Carrefour. Dois suspeitos pelo assassinato foram presos em flagrante, sendo um deles é policial militar. A primeira necropsia indicam que João Alberto morreu por asfixia.

O Carrefour Brasil informou no sábado que as vendas do dia 20 de novembro das lojas Carrefour Hipermercados serão doadas para entidades ligadas à luta pela consciência negra. Em nota à imprensa, a varejista afirmou que o Dia da Consciência Negra, celebrado na véspera em várias cidades do Brasil, deveria ser marcado pela conscientização da inclusão de negros e negras na sociedade, mas “foi o mais triste da história do Carrefour”.

Em um comunicado no horário nobre da TV, o presidente do Grupo Carrefour no Brasil, Noel Prioux, afirmou: “O que aconteceu na loja do Carrefour foi uma tragédia de dimensões incalculáveis, cuja extensão está além da minha compreensão como homem branco e privilegiado que sou. Então, antes de tudo, meus sentimentos à família de João Alberto e meu pedido de desculpas aos nossos clientes, à sociedade e aos nossos colaboradores”. Na sexta, ele havia afirmado no Twitter que haveria uma “revisão completa no treinamento” oferecido pela rede.

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No mesmo anúncio, João Senise, vice-presidente de recursos humanos do Carrefour Brasil, afirmou: “O que aconteceu em nossas lojas não representa quem somos e nem os nossos valores. Cinquenta e sete por cento dos nossos colaboradores são negros e negras, e mais de um terço dos gestores se autodeclaram pretos ou pardos. Mas estamos conscientes que precisamos de mais ações concretas e efetivas para o fortalecimento da nossa cultura de diversidade”.

Na sexta-feira, o MPF (Ministério Público Federal) defendeu, por meio de nota, que o Carrefour adote medidas de compliance em toda a rede para combate ao racismo, e que a família de João Alberto Freitas seja indenizada. Veja mais clicando aqui. 

Desempenho das ações

Na última sexta-feira, apesar dos protestos e da repercussão do caso, enquanto o Ibovespa caiu 0,59%, as ações do Carrefour fecharam em alta de 0,49% na B3, levando a questionamentos sobre se os investidores estão realmente preocupados com a maneira como as empresas agem, ou se apenas os resultados importam.

Para Fabio Alperowitch, gestor de portfólio da FAMA Investimentos, e um dos pioneiros em investimentos ESG, que considera práticas ambientais, sociais e de governança, o episódio reforça que as empresas ainda são reativas neste campo, só mudando práticas após eventos negativos de forte repercussão. “As empresas não estão fazendo porque é ético e moral, mas sim porque é ruim não fazer”, diz. Para ele, o mercado ainda cobra pouco. “Fica visível que a incorporação do discurso aconteceu, mas a prática (do ESG) está longe.”

Cabe ressaltar ainda que os seguranças que espancaram João Alberto Silveira Freitas eram funcionários de uma empresa terceirizada, o que leva a uma zona cinzenta sobre a responsabilidade que a Justiça atribuirá à varejista.

Contudo, mesmo que a Justiça não responsabilize o Carrefour (por envolver funcionários terceirizados), a visão é de que a rede precisa mostrar que seus prestadores de serviço não estão autorizados a agir em contrariedade a seus princípios. “Este é o segundo caso envolvendo segurança de lojas. A companhia, dado o porte, deveria fazer um trabalho melhor de treinamento”, disse Daniela Bretthauer, analista do setor na casa de análises Eleven Financial, à Agência Estado.

Não é a primeira vez que o Carrefour se envolve em episódios trágicos. Em agosto deste ano, um homem morreu enquanto trabalhava em uma loja do mercado em Recife (PE), tendo o seu corpo escondido por guarda-sóis para que o Carrefour não fechasse. Depois do ocorrido, em nota, a rede de supermercados se desculpou e afirmou ter “mudado as orientações aos colaboradores para situações raras como essa — incluindo a obrigatoriedade do fechamento da loja”.

Em 2018, um cachorro foi morto por um segurança da empresa de uma unidade de Osasco, no interior de São Paulo. Em março de 2019, a rede de supermercados teve que pagar R$ 1 milhão como indenização pelo caso, conforme estabelecido pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP).

Na sexta-feira, analista ouvida pelo InfoMoney destacou que os analistas e investidores iriam monitorar a maneira como o Carrefour iria atuar – e também a reação da sociedade. “Se houver uma reação mais organizada da sociedade, levando a um boicote da marca, o efeito nas operações e, consequentemente, nas ações, deve ser maior”, avaliou. Veja mais clicando aqui. 

Os fortes protestos entre a noite de sexta-feira e o fim de semana acabaram servindo como uma resposta, o que leva à reação mais forte das ações nesta sessão.

Para Alperowitch, a baixa dos papéis ocorre, contudo, não por conta de maior conscientização dos investidores, mas porque os protestos do fim de semana, com algumas lojas destruídas e outras tendo que ser fechadas, afetam faturamento e o lucro.

Segundo o gestor, o tema ESG será considerado aos poucos pelos investidores, mas ainda não é o caso no Brasil: “A longo prazo, sou bem otimista por conta da Geração Z [grupo nascido entre 1996 e 2016]. Mas temos que parar de celebrar que vivemos em um mundo ESG, pois isso não existe de fato”, afirma.

(Com Agência Estado)

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.