Ações de aéreas saltam, varejistas de e-commerce caem forte em setembro: o que explica esse movimento?

Analistas também destacam o que esperar para os dois setores em meio a movimentos tão expressivos no período

Lara Rizério

(Shutterstock)

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SÃO PAULO – O mês de setembro está sendo marcado por uma forte volatilidade no mercado acionário. A queda acumulada do Ibovespa não é tão expressiva, de cerca de 1% no período, mas tem sido recorrente ver pregões em que o índice cai ou sobe mais ou menos de 1%, com viradas ao longo das sessões dependendo do noticiário externo e doméstico. Neste cenário, algumas ações têm se destacado – tanto positiva quanto negativamente.

Em forte queda acumulada no ano de 2020, com a pandemia do coronavírus impactando de forma bastante expressiva as suas operações, os papéis das aéreas Gol (GOLL4) e Azul (AZUL4) têm subido expressivamente em setembro, com ganhos de quase 20% para a Azul e de mais de 10% para GOLL4. Por outro lado, as empresas com forte exposição ao e-commerce, que têm alta expressiva de seus papéis no ano, têm se destacado negativamente no período. Via Varejo (VVAR3) e B2W (BTOW3) têm baixa superior a 12% no mês, enquanto Magalu tem queda menor, mas ainda expressiva na comparação com o índice de 6%.

No caso de aéreas, uma conjunção de fatores explica essa alta recente. Além dos investidores em busca de “pechinchas” na Bolsa (papéis AZUL caem 54% e GOLL4 têm baixa de 46% no ano), tem ajudado o fato do dólar ter registrado queda no período de mais de 3%. A moeda passou de R$ 5,48 para a casa dos R$ 5,30, em meio às sinalizações de taxas mais baixas de juros por mais tempo pelo Federal Reserve.

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Essa correlação negativa acontece porque as companhias do setor aéreo têm boa parte de suas dívidas atrelada ao dólar. Além disso, grande parte dos custos e despesas das aéreas também é relacionada à moeda americana, caso de gastos com combustível de aviação e manutenção de aeronaves.

Soma-se a isso, ainda, sinais de recuperação do ponto mais crítico da pandemia à medida que as economias vão reabrindo, o que vem suscitando revisões de recomendação por casas de análise.

Na semana passada, Savanthi Syth e Matt Roberts, analistas da Raymond James, elevaram a recomendação para os ADRs (na prática, as ações de companhias brasileiras negociadas no exterior) de Gol e Azul de marketperform (desempenho em linha com a média do mercado) para outperform (desempenho acima da média do mercado).

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“A demanda doméstica do Brasil continua se recuperando, com o segmento corporativo começando a ter uma recuperação notável em meio à reabertura da economia do país, embora ainda relacionada principalmente a empresas de pequeno e médio porte”, afirmam os analistas.

Já nessa semana, foi a vez do Deutsche Bank revisar a recomendação para os ativos de manutenção para compra, citando ainda o reperfilamento de dívidas e a reestruturação em curso. “Embora o cenário na região ‘continue desafiador’, as empresas têm trabalhado para mitigar a queima de caixa, reforçar liquidez e se reposicionar”. O preço-alvo dos ADRs da Azul passou de US$ 10 para US$ 18, e da Gol foi de US$ 5 para US$ 10.

Os dados divulgados nos últimos dias para as empresas do setor ajudaram a corroborar esse cenário. A Gol informou na última quinta-feira que terminou o mês passado com aproximadamente R$ 2,1 bilhões em liquidez total e que cumpriu suas obrigações com o “Term Loan B”, sua principal dívida de curto prazo. O prazo médio da dívida de longo prazo, excluindo arrendamento de aeronaves e notas perpétuas, é de quase 4 anos.

Além disso, a empresa ainda informou ter aumentado a média de voos diários após verificar alta de 20% na demanda em agosto. A Gol projeta elevação de capacidade de 300% no terceiro trimestre deste ano e de 120% no quarto trimestre. Com uma posição de caixa confortável para continuar a reconstruir a rede, a avaliação do Bradesco BBI é de que a companhia está no caminho certo para emergir da crise; os analistas possuem recomendação outperform para os ativos, com preço-alvo de R$ 24.

Os analistas possuem a mesma recomendação para as ações da Azul, com preço-alvo de R$ 23. Nesta sexta, a companhia divulgou os dados preliminares de agosto, com o tráfego de passageiros consolidado (RPKs) subindo 26,4% em relação a julho de 2020, frente a um crescimento de 33,3% na capacidade (ASKs). Já em comparação com agosto de 2010, o tráfego consolidado (RPK) caiu 68,7%, enquanto a capacidade (ASK) recuou 65,6%.

A taxa de ocupação foi de 75,5%, enquanto a taxa de ocupação doméstica foi de 75,7% e a internacional totalizou 72,7%. “Em agosto voamos mais de 40% da capacidade doméstica comparada com o mesmo período no ano passado. Além disso, durante o mês tivemos uma melhora significativa nas tarifas e na receita, o que reforça nossa confiança no aumento sequencial de nossa capacidade,” disse John Rodgerson, CEO da Azul.

Contudo, no médio e longo prazo, há mais dúvidas sobre o desempenho das companhias na Bolsa,  conforme destaca Roberto Indech, estrategista-chefe da Clear Corretora. “Não mudo minha perspectiva de ceticismo com esse setor, já que é formado por ações voláteis. Pode trazer bons rendimentos para os acionistas no curto prazo, mas as empresas do setor não contam com um histórico positivo no Brasil”, avalia o analista.

O estrategista ainda aponta para mudanças estruturais para as companhias, que podem afetar negativamente as suas operações em um horizonte mais longo de investimentos, visão esta também corroborada pelo Morgan Stanley.

“Apesar do tráfego ter se recuperado até certo ponto, projetamos algumas mudanças importantes a longo prazo na indústria. Um é o provável enfraquecimento da demanda devido ao uso de plataformas virtuais de comunicação e uma redução nos gastos das empresas com viagens de negócios. Digno de nota que, no Brasil, a demanda corporativa no período pré-Covid representava uma porcentagem significativamente maior da demanda total para as aéreas brasileiras (cerca de 60% das receitas de passageiros) do que na maior parte dos países desenvolvidos”, apontam os analistas.

O banco segue cauteloso com o setor, possuindo recomendação equalweight (exposição em linha com a média do mercado) para Azul e Gol.

E-commerce: forte queda, expectativas positivas pela frente

No caso das empresas com grande exposição ao e-commerce, a combinação de investidores embolsando os lucros – Magalu, Via Varejo e B2W seguem na lista de maiores altas do ano, com ganhos entre 55% e 85% -, tendo como gatilho um sell-off das ações de empresas de tecnologia no exterior, e alguns temores pontuais sobre maior concorrência têm levado à baixa expressiva dos ativos no mês.

A expectativa, conforme ressalta Indech, é de que, no curto prazo, as ações sigam acompanhando  a maior volatilidade das empresas techs, mas avalia que essa correção é natural.

E ressalta que, ao contrário das aéreas, as perspectivas são mais positivas para as companhias de e-commerce no pós-pandemia. Isso porque elas mudaram de patamar com as fortes vendas no segmento online, em um cenário em que as lojas físicas ficaram fechadas por muito tempo no auge da pandemia.

A avaliação é de que, mesmo com a reabertura gradual das lojas físicas, a tendência de maior participação do e-commerce tenha vindo para ficar, com muitas resistências à compra online sendo quebradas. Quem saiu na frente na tendência de digitalização, que já estava ocorrendo mesmo antes do coronavírus, deve ser beneficiado.

Entre as top picks do setor mais expostas ao e-commerce, os analistas do Morgan Stanley destacam as ações do Mercado Livre, listadas na Nasdaq, além do Magazine Luiza e Lojas Americanas, avaliando que a pandemia acelerou a tendência de crescimento do e-commerce na América Latina.

Já com relação às preocupações com a concorrência – neste mês, a Amazon inaugurou o seu maior centro de distribuição no Brasil -, Pedro Fagundes, analista de varejo da XP Investimentos, destaca que as companhias brasileiras estão preparadas e ainda reforça o otimismo com o setor.

“As empresas de e-commerce continuam indo muito bem, mesmo com a reabertura do varejo físico. A narrativa construída ao longo da pandemia, de maior participação no online, continua, nada mudou”, aponta.

O analista possui recomendação neutra para o Magalu e para B2W por conta do valuation, mas destaca gostar bastante da estratégia das companhias, enquanto possui recomendação de compra para Via Varejo, destacando que a empresa tem reduzido várias lacunas relacionadas ao desenvolvimento de tecnologia, logística e infraestrutura multicanal.

Desta forma, apesar da recente queda das ações, o cenário segue positivo para as ações de e-commerce; já para as aéreas, a recuperação da demanda deve guiar um movimento de recuperação dos papéis – mas há receios sobre o quanto as mudanças no pós-pandemia podem afetar as operações das empresas.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.