A cultura e o audiovisual na era da interdepêndencia econômica internacional

Ao tornar o país mais conhecido pelo mundo através do cinema e outras manifestações culturais, pode-se atingir positivamente diversos setores da economia, além do turismo.

Equipe InfoMoney

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Colunistas convidados: Alessandra Meleiro (professora da UFSCar e vice presidente do Forcine), Stephanie Dennison  (professor da University of Leeds, UK) e Alessandra S. Brites (meste em Estudos Estratégicos Internacionais da UFRGS)

O início do século XXI caracteriza-se como um período histórico de transição entre a velha ordem mundial, constituída pela unipolaridade americana, após o colapso soviético e o fim da Guerra Fria, e a formação de uma Nova Ordem que, para muitos estudiosos, tende a ser multipolar. Para além da formação de novos polos de poder econômico e militar, o cenário internacional atual vem compondo novas características como a interdependência econômica complexa que é possível ser observada na formação de blocos econômicos existentes em todas as regiões do mundo.

Este conceito desenvolvido pelo cientista político e teórico das relações internacionais Joseph Nye, um dos principais nomes da escola Liberal das RI, traz em si a noção de que os Estados, ao contrário do que propõem a escola realista, abrem mão de parte de sua soberania e de seu poder de coerção em troca de uma cooperação com outros Estados e, inclusive, outros atores como organizações internacionais e ONG´s. A escola Liberal das RI acredita que é possível aos países terem interesses em comum e assim possam cooperar.

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Em outras palavras, pode ser do interesse nacional dos Estados o trabalho conjunto, no intuito de atingir um fim comum a todos os interessados. Portanto, um mundo liberal teoricamente seria mais pacífico e os custos das guerras ao Estado seriam reduzidos. Esta é uma perspectiva diferente do Realismo, que afirma ser o interesse nacional o objetivo máximo dos Estados, estando organizações internacionais e outras instituições com um poder de atuação inferior no cenário externo.

Há o antagonismo entre as duas vertentes existes, mas é preciso levar em conta que Nye não propõe que a competição entre os Estados cesse. Na realidade, ela torna-se apenas mais complexa. No objetivo de promover interesses em comum, os países podem unir esforços e competir ao mesmo tempo, numa relação que ultrapassa os limites das circunstâncias comerciais e econômicas de curto prazo. Neste novo contexto, novas estratégias substituem antigas medidas políticas.

Por exemplo, ao invés da aplicação de uma política bélica, chamado hardpower, o poder da força, para consolidar interesses em outras regiões do mundo, é possível utilizar a persuasão, atração e convencimento, o chamado Soft Power, poder brando, conceito cunhado por Joseph Nye, no final da década de 1980. Mais especificamente, significa reconhecer o que um país acha atraente em outro, criar novas características atrativas e produzir uma narrativa coerente que incorpore essas características. Ou seja, trata-se de uma nova estratégia de conquistar “corações e mentes”, sem necessitar do uso da força, tão custoso aos países.

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O Soft Power necessita de veículos para ser exercido e os meios de comunicação de massa e a internet são as plataformas ideias para a transmissão de códigos de valores que buscam convencer as demais populações do globo sobre a sua importância como ator internacional e como líder. A indústria cultural é o braço brando do Estado que, através de matérias jornalísticas, publicidade, propaganda, filmes, seriados e tantos outros produtos culturais, resulta muitas vezes conseguir exercer seu poder de influência. Por exemplo, em filmes de Hollywood podemos perceber a constante menção aos Estados Unidos como país dos bravos, livres e defensores da democracia. Mesmo que esta não venha ser uma realidade plena deste país, tal discurso é aceito e assimilado por muitos cidadãos nos diferentes continentes. O crescente interesse em soft power é, para Nye, um reflexo de mudanças geopolíticas trazidas pela globalização.

O grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) surge neste novo cenário com uma série de desafios. Em conjunto, eles buscam modificar uma realidade ainda pouco favorável aos seus interesses no cenário político e econômico atual. Desta forma, desde 2009, estes países vêm implementando políticas estratégicas que ultrapassam as intenções meramente comerciais e hoje, para muitos analistas de política internacional, os BRICS, em futuro próximo, consolidarão sua posição como um grupo político, uma aliança que visa expandir a sua influência geopolítica. Estes países são agentes econômicos de grande importância em suas regiões e assumem um papel de liderança nos blocos econômicos e organizações políticas regionais. Tais instituições são de extrema importância aos países dos BRICS, pois ampliam o seu poder de influência e barganha frente aos países centrais da Europa Ocidental, mais os Estados Unidos.

Se formos levar em consideração qual desses países apresenta uma política externa cultural para o audiovisual mais expressiva, a China é o país com mais planejamento e visão estratégica. Ela iniciou uma aproximação com os EUA, Hollywood, na produção de filmes, para realizar obras audiovisuais em conjunto que promovem a imagem mais positiva da China como uma cultura pacifica e que demonstra respeito a culturas diferentes e o empoderamento dos indivíduos na filosofia Yin, Yang. É uma tentativa de equilibrar a imagem negativa do país apresentada muitas vezes pelo Ocidente que teme a volta da China como potência global. Os russos, aos poucos, também vem desenvolvendo ações importantes: muitos oligarcas estão comprando partes nos estúdios americanos e buscam produzir filmes que apresentam outra face da Rússia ao Ocidente, além de mostrar à indústria hollywoodiana que a Rússia é uma opção valiosa a produção cinematográfica.

Não há uma política

estratégica para o audiovisual

Tanto China, quanto Rússia buscam no cinema a promoção da unidade e do orgulho nacional, porém reconhecem a grande importância de incluir toques de internacionalidade as suas produções. Contudo, são medidas ainda tímidas se comparadas com Europa Ocidental e EUA. Os demais países Brasil, Índia e África do Sul ainda não apresentam uma política externa estratégica estatal ou privada, para o audiovisual, estando ainda muito focados em seus mercados internos.

O Brasil, especificamente, ao longo da sua história, não tem considerado a cultura e a mídia como objeto de estudo a ser mais investigado do ponto de vista científico para após incluí-lo como um elemento estratégico na composição da sua política externa. Promover no cenário internacional os seus produtos culturais vem ao encontro de, conjuntamente, criar uma imagem e transmitir um código de valores que irão auxiliar o melhor desempenho econômico e político, direta e indiretamente. Por exemplo, ao tornar o país mais conhecido pelo mundo através dos filmes, pode-se atingir positivamente diversos setores da economia, além do turismo. E ampliando esta condição para um país com uma imagem positiva aos olhos da chamada comunidade internacional promove uma noção de estabilidade e consequentemente pode levar à atração de novos investimentos.

Levando em conta este contexto, o Seminário Internacional Soft Power, Cinema e os BRICS, que acontecerá em São Paulo nos dias 27 e 28 de outubro pretende trazer cultura e, especificamente, cinema, para o centro das discussões sobre soft power. O Seminário é oportuno para o Brasil, e especificamente, São Paulo, visto que o tema não se encontra incluído no plano de governo da esfera federal ou municipal, enquanto soft power é um elemento explícito do plano de governo quinquenal chinês atual; um dos objetivos estratégicos da UE (promover a cultura como um elemento vital das relações internacionais da UE); e tema do primeiro relatório da Comissão Inglesa sobre Soft Power no Reino Unido (“Persuasão e Poder no Mundo Moderno “), publicado pela Câmara dos Lordes do Reino Unido em 2014.

O relatório acima mencionado recomendou a criação de uma nova “unidade narrativa estratégica” no coração do governo, que tem sido amplamente comentado na imprensa internacional e ilustra em que medida os países estão cada vez mais dando importância ao soft power na sua política externa e em suas agendas culturais. Tendo ouvido evidências de várias fontes, inclusive do Centro de World Cinema da Universidade de Leeds, a Comissão Inglesa sobre Soft Power no Reino Unido procurou informações sobre o assunto relacionadas com os países do BRICS (especialmente China e Brasil).

Assim, estamos na hora certa para explorar em maior detalhe o emprego de estratégias de soft power das nações emergentes, a fim de matizar as discussões sobre as formas deste conceito bem-sucedidas em diferentes partes do globo, e de iniciar uma análise a partir da perspectiva da cultura cinematográfica.

É importante relembrar que há, então, uma conexão explícita entre o crescente interesse em soft power e nações emergentes (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). O Seminário Internacional Soft Power, Cinema e os BRICS/ São Paulo – bem como o Projeto de pesquisa homônimo conduzida por uma rede de pesquisadores da University of Leeds (https://www.facebook.com/bricsfilm/?fref=ts) – reunirá, pela primeira vez, atores estatais e não estatais de vários países que pretendem explorar estas ligações.