Inflação suave e varejo estável nos EUA elevam chance de Fed cortar juros no ano

Embora preços de serviços e da habitação ainda estejam em patamares altos, consumo deu sinal de alívio em abril, o que tende a tornar o trabalho do Fed menos difícil; é esperado ao menos um corte de juros até dezembro

Roberto de Lira

Sede do Federal Reserve em Washington (Foto: Jim Bourg/Reuters)
Sede do Federal Reserve em Washington (Foto: Jim Bourg/Reuters)

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O dado da inflação ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) dos Estados Unidos divulgado nesta quarta-feira ajudou a reduzir o pessimismo de alguns economistas sobre o Fed não reunir condições para cortar os juros ainda neste ano. Especialmente porque a variação de 0,3% do indicador em abril, ligeiramente abaixo dos últimos três meses e da mediana das projeções, veio no mesmo dia em que foi anunciada uma inesperada estabilidade nas vendas do varejo local no mês.

Para Andrea Damico, economista chefe da Armor Capital, o dado estável do varejo foi a principal surpresa do dia – a projeção da Reuters era de uma alta de 0,4% -, apontando queda em várias categorias de produtos e nos núcleos.  

Ela destacou que esse foi um dos primeiros sinais de alguma desaceleração da economia americana, após um primeiro trimestre do ano extremamente forte em termos de consumo e de investimentos.

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“Bastante importante a gente se deparar com dados um pouco mais fracos porque isso pode ajudar o Fed. Hoje a gente tem praticamente uma manutenção de juros nos Estados Unidos, mas esse dado acho que aumenta a probabilidade de ter algum corte neste ano”, comenta.

Claro que também é preciso avaliar a taxa de inflação. Nesse caso, embora o CPI não seja o dado mais observado pelo Fed – que prefere observar o PCE – a medida de núcleo veio praticamente em linha com o esperado e o chamado “supernúcleo” (que exclui a Habitação) desacelerou no mês, embora ainda tenha ficado em patamar alto.

“Ele desacelerou bastante em relação aos níveis do mês passado, que estava em 0,65% e veio para 0,42%. Enfim, é um número que mostra o arrefecimento na margem, porém ainda é um número desconfortável aí para o Fed”, explica Andrea.

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Greg Wilensky, chefe de renda fixa dos EUA e gerente de portfólio na Janus Henderson Investors, também acredita que os dados de inflação desta semana mantêm vivas as esperanças de um corte inicial na principal taxa de juros do Fed no segundo semestre.

Para isso, seriam necessários mais passos na direção da moderação da inflação e que ele fossem apoiados por sinais mais concretos de fraqueza do mercado de trabalho nas próximas semanas.

Na sua análise, ao combinar os componentes apropriados dos relatórios de PPI e do CPI desta semana, a interpretação das leituras do núcleo de inflação do PCE deste mês apoia uma queda para uma impressão de 0,2%.

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Wilensky  destaca que o mercado agora está precificando dois cortes de juros para 2024. Ele concorda com essa visão e prevê que a inflação voltará a se aproximar de sua meta, com uma aterrissagem suave da economia.

Para o Itaú, o número de hoje do CPI indica uma leitura do núcleo do PCE de 0,24% no mês, o que é melhor do que a média de 0,36% do 1º trimestre do ano, embora não seja suficiente para que o BC americano inicie o ciclo de flexibilização agora. “A inflação continua elevada e mantemos a nossa visão de que a Fed manterá as taxas elevadas por mais tempo, iniciando o ciclo de cortes apenas em dezembro”, diz a análise do banco.

Sobre o comportamento dos preços em abril, o Itaú comenta que  a composição do núcleo ficou em linha com as expectativas, sem surpresas na maioria dos componentes. “O núcleo do CPI desacelerou para 0,3%, face ao ritmo de 0,4%, devido a outra queda nos preços dos automóveis usados e a alguma inversão dos fortes aumentos nos serviços de transporte, principalmente seguros e reparações dos últimos meses.”

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Esperanças renovadas

Para Danilo Igliori, economista chefe da Nomad, os dados do CPI referentes ao mês de abril, apesar de registrarem reduções marginais, renovam as esperanças para a retomada do processo de desinflação nos EUA.

Segundo ele, depois de um abril em que o “alto por mais tempo” ganhou força, em maio volta-se a discutir quanto tempo vai levar para se percorrer a última milha do combate à inflação. “Os mercados reagiram muito positivamente, antecipando que os números benignos do CPI de abril aumentam as chances de os cortes de juros acontecerem antes de setembro”, prevê.

Para o economista da CM Capital, Matheus Pizzani, qualificar a divulgação de hoje como heterogênea parece ser a decisão mais correta em termos de composição do indicador, uma vez que efeitos difusos marcaram o comportamento dos diferentes grupos que formam o CPI.

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“Embora o CPI não seja o indicador de inflação oficialmente acompanhado pelo Fed, três preços específicos da pesquisa são monitorados pela autoridade monetária dos Estados Unidos, sendo dois deles os preços de veículos novos e eletricidade. O resultado de hoje possui um viés significativamente positivo quando analisado sob a ótica da política monetária”, explica.

Porém um componente analisado pelo Fed que não trouxe necessariamente boas notícias foi o de habitação (“shelter”), que apresentou alta de 0,4% pelo terceiro mês consecutivo, “ratificando sua impressionante capacidade de resiliência, representando uma exceção na atual conjuntura tendo em vista a volatilidade que tem marcado a trajetória dos demais itens do CPI”.

Para ele, mantida a característica da divulgação de hoje, a trajetória da inflação parece abrir pouco espaço para corte de juros na primeira metade de ano nos Estados Unidos, fazendo com que os discursos das autoridades que compõem o Fomc sigam no campo mais “hawkish”.

Mas essa situação pode não se mostrar sustentável para o segundo semestre, “quando o arrefecimento da atividade econômica somada aos efeitos defasados da política monetária, cujo principal desdobramento tende a ser um peso menor por parte do componente inercial da inflação, devem abrir espaço para o início do processo de flexibilização monetária no país.”

Serviços ainda pressionam

Mas Claudia Rodrigues, economista do C6 Bank, alerta que a composição do índice revela que os preços de serviços continuam pressionando a inflação, um reflexo do mercado de trabalho aquecido, embora os preços de bens sigam contribuindo para uma menor leitura do indicador.

Ele lembra que declarações recentes de membros do comitê de política monetária do Fed têm reforçado a mensagem de que não esperam por novos aumentos de juros, pois acreditam que o nível atual já é suficientemente restritivo para levar a inflação à meta. No entanto, eles também reconhecem que a inflação ainda não deu sinais claros de que está convergindo e que precisam de mais tempo antes de iniciar o ciclo de cortes.

“Apesar de o mercado esperar que o processo de redução de juros comece ainda neste ano, nossa visão é de que a persistência da pressão inflacionária é inconsistente com o início do ciclo de cortes em 2024.”

Na análise de Scott Helfstein, chefe de estratégias de investimentos da Global X, o Fed provavelmente continuará paciente, mas um corte nas taxas em dezembro é o mais provável. “Um ambiente estável de taxas e inflação é bom para as empresas. O consumidor está bem e o crescimento econômico será provavelmente impulsionado pelo investimento empresarial durante o final do ano”, prevê.

Rodrigo Cohen, analista de investimentos e co-fundador da Escola de Investimentos, vê a inflação dos EUA ainda bem longe da meta, mas já é possível voltar a pensar em pelo menos uma queda até o final do ano. “Não acho que o Fed deveria derrubar os juros mais vezes ao longo desse ano mesmo porque, de fato, eles estão certos com uma posição mais cautelosa, já que a inflação ainda está muito longe da meta. Mas acho que os dados já favorecem pelo menos uma queda até o final do ano.”