Com expectativa de “Super Quarta” sem surpresas, analistas vão buscar ‘spoilers’ dos próximos capítulos

Mercado especula se o BC brasileiro pode acelerar ritmo de queda da Selic até o fim do ano e se o Fomc pode antecipar a última alta de juros

Roberto de Lira

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Os comitês de política monetária do Brasil (Copom) e dos Estados Unidos (Fomc) anunciam hoje suas decisões sobre as taxas de juros, na chamada “Super Quarta”, apelido dado pelo mercado quando as reuniões coincidem suas datas. Como de outras vezes, há menos expectativas quanto aos anúncios e mais atenções voltadas aos comunicados dos Bancos Centrais. Ou seja, todos querem “spoilers” sobre os capítulos à frente, especialmente os dos encontros de novembro.

No Brasil, está consolidada a projeção de analistas de que o Copom vai optar por uma nova queda de 0,50 ponto percentual da taxa Selic, dos atuais 13,25% para 12,75%, ritmo que o próprio BC sinalizou como o mais adequado. Já nos Estados Unidos, a plataforma da CME FedWatch coloca em 99% a probabilidade de o Fomc manter as taxas no intervalo entre 5,25% e 5,50%.

As duas autoridades monetárias também têm insistido em suas comunicações que estão dependentes de dados para a tomada de decisões. E há ansiedade por parte dos mercados aqui e lá fora por alguma mudança nos planos de voo estabelecidos pelas autoridades monetárias até o final do ano.

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Para o Brasil, a suposição é por sinais de que a velocidade de queda na taxa suba, para 0,75 p.p. Nos EUA, estima-se que ainda há espaço e motivos para uma nova e derradeira alta de 25 pontos -base nos juros até o final de 2023.

“Dot plot”

Para a reunião do Fomc, cuja decisão será anunciada às 15 horas, há uma possibilidade maior de o colegiado oferecer pistas, uma vez que serão renovadas as projeções dos diretores, com o famoso gráfico de pontos (“dot plot”). Na última vez que essas estimativas saíram, em junho, consolidou-se a projeção de que ainda haveria espaço para mais dois ajustes de 25 pontos-base na taxa, um dos quais já foi aplicado em julho.

“Eles (o Fomc) têm como sinalizar mais objetivamente mais uma alta ou não. Teoricamente, eles têm nos ‘dots’ um instrumento para dizer o que vão colocar no radar. Se seguirem a estratégia que adotaram lá atrás, vão deixar mais uma alta no radar, mas acho que vão adotar um discurso totalmente ‘data dependent’”, analisa Andrea Damico, economista chefe da Armor Capital.

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Alex Agostini, economista chefe da Austin concorda, lembrando que os últimos dados têm mostrado que os Estados Unidos estão realizando o chamado pouso suave da economia,  acomodando a atividade. “Eles conseguem lá ter maior flexibilidade para parar e avaliar. Acho possível ter mais uma alta até o final do ano – esse é um cenário – mas precisa esperar até a próxima reunião para consolidar o cenário”, afirma.

Já para o Brasil, a expectativa de sinalizações é menos intensa. Andrea diz acreditar que vai acontecer uma aceleração do ritmo de queda da Selic em dezembro, na última reunião do Copom no ano, porém ele vê que a reunião de hoje vai acionar o modo piloto-automático, com poucas mudanças no comunicado.

“Acho que eles não mexem no balanço de riscos eão deixar para debater o fiscal na Ata, como já fizeram na última vez. Talvez tragam na Ata ou no Relatório de Inflação uma discussão de PIB potencial. Não deve ter qualquer abertura de porta para 0,75 p.p. Vão manter o discurso que a barra está alta”, afirma a economista da Armor, que espera sinais de flexibilização somente na reunião de novembro, que prepararia o terreno para uma aceleração em dezembro. Um desses sinais poderia ser uma nova divisão de opiniões entre os diretores na próxima reunião.

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Agostini, também diz não ver sentido para o BC acelerar o ritmo de cortes da Selic num prazo curto. “Se cair a inflação agora, reduz um pouco a inércia para o ano que vem, mas vai fazer pouco efeito porque este ano já está dado. Esse seria o principal motivo de redução dos juros. Outro ponto pode ser uma desaceleração muito forte da atividade econômica. Não vejo nenhum dos dois cenáriosagora”, comenta.

Pelo contrário, Agostini acredita haver até mesmo um risco de uma inflação um pouco maior esse ano, por conta do aumento do preço de petróleo internacional e por uma volta no movimento de alta nos preços de commodities.

Essas opiniões estão em linha com a avaliação de Dierson Richetti, sócio da GT Capital. Segundo ele, para o BC brasileiro fazer uma correção mais forte no ciclo de baixa, o primeiro ponto é ter o controle da inflação mais próximo da banda central, além do avanço das reformas na Câmara e no Senado.

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“E, principalmente, chegarmos à austeridade fiscal do Brasil, o controle dos gastos. O governo mostrar que está disposto a fazer esse controle de gastos é o que pode acelerar essa queda”, comenta.

Sobre a reunião do Fomc, Richetti afirma que o Fed vai destacar no comunicado preocupações com o atual patamar dos preços dos combustíveis, que traz um impacto significativo para a inflação local. Além da inflação estável, o BC americano também precisa que o mercado de trabalho desaqueça.

BC cauteloso

Adriana Dupita, economista sênior para Brasil e Argentina na Bloomberg Economics, também diz não esperar que o Copom antecipe alguma mudança substancial em seu comunicado. Ela acredita que a inflação subjacente controlada e as expectativas estáveis permitirão ao BC reduzir a taxa Selic para 12,75%. “Isso ainda deixaria a política muito restritiva, com uma taxa de juro real ex-ante de 8,3%, bem acima do nível de 4,5% que os decisores políticos consideram neutro”, afirma.

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Ao contrário da última reunião, quando placar de votação foi de 5 a 4 pelo corte de 0,50 p.p., ela projeta que a decisão seja unânime hoje. “O enfraquecimento da moeda desde a reunião de agosto, um resultado do PIB do segundo trimestre mais forte do que o esperado e dúvidas persistentes sobre a capacidade do governo de cumprir a sua meta de orçamento equilibrado são argumentos contra um ritmo mais rápido de cortes”, argumenta.

O último relatório de C6 Bank vai na mesma linha de raciocínio, prevendo que a comunicação do Comitê deve sinalizar novos cortes de juros na mesma magnitude para as próximas reuniões, afirmando que este é o ritmo apropriado para manter a política monetária contracionista necessária para o processo desinflacionário.

O banco destaca que, desde a última reunião, ocorreram poucas mudanças que afetam o cenário prospectivo para a inflação, com ligeira mudanças nas projeções para o IPCA no Boletim Focus tanto para 2023 como para 2024. “Esperamos, por ora, cortes de 50 pontos-base para as reuniões restantes do ano. Projetamos a Selic em 11,75% ao final de 2023 e em 9,25% ao final de 2024”, diz o C6 Bank.

Marcos de Marchi, economista chefe da Oriz Partners, lembra que, entre as condições colocadas pelo BC para cogitar uma aceleração da queda de juros, uma em especial não foi preenchidas: a convergência da inflação para a meta, especialmente nos horizontes mais distantes.

“Em 2025 e 2026, a expectativa de inflação está ainda em 3,5%, conforme vimos no Relatório Focus desta segunda-feira. São várias semanas em que a expectativa de inflação está estacionada nesse patamar”, destaca.

Ele cita ainda como pontos de atenção a taxa de desemprego em patamares baixos, o que tende naturalmente a pressionar a inflação ao longo do tempo. “A gente não está observando isso no momento, mas nada impede que esse baixo nível na taxa de desemprego volte a trazer um pouco mais de inflação, especialmente a de serviços”, analisa, reforçando que a Pesquisa Mensal de Serviços do IBGE já mostra quatro meses de alta nos serviços às famílias.

Para o economista-chefe da Nova Futura, Nicolas Borsoi, o único desenvolvimento benigno para o balanço de riscos do Copom foi a melhora na inflação de serviços. “Acreditamos que este fator não é suficiente para validar um discurso mais leve pelo Copom, ou por uma sinalização sobre aceleração dos cortes. Além disso, há chances significativas de o Fed elevar a taxa das Fed Funds em 0,25% até o fim de 2023, contribuindo para um menor grau de liberdade do BC brasileiro na condução da política monetária”, alerta.

Assim, apesar de ainda existir a possibilidade de o Copom acelerar os cortes para 0,75% no fim do ano, a Nova Futura aponta o cenário de 0,50% como o mais provável em todas as reuniões de 2023.

“Ainda vemos o Copom com uma mensagem de cautela e parcimônia. Portanto, esperamos um corte de 0,50% nesta quarta-feira. Para os anos fechados, esperamos que a Selic termine 2023 em 11,75%, com o ciclo se estendendo no próximo ano, com a taxa Selic fechando 2024 em 9,50%.”

De Marchi, da Oriz, também acredita que os “dots” vão manter a possibilidade de mais uma alta nos EUA. Para ele, outro ponto importante a se observar é se o Fed vai manifestar alguma possibilidade de reversão da taxa neutra de juros. “A taxa de longo prazo, que é equivalente à taxa nominal neutra que eles projetam no relatório está em 2,5%. Acho difícil revisar nessa reunião, mas é uma possibilidade para a gente ficar atento”, comenta.