BC não surpreende em decisão sobre Selic, mas sugere necessidade de política monetária ainda mais apertada pela frente

No comunicado, BC indica ser apropriado que ciclo de aperto “avance no território contracionista", o que chamou a atenção de economistas

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Em linha com o esperado pela maior parte dos agentes de mercado, o Banco Central elevou a Selic em 1 ponto percentual, atingindo 6,25% ao ano. A decisão foi unânime, dando sequência ao seu ciclo de aperto monetário para domar uma inflação que tem se mostrado mais persistente e disseminada.

Esta foi a segunda vez seguida em que o BC ajustou a taxa básica nesta magnitude. Desde março, quando tirou a Selic da mínima histórica de 2% ao ano, o BC já subiu os juros básicos em 4,25 pontos percentuais.

Em live realizada pelo InfoMoney (veja no vídeo acima), Patricia Pereira, estrategista-chefe da MAG Investimentos, e Alessandra Ribeiro, economista da Tendências Consultoria, destacaram que o comunicado não teve tantas surpresas para o mercado, mas que trouxe algumas indicações importantes sobre os próximos passos do BC.

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Patricia aponta que quem estava uma expectativa de alta mais forte teve a possibilidade de corrigir nas últimas semanas, após a fala de Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, de que a autoridade monetária manteria seu plano de voo – o que praticamente chancelou a aposta de alta de 1 ponto nesta reunião.

“O comunicado foi bastante neutro, também não se imaginava que o ritmo ia ser acelerado ou reduzido”, destacou a economista, ao citar que o BC deve manter o passo na próxima reunião.

Alberto Ramos, diretor de pesquisa econômica para América Latina do Goldman Sachs, destacou em relatório que, para o Copom, no atual estágio do ciclo de alta das taxas, a manutenção do ritmo estável de 1 ponto percentual foi julgada a mais adequada para garantir a convergência da inflação para a meta no horizonte relevante e, simultaneamente, permitir ao Copom reunir mais informações sobre o estado da economia e a persistência de choques.

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Avanço além do território contracionista

Um ponto importante destacado por economistas é a citação do Copom no comunicado de que “o cenário básico e o balanço de riscos do Copom indicam ser apropriado que o ciclo de aperto monetário avance no território contracionista”, representando um avanço em relação ao documento anterior, que mencionava um ciclo de elevação da taxa de juros para um patamar acima do neutro.

Para Alessandra, essa citação de avanço no território contracionista pode indicar que a Selic encerre o ciclo de alta em patamares um pouco mais elevados do que projetava no último comunicado.

Na mesma linha, Caio Megale, economista-chefe da XP, aponta que essa citação sugere que o Comitê vê agora a necessidade de uma política monetária mais apertada do que ele via na reunião passada.

As projeções de inflação do Copom dão uma pista do quão mais apertada será essa alta, avalia o economista da XP. Utilizando a curva da taxa Selic projetada pela Pesquisa Focus – 8,50% para 2022 e 6,75% para 2023 -, a projeção do IPCA está um pouco acima da meta para 2022 (3,7%) e da meta para 2023 (3,2%).

“Dessa forma, acreditamos que o plano de voo do Copom está de acordo com a curva Selic da pesquisa Focus, ou um pouco acima”, aponta Megale.

Ele complementa: “a avaliação da economia também parece marginalmente mais dura. O Copom pouco mudou na sua visão sobre a atividade econômica (não falou, por exemplo, do recente corte nas projeções de mercado para o crescimento do PIB em 2022). Sobre a inflação, por sua vez, acrescentou que as pressões atuais devem continuar no curto prazo e destacou que os preços dos serviços vêm subindo a taxas mais elevadas. Por último, mas não menos importante, o Comitê continua observando uma assimetria para cima no balanço de riscos (ou seja, em direção a trajetórias de inflação acima do esperado) devido ao risco fiscal”.

A elevação das projeções de inflação com foco em 2022, estendendo-se também para 2023, também chamou a atenção da economista da Tendências. A inflação para 2022 era projetada em 3,5% no comunicado anterior e passou para 3,7%, mostrando que a autoridade monetária já vê os preços acima do centro da meta (de 3,5%) para o próximo ano.

Patrícia, da MAG, ressalta ainda que o BC indicou estar mais livre para avaliar a inflação como qualitativamente ruim, destacando a alta de núcleos contaminados por causa da pandemia, que não vai arrefecer no curto prazo. Além disso, ressaltou que, já no cenário básico, a autoridade monetária adotou a a hipótese de bandeiras tarifárias  de energia “vermelha patamar 2” em dezembro de 2022 e dezembro de 2023. “Já é um cenário pessimista, colocando um alerta [em meio ao cenário de crise hídrica]”, avalia a estrategista.

João Leal, economista da Rio Bravo Investimentos, por sua vez, avalia que esperava um Copom mais “hawkish” [sinalizando maior aperto com a política monetária] nesse comunicado.

“O Copom nomeou os principais choques que estão pressionando a inflação, mas faltou destacar os efeitos secundários desses choques, especialmente sobre o índice de difusão que demonstra que a pressão inflacionária já atinge muitos setores da economia. Essa ampla pressão de preços pode resultar em uma inflação ainda mais persistente e que ameaça desancorar as expectativas de 2022”, avalia Leal.

A expectativa da Rio Bravo é de uma alta da Selic de 1 ponto nas próximas duas reuniões, sendo seguida por um ajuste ao fim do ciclo em 0,5 ponto percentual, encerrando o ciclo de alta a 8,75% em fevereiro.

Para Megale, a decisão desta quarta é consistente com a projeção de que o Copom elevará a taxa Selic até 8,50%, dois pontos percentuais acima do patamar considerado neutro, de 6,5%. A expectativa é de mais uma alta de 1 ponto percentual, seguida de uma alta de 0,75 ponto em dezembro e uma alta final de 0,5 ponto no início de 2022.

“É uma mudança significativa na postura da política monetária. Junto com a taxa de câmbio e os preços de commodities mais estáveis, deve ser o suficiente para levar a inflação à meta até 2023. O cenário fiscal continua sendo o principal risco”, avalia o economista da XP.

Alessandra Ribeiro reforça que o BC teve uma mudança de tom nos últimos meses, deixando de adotar um discurso de política expansionista para contracionista, principalmente diante das surpresas inflacionárias, sendo que mesmo as casas de análise que já estavam mais preocupadas com as altas dos preços foram surpreendidas pelo avanço da inflação.

O cenário da Tendências é de Selic chegando a 8,25%, com manutenção de altas de 1 ponto nas próximas duas reuniões do Copom no ano, com os juros se mantendo nesse patamar durante 2022. Porém, avalia Alessandra, o que pode mudar o cenário é que muitas casas estão cortando projeções para o crescimento da economia para o próximo ano, como reflexo da política monetária contracionista, incerteza com eleições e crise hídrica, o que poderia “brecar” o Banco Central para essa política mais restritiva.

“Porém, essa citação de avanço no território contracionista pode sinalizar que o BC não se amarrou [a isso]”, destacou.

Já Patricia Pereira projeta uma alta até 8,25% ao fim desse ano, com duas altas na sequência, sendo seguida por uma elevação de 0,75 na primeira reunião de 2022, indo para 9%, ficando nesse patamar em 2022.

O Goldman Sachs ressalta que espera uma alta de 1 ponto na próxima reunião e uma subida constante e relativamente rápida para 8,25%, acima do neutro no final de 2021, e para pelo menos 8,50% no primeiro trimestre de 2022.

Porém, avalia que o Copom deixou a porta (um pouco) aberta para, eventualmente, aumentar o ritmo caso os dados recebidos apontem para uma persistência maior em torno da dinâmica da inflação que não seja amplamente compensado por nova deterioração de as perspectivas de crescimento, avalia Alberto Ramos, do Goldman.

Cenário internacional e riscos no radar

João Beck, economista e sócio da BRA Investimentos, ressalta que o Banco Central não faz nenhuma citação direta ao que está ocorrendo na China – sobre a crise da dívida da Evergrande e medidas do próprio governo do gigante asiático para desaceleração de alguns setores.

“Mas, em dois momentos do comunicado, faz certa alusão. No primeiro cita que no balanço de risco está considerando uma desaceleração das economias asiáticas e cita que é pelo motivo da variante Delta. Em outro momento, considera uma redução do preço das commodities como fator favorável para a inflação brasileira.”.

Para o economista, no curto prazo, a alta de juros de 1 ponto percentual não agita tanto o mercado, pois já é um aumento projetado e também sinalizado no comunicado da penúltima reunião.

“O tipo de risco que ainda não está resolvido no Brasil é o hidrológico. Isso ainda é uma incógnita. O volume de chuvas daqui para frente vai determinar se teremos mais inflação e combinada com eventual racionamento e desaceleração da economia por conta desse risco”, avalia Beck.

Impacto nos investimentos 

Sobre mudança nos investimentos, Jansen Costa, sócio-fundador da Fatorial Investimentos, ressalta que a alta da Selic influencia no mercado de renda fixa, que fica mais interessante. “Os pós-fixados imediatamente começam a render mais com a alta da Selic. Já para o prefixado e prefixado atrelado ao IPCA acredito que não vai mudar muita coisa, pois essa alta de juros já foi precificada anteriormente”, avalia.

Martin Iglesias, professor e especialista em Investimentos e Alocação de Ativos do Itaú Unibanco, ressalta que a alta da Selic não deve ter impactos relevantes nos títulos de renda fixa mais longos, pois são menos sensíveis à mudança na taxa de curto prazo.

Ele avalia que, potencialmente, poderia trazer também algum impacto no câmbio, com possível depreciação do dólar, provocada por eventual movimento de atração de investidores estrangeiros de renda fixa para o mercado brasileiro.

“Porém, é importante notar que a variação cambial também é influenciada por outros fatores como o cenário global, aumento de juros em outros países, além de preocupações ligadas à situação fiscal do Brasil”, ressalta.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.