Ataques de Lula ao Banco Central do Brasil enviam alerta mundo afora

Aperto monetário global gera apelo político contra juro alto, em um cenário em que Brasil vê famílias endividadas e empresas sob pressão

Bloomberg

Brasília (DF) 20/03/2023 Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e a ministra da Saúde, Nísia Trindade, durante solenidade que anunciou a retomada do programa Mais Médicos para o Brasil.

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(Bloomberg) – Existem poucos, se é que há algum, líderes no mundo que atacam publicamente os banqueiros centrais mais do que o presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva.

As razões são cada vez mais evidentes, conforme os brasileiros sentem as consequências de uma economia enfraquecida. Nove meses depois de a Selic atingir 13,75%, pico de uma série rápida de altas de juros, a dívida das famílias permanece em nível recorde, os bancos cortam o crédito e os casos de falências de empresas crescem.

Grande parte desse desconforto é resultado da política monetária comandada pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Sem esse aperto, ele e os demais membros da diretoria do BC avaliam, a demanda não esfriará o suficiente para levar a inflação à meta.

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Para Lula, porém, isso é um absurdo. Ele tem mirado Campos Neto repetidamente em seus discursos, acusando o ex-executivo de banco de prejudicar o crescimento do país ao tornar muito caro para os brasileiros tomar dinheiro emprestado.

A fricção entre os dois joga luz sobre um risco crescente da economia global. O Banco Central do Brasil pode ter elevado os juros antes e a um nível mais alto do que outras autoridades monetárias, mas quase todas — do Federal Reserve ao Banco da Inglaterra — aumentaram as taxas para patamares desconfortavelmente elevados para os políticos.

Os apelos para o fim dos aumentos de juros têm crescido nos capitólios de Nairóbi a Bogotá e Nova Delhi, ameaçando minar a autonomia que é tão crítica para a luta das autoridades monetárias contra a inflação.

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“A verdade é que a inflação vai demorar mais para cair aqui, e está demorando mais para cair praticamente em todos os lugares”, disse Silvia Matos, economista da Fundação Getulio Vargas. “A política monetária global super apertada criou um ambiente mais suscetível a divergências entre governos e bancos centrais. É um relacionamento que pode ser mais conflituoso.”

Apertada em todos os níveis

No Brasil, a tensão está evidente em todos os níveis da economia – dos consumidores aos executivos-chefes. Isso torna mais fácil para Lula, de 77 anos, cuja carreira política passou por presidências e sentença de prisão, culpar Campos Neto.

Embora a inflação já tenha caído mais da metade em relação ao pico de 12% do ano passado — chegou a 4,2% em abril —, os economistas se dividem sobre a continuidade do esfriamento. Essa incerteza leva o BC a manter a taxa básica no nível mais alto em mais de seis anos.

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Os elevados custos dos empréstimos estão entre os motivos pelos quais a dívida das famílias está no seu pico histórico e as montadoras fecham linhas de produção para evitar excesso de oferta. As taxas médias de juros sobre empréstimos pessoais e habitacionais no país são de 42% e 11%, respectivamente.

Ficou mais difícil tomar crédito em nível corporativo, também. Os aumentos de juros de Campos Neto tornaram o mercado de dívida doméstica mais custoso antes mesmo que os mercados de títulos em dólar fossem resfriados pelo ciclo de aperto monetário mais agressivo do Fed em uma geração. As emissões de empresas brasileiras — tanto no mercado local quanto no internacional — despencaram.

Houve menos de 90 emissões de títulos de companhias domésticas neste ano até meados de maio, a maioria deles em reais, o que totaliza cerca de US$ 11 bilhões, de acordo com dados compilados pela Bloomberg. Isso representa uma queda de 51% em comparação com o mesmo período do ano anterior, mostram os dados.

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“A sensação de que o juro está alto e pode continuar alto por um tempo gera bastante bastante incerteza”, disse Leonardo Ono, sócio e gestor de crédito privado da Legacy Capital, que tem R$ 35,8 bilhões em ativos sob gestão. “As empresas vão ter de lidar com esse aperto nos juros por mais tempo e, em um cenário como esse, a situação de fluxo de caixa e de balanços fica pior.”

Os bancos também estão reduzindo o crédito, com medo de assumir mais exposição ao risco depois do buraco contábil de R$ 20 bilhões da Americanas, que levou a um chocante pedido de recuperação judicial. Depois de ser atingido pela inadimplência no ano passado, o Bradesco disse que o momento é de cautela dados os juros altos. Já o Santander Brasil ainda se recupera depois da queda de 50% nos lucros no primeiro trimestre.

Isso faz com que as empresas busquem apoio de fontes inesperadas. O diretor financeiro da Minerva (BEEF3), Edison Ticle, disse no início deste mês que a exportadora de carne bovina queimou caixa para ajudar a financiar alguns de seus fornecedores que buscavam financiamento por conta própria.

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“Precisamos substituir os bancos no financiamento à nossa cadeia”, disse ele em entrevista.

Dificuldades corporativas

O número de pedidos de falência requeridos por empresas brasileiras nos primeiros quatro meses do ano aumentou 34,1% em comparação com o mesmo período do ano anterior, segundo a Serasa Experian, empresa de análise de dados corporativos e econômicos. Como Daniel Pegorini, CEO da Valora Gestão de Investimentos, sugere, foram principalmente os juros altos que podem “ter acelerado o fim de empresas que já tinham problemas”.

“Não haverá solução rápida de curto prazo”, disse Alberto Serrentino, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo. “Precisamos da perspectiva de corte de juros e da normalização do mercado de crédito privado para que as empresas possam respirar.”

Dilema do fabricante de brinquedos

Nem mesmo durante a pandemia, disse Marcelo Cardoso de Sá, sócio-fundador da empresa de médio porte Light Toys, as coisas estavam tão ruins. Uma das principais clientes da fabricante, a Marisa (AMAR3), deixou de pagar uma conta de R$ 2 milhões – uma quantia enorme para uma fabricante de bichos de pelúcia com 400 funcionários.

Para manter o negócio funcionando, Cardoso buscou financiamento para cobrir a falta de pagamento, mas as três ofertas bancárias que recebeu eram tão caras que ele teve de fazer um empréstimo pessoal para reduzir a taxa a um nível que pudesse arcar.

“Nosso negócio sofreu”, disse, “mas continuamos trabalhando com otimismo.”

A Marisa, varejista de moda, estava em negociações havia meses com seus próprios credores antes de finalmente parar de pagar a Light Toys. Um representante da Marisa disse que a empresa está conversando com seus fornecedores para encontrar uma solução. A fabricante de brinquedos ainda aguarda pelo seu pagamento.

Aguentar o tranco

Quanto mais os brasileiros são afetados pelas condições da economia, mais encorajado fica Lula — ele começou a destacar Campos Neto em suas tiradas — e mais perigosa se torna a luta para manter o Banco Central livre do tipo de intromissão política que causou tantos estragos econômicos no passado.

Mesmo assim, é provavelmente apenas uma questão de tempo até que a inflação diminua o suficiente para que a autoridade monetária afrouxe o aperto sobre a economia. Traders brasileiros avaliam potencial início dos cortes de juros para o fim deste ano.

Por ora, no entanto, Campos Neto não recua.

Ele tem defendido a autonomia do Banco Central, que só foi oficialmente sancionada em 2021, e advogado firmemente em favor das metas de inflação. Embora todos desejem juros menores, argumentou ele, as consequências de altas vertiginosas de preços seriam muito piores, especialmente em um país com histórico de hiperinflação.

O Copom não mencionou futuros cortes de juros no comunicado e na ata da reunião mais recente. Em vez disso, os diretores da autoridade disseram que estavam preocupados com as expectativas de reaceleração da inflação. Na opinião de Campos Neto e de sua equipe, as medidas de núcleos de inflação que eliminam itens mais voláteis – como alimentos e energia – e as expectativas dos analistas para a inflação precisam diminuir antes que se possa reduzir a Selic.

Lula, dias após a decisão, voltou a criticar Campos Neto.

“Ele não tem compromisso com o Brasil”, disse o presidente. “Lojistas, empresários, trabalhadores brasileiros não suportam mais essa taxa de juros.”